Algarvio de gema, desde cedo que Desidério Silva pôde acompanhar a transformação de Vilamoura no atual destino turístico que é hoje e, em Grande Entrevista à Ambitur, recorda alguns dos momentos que o levaram a seguir o apelo do turismo ao longo do seu percurso profissional. Esteve mais de 10 anos à frente da autarquia de Albufeira, o que lhe deu bases mais do que suficientes para aceitar o desafio de liderar a Região de Turismo do Algarve, onde está há pouco mais de quatro anos. E não hesita em afirmar que “o Algarve tem que ser aquilo que cada vez mais é exigido pelos mercados emissores”.
Podemos conhecer o seu percurso até chegar à RTA?
Comecei nas lides autárquicas em 1997 mas foi em 2001 que ganhei pela primeira vez a Câmara de Albufeira, já com uma maioria que dava para consolidar uma ideia. Fui presidente da Câmara de Albufeira até final de 2012, que representa atualmente, no contexto do turismo do Algarve, 42/43% da oferta turística da região. E esse conhecimento de um território que tinha e tem ainda esta componente, de ser considerada a capital do turismo em Portugal, fez com que houvesse uma necessidade de intervir como autarca naquele que era um concelho completamente diferente – um município que tem 50 mil habitantes e que, em determinadas alturas do ano, passa a ter 400 mil habitantes, mais do que Lisboa; onde a recolha de lixo é superior à de Lisboa. É preciso pensar o território. É preciso organizá-lo em termos de recursos humanos para aquilo que é a necessidade de intervir no espaço público. Há aqui uma capacidade que é preciso desenvolver para manter um registo de um território que é conhecido e escolhido, para que ao fim de um ano turístico as coisas corram bem.
Durante esses anos fui quase obrigado a ter formação em várias áreas o que permitiu que a minha vida autárquica e profissional fosse também “moldada” para começar a receber informação e ter uma capacidade de intervenção para um território turístico muito forte.
Daí a trabalhar com uma Associação de Promoção do Turismo de Albufeira, da qual fui presidente enquanto presidente da câmara; tendo uma relação muito forte com os empresários do concelho de Albufeira, onde procurámos ter intervenções de promoção não só em Portugal mas nos nossos mercados emissores, que são também os do Algarve (Inglaterra, Espanha, Holanda, Irlanda, Alemanha). Acabando o meu mandato enquanto presidente de câmara, e não podendo recandidatar-me, e havendo na altura eleições para a Região de Turismo do Algarve, os autarcas da região, de uma forma unânime, entenderam que a minha experiência enquanto autarca, com esta relação com o turismo, me levava a ter o melhor perfil para assumir a RTA. E foi nesse contexto que fiz a suspensão do mandato para ocupar o cargo de presidente da RTA, sete meses antes de terminar o mandato. Expliquei aos meus munícipes as razões pelas quais saía e que havia um desafio pela frente na defesa da região, e que eu também estava na defesa de 40% da região com Albufeira.
O turismo chamou por mim. A minha eleição foi aceite, fui bem recebido. Uma coisa que fiz, a partir do momento em que assumi a presidência da RTA, foi deixar de fazer qualquer intervenção político-partidária. A minha intervenção tem sido feita na defesa da região, em nome do Algarve, da qualidade de vida da região, da economia, da marca Algarve enquanto destino turístico competitivo. Cheguei aqui através de uma experiência, foi um chamamento natural de pessoas que, não sendo do meu partido, entenderam que a minha história de vida e profissional poderia ajudar numa abordagem e na defesa de uma região enquanto destino turístico de excelência e de referência.
Hoje sente-se bem onde está?
Sinto-me bem. Fui autarca muitos anos, sempre lidei com as questões como quem se entrega à causa, de corpo e alma, e com paixão, e faço-o sempre com a vontade de fazer melhor, de procurar encontrar soluções, no sentido de que a região seja sempre valorizada. Tenho tido sempre a preocupação de pôr em primeiro lugar os objetivos para os quais lutei.
É aqui na RTA que se vê a terminar a sua carreira profissional?
Eu não consigo estar quieto. Neste momento estou aqui, ainda falta um ano e meio de mandato para cumprir. Vai haver eleições autárquicas, não sei qual é o cenário. O que sei é que os autarcas da região, de uma forma ou de outra, reconhecem o meu trabalho. Durante muitos anos, só se falava do sol e do mar na região, mas nos últimos anos tenho falado de um Algarve diferenciador. Fui a Monchique, a Aljezur, Vila do Bispo, Alcoutim… Tenho procurado sempre puxar por um Algarve que ninguém puxou.
Das suas funções atuais, quais as que fazem parte de uma componente mais política? Diria que é um político no turismo?
Eu fui sempre uma pessoa que, mesmo na política, fez muitos equilíbrios; nunca fui um autarca de grandes ruturas. Acho que antes da rutura deve haver diálogo, concertação; nunca conquistei muitas coisas através de discussões ou pressão. Neste momento, passamos um momento difícil em termos das entidades regionais e das regiões de turismo, face às regras de orçamentação e aos constrangimentos a que estamos todos os dias sujeitos. Isso não nos ajuda a desenvolver os projetos e ideias que temos em carteira. Esse é um processo que eu tenho que fazer diretamente com a secretária de Estado ou o Turismo de Portugal, procurando limar e acertar a maneira como podemos chegar lá. E é esse o meu papel.
É ambicioso?
Sim, sempre. Pela região, sempre. Ambição no sentido da conquista das funções que exerço.
O que tem o Algarve a aprender com os outros grandes destinos turísticos mundiais e, por outro lado, o que pode o Algarve também ensinar-lhes?
O Algarve é aquilo que nós formos capazes de construir. Não é construído por quem vem de fora, não pode ser construído de Lisboa para baixo, tem que ser construído através das instituições que estão na região, dos municípios, da CCDR, da Região de Turismo, da AMAL, dos pareceres das associações empresariais. O Algarve tem de se construir em função daquilo que é e deve ser um território que seja capaz de ter uma oferta cada vez mais qualificada e diversificada. O Algarve é um território que tem tido muitos constrangimentos, mas em função do uso e abuso que ao longo dos anos foi feito sem regras. E o Algarve, de há uns anos a esta parte, tem estado a tentar impor regras. Penso que o Algarve aprendeu muito com aquilo que foram as intervenções do passado. Agora e cada vez mais a oferta tem que ser no sentido da qualidade, da regeneração, da inovação.
Quando se fala em novos hotéis no Algarve, o que vai acontecer são 23 intervenções de requalificação. Se aparecerem quatro ou cinco novos hotéis no Algarve, eles têm que ser diferenciadores, ter serviços de saúde ou bem-estar, unidades por mais unidades não enquanto aquelas que estão na região e não estão requalificadas não forem elas próprias alvo de intervenção. O Algarve tem que se afirmar como um destino onde a qualidade da oferta deve ser alta, onde a diversidade deve ser cada vez maior, onde a qualidade dos serviços deve ser maior, onde a questão das ofertas dos produtos devem ser cada vez mais diferenciadores e complementares. O turista é cada vez mais exigente, quer diferenciação, qualidade, serviços, emoções, paixões. O Algarve tem que ser aquilo que cada vez mais é exigido pelos mercados emissores. E cada um de nós, públicos e privados, tem que ter essa capacidade.