A ideia quando se fala em formação é que os colaboradores saiam beneficiados. Mas, seguramente, não serão os únicos e, para que o serviço mude, é necessário que mude também algo junto dos responsáveis. É de qualificação que falamos e a pergunta que fazemos às empresas é: quais as medidas concretas em torno do pacote formativo? Sem surpresa e observando em concreto o caso português, a preferência pela formação do lado das chefias é inquestionável. Esta é, de resto, uma ideia consensual entre as empresas em estudo – e, seguramente, não será apenas uma tendência exclusiva ao setor turístico.
Na Europcar, trabalha-se sobre uma lógica de acompanhamento on the job. João Figueiroa, diretor de recursos humanos em Portugal, sublinha que “o grosso é o acompanhamento no terreno”. Embora, como refere Alexandra Henriques, diretora de marketing da TQ Travel Quality, a principal dificuldade se prenda com “a conciliação entre a formação e o dia-a-dia”. Mas não se pense, no entanto, que os apoios da Europcar se esgotam aqui. A empresa garante ainda a comparticipação de 50% a 100% do valor em ações de formação complementares.
Desde a sua abertura, em 2005, no Convento do Espinheiro, em Évora, entende-se que uma das prioridades “é
proporcionar um crescimento profissional e humano dos nossos colaboradores”, salienta Maria Carapinha, diretora da unidade e gestora de recursos humanos, que estabelece 80 horas de formação a cada colaborador. “Puxamos sempre por eles de forma a crescer hierarquicamente”, diz.
Alguns dos melhores exemplos chegam-nos também da aviação. A TAP dispõe de centro de formação, onde existem, atualmente, quase 24 mil inscritos em cerca de três mil cursos, dos quais saem profissionais credenciados. Ainda que, exista a possibilidade da formação ser realizada por e-learning. Para o futuro, segundo Victor Vale, as equipas de liderança e gestão vão ser reforçadas.
Também a Talenter tinha há muito em cima da mesa a inauguração da Escola de Hotelaria, em Algés, com a função deste se tornar um prolongamento da formação até aí existente em diferentes áreas do setor. Algumas nas quais Rita Duarte, responsável da Talenter™ Academy, acusa existir pouca oferta formativa, como em alojamento ou f&b, onde nota: “é pouco ajustada com as reais necessidades das unidades hoteleiras”.
Com um índice de satisfação global por partes dos colaboradores de, aproximadamente, 87%, aponta Joana Ferreira, do departamento de recursos humanos, a formação no Vila Galé é um dos grandes eixos de atuação do grupo. Para tal criou a Academia Vila Galé, um programa interno de desenvolvimento pessoal e aprendizagem, ou de aperfeiçoamento dos conhecimentos técnicos e profissionais dos colaboradores. Além disso, conta ainda com uma plataforma online onde todos os trabalhadores se podem inscrever nas ações de formação disponíveis e aceder aos seus conteúdos programáticos e calendários. Em 2017, a aposta da cadeia nacional passa pela formação em liderança, sobretudo direcionada a cargos de chefia e Direção. Serão também lançados vídeos formativos para as restantes formações, complementado as ações desenvolvidas o ano passado.
Ainda no setor hoteleiro, as soluções encontradas ao longo do tempo pelo Bairro Alto Hotel valorizam, igualmente, um grupo homogéneo. A primeira cria condições para que seja feita a integração de novos colaboradores, estagiários ou situações de transferência interna. Enquanto que, numa segunda fase valorizam o saber técnico, existindo uma formação constante no âmbito da saúde, segurança e prevenção de incêndios.
Há, contudo, quem não pense da mesma forma. André Eira, diretor financeiro da Nortravel, tem uma visão contrária àquela que olha para as hard skills, mais relacionadas com expertise técnica, como única e exclusivamente necessárias. E nota: “Estas gerações estão muito focadas nas novas tecnologias, descurando muitas vezes o relacionamento interpessoal”, diz, sublinhando que “é fundamental na área”. Por isso, quanto ao futuro, a meta apontada para o operador turístico é menos técnica, esclareceu André Eira, referindo-se a ações empenhadas no desenvolvimento de temáticas relacionadas com a gestão de tempo ou a perceção do eu interior.
João Pronto, professor da Escola Superior de Hotelaria do Estoril (ESHTE) sai em defesa da mesma ideia. Ainda que, segundo o académico, existam cada vez mais defensores das hard skills e ilustra: “A verdade é que temos observado, e de forma muito consistente, uma crescente procura do mercado de trabalho nos estudantes da ESHTE”.
Como o turismo, ultimamente, está na linha da frente quando o assunto são boas notícias, permita-nos aclarar-lhe a perceção sobre uma outra camada da mesma realidade. Aquela que é, porventura, a mais humana desta dupla ganhadora. O desafio de gerir pessoas não está menor nem mais complexo do que foi no passado. Por isso, o que se sente, de uma maneira geral, quando falamos com as chefias deixa transparecer um compromisso comum: é vital dar mais atenção às motivações e necessidades dos colaboradores para minimizar os riscos de perda de talento.
Certo é que, hoje, estamos perante uma realidade repleta de oportunidades num mundo pertencente a uma geração que manifesta uma vontade constante de experimentação no mercado de trabalho. E isso acaba por ditar alterações profundas ao nível das políticas de gestão nas empresas. Mas, sendo assim, e se nas empresas se referem às pessoas como essenciais ao negócio, como retê-las? Muito simples: motivando-as, através dos mais variados fringe benefits. As chefias são obrigadas a olhar para os contratados como colaboradores mais próximos. Foram, por isso, aplicadas alterações fundamentais nas estratégias de gestão das empresas, mais centradas nas pessoas, para se assegurar a permanência dos quadros. O que deixa visível a olho nu as preocupações do mercado de trabalho com os níveis de turnover no setor turístico.
Para José Miguel Rosenbusch, consultor nas áreas de hospitality & leisure da Michael Page, “há muitas coisas boas a serem feitas, mas também existem muitos maus exemplos”. E exemplifica: “o colaborador não ter perspetiva de crescimento interno é mau, não ter a perspetiva de ver a entidade patronal reconher e investir na sua formação é mau, tal como é mau não ter a possibilidade de testar várias áreas dentro da própria empresa”, refere, acrescentando que “isto contribui para que não se sintam motivados, procurem outras alternativas e faz com que o próprio rendimento não seja adequado “.
Por cá, em Portugal, os resultados desta reorganização da gestão de recursos humanos já são visíveis e não ficam nada atrás do que se faz lá fora. Muito pelo contrário, acabamos por ser em alguns casos, como na Europcar, o benchmark. “Pensa-se muitas vezes que a Alemanha, por exemplo, é um país muito mais avançado a nível dos recursos humanos e cada vez mais chegamos à conclusão de que países como nós, Portugal ou Itália, estamos muito à frente na gestão, políticas e práticas de recursos humanos”, frisa João Figueiroa.
Há quem tenha criado clínicas e infantários só para usufruto dos colaboradores. Ou quem sirva pequenos-almoços nas sedes e promova dias temáticos. Há ainda quem tenha gerado outros incentivos, que há primeira vista até podem parecer espampanantes. A TAP, por exemplo, investiu num clube que oferece serviços de papelaria e até cabeleireiro aos colaboradores.