Esta é a 2ª Parte da Grande Entrevista da Ambitur a Diamantino Pereira, atual diretor-geral de operações para Portugal da Barceló Viajes. Depois de ter sido o “rosto” da Viagens Abreu durante 37 anos, da qual fala com evidente gratidão e não nega ter sido “uma escola extraordinária”, o profissional assume agora o grande desafio de desenvolver o negócio do gigante espanhol em Portugal.
Qual é o objetivo da Barceló Viajes ao contratá-lo? Aumentar vendas em Portugal, criar uma estrutura própria…
Para já criar uma estrutura própria para o Grupo Barceló Viajes em Portugal. Estamos em vias de mudar de “casa”, pois estamos na sede da Orbest mas é um processo que está quase concluído. Essa estrutura vai apoiar a venda de todas as marcas. Nesta altura estamos focados na área da tour operação. Temos seis marcas muito importantes, que se completam. O meu foco neste momento é desenvolver a tour operação em Portugal. Esta primeira fase poderá durar mais do que um ano, pois temos muito produto e muito vasto. E temos que respeitar a concorrência em Portugal, e aqui há excelentes operadores e profissionais. Não vai ser fácil. Vou ter que lutar contra os meus concorrentes que são marcas também muito credíveis e têm excelentes profissionais. Há um espaço que está ocupado e eu tenho que lutar para conquistar a minha quota de mercado. Não venho com sentimentos imperialistas de “chegar, ver e vencer”. Estou no mercado há quase 45 anos e sei exatamente o que se passa aqui neste país em termos de tour operação, seu quais são os grandes operadores e os bons profissionais. Temos que ter humildade e equilíbrio suficiente para reconhecer os concorrentes que temos pela frente. É um erro enorme, que eu não vou cometer, até por uma questão de caráter, subestimar os excelentes profissionais e operadores que existem em Portugal. Vai ser um trabalho de muita luta para conquistar quota de mercado. Vou disputar um mercado com players muito fortes. Poderá demorar dois a três anos porque a minha concorrência não me vai dar tréguas e já me estão a criar muitas dificuldades.
Que valores não podem ser esquecidos ao nível da operação turística?
Primeiro, seriedade. Se quer singrar no mercado português tem que ser um operador sério, dar a cara, que os agentes de viagens sintam que é um operador no qual podem confiar. Nós, operadores, somos responsáveis pela fidelização dos clientes à agência de viagens. Se eu proporcionar um mau serviço aos clientes dos agentes de viagens, os clientes deixam de viajar com a Barceló e deixam de comprar à agência de viagens. A agência de viagens é muito penalizada pelo eventual mau serviço que é dado ao cliente. Mas eu tenho noção disso. Tenho noção que é um privilégio transportar os clientes da agência mas é também uma enorme responsabilidade, tenho que ser sério. Nós podemos perder uma venda, é grave, mas não é uma catástrofe; mas perder um cliente é uma catástrofe, porque muitas vezes perdemos um cliente de muitos anos, e perdemos a família desse cliente e os amigos desse cliente. Tenho uma noção muito rigorosa e responsável do que é fidelizar um cliente. O problema não é perder vendas, é perder clientes. E eu estou imbuído num espírito, e a Barceló dá-me muitas armas, de ajudar o agente de viagens a fidelizar o cliente para toda a vida. Ao mesmo tempo, estou a fidelizá-lo também, e há já muitos clientes que nos procuram e às nossas marcas. Portanto, a primeira regra que temos é sermos sérios. Nós na Barceló somos sérios e estamos muito empenhados em proporcionar um bom serviço ao cliente para que a agência de viagens o possa fidelizar.
Há outras regras. Um operador tem que inovar, tem que ser audaz, não pode ser nostálgico. Eu não sou absolutamente nada nostálgico. Inovar às vezes é um risco enorme. O primeiro operador que colocou um charter para Saidia, quem teve essa audácia, inovou. Um operador que não tem estas duas qualidades não tem um futuro muito promissor. A Barceló é um operador que está do lado dos agentes de viagens. Segundo os números que tenho existem 1.500 agências de viagens offline em Portugal e umas 30 plataformas online portuguesas e estrangeiras. Se me perguntarem de que lado estou, é das 1.500 agências de viagens offline, deliberada e incondicionalmente. Quero ter uma relação séria, “friendly” e de uma assertividade sem limites. Ao lado não significa que lhes quero dar mais um rapel de 1% ou 2%; estar ao lado é dar-lhes condições para eles terem produto para competir com os online, que o cliente não seja seduzido pelas plataformas online.
E vamos apostar na formação. Sou um apaixonado pela formação. Um agente de viagens para convencer um cliente e para evitar que ele fuja para as plataformas online, tem que estar muito bem preparado, tem que ser um verdadeiro assessor do cliente, um verdadeiro “travel advisor”, o cliente tem que olhar para ele e sentir que está perante um profissional com profundos conhecimentos. E compete aos operadores, neste caso à Barceló, proporcionar conhecimentos dos nossos produtos. Quero que os agentes de viagens vendam o meu produto com confiança, porque somos uma empresa séria, mas ao mesmo tempo que conheçam profundamente o produto. Só cheguei à três meses mas uma das tarefas que tenho pela frente é organizar ações formação dos meus produtos. A formação para mim não é convidar os agentes de viagens, coloca-los numa sala e, durante 1H30, enchê-los de informação. Aprendi com muita gente boa a dar formação, nomeadamente na Catai, e sou a favor de uma formação que passa por dar argumentos de venda aos agentes de viagens, ou seja, não debitar informação por debitar, ter uma componente pedagógica, didática muito forte, mas acima de tudo dar argumentos de venda. Quando o cliente solicita informações, os agentes de informação devem estar preparados para lhes explicar quais são as mais-valias do produto que estão a vender. Isso é que faz a diferença entre uma boa formação e uma formação regular. É esse o compromisso que estou a assumir com os agentes de viagens de tal maneira que possam impedir que os seus clientes tenham a ousadia de fugir para uma loja online.
Além da formação, que outros elementos devem os jovens de hoje ter para construir uma carreira profissional?
Primeiro é formação. Os jovens de hoje têm acesso a muita informação, são uns privilegiados. A internet é uma ferramenta extraordinária a que qualquer profissional tem acesso e é muito útil, mas não é suficiente para fazer um bom profissional. Eles têm que evoluir tecnicamente, se possível viajarem muito. Viajar é o maior investimento que podem fazer, mesmo que às vezes tenham que pagar do seu próprio bolso, é um investimento. Se procurar uma das razões pelas quais hoje em dia cheguei a diretor da principal empresa de viagens, foi porque viajei muito. Isso deu-me argumentos muito fortes na ascensão da minha carreira dentro da empresa. Eu aconselho vivamente aos jovens que não prescindam das viagens. E quando estiverem nos destinos, vão ver hotéis, o que o destino tem para oferecer. E eles sabem que uma coisa é vender uma viagem quando se conhece bem o destino, outra coisa é quando não se conhece, e o cliente tem uma análise muito rigorosa do papel do agente de viagens. E depois lerem, a leitura às vezes é esquecida. Eu sou um leitor compulsivo, leio três a quatro livros ao mesmo tempo, que é um erro enorme. Mas também aprendi muito a ler. E depois participarem em tudo o que seja eventos, não cocktails, mas ações de formação, é essencial para o seu crescimento profissional, nunca recusarem qualquer participação, viagens e visitas. Na Barceló estou muito empenhado em proporcionar a esses jovens essas ações de formação que lhes permitam crescer.
Considera que a negociação é o segredo da operação turística? E o que é preciso para se ser um bom negociador?
Considero que é um dos segredos. Quando não se compra bem, não se vende bem. Aprendi isso há muitos anos.
Para se ser um bom negociador, primeiro é preciso ter a sorte e o privilégio de assistir a sessões de negociação com bons negociadores. Aqui em Portugal temos excelentes negociadores. A regra número um é saber o que se está a comprar, isso em todas as áreas. Um bom negociador não é aquele que consegue sempre baixar o preço, porque muitas vezes baixa o preço a um serviço que não tem qualidade, e mesmo assim está a pagar caro porque o serviço é mau. Não é implícito que o preço baixo seja um bom negócio. Um exemplo muito concreto: nós tínhamos uma viagem ao Oriente em que fazíamos Tailândia e depois Pattaya, e aqui tínhamos um dia de excursão ao qual dávamos o nome de “Full day Coral Island with Seafood Basket Lunch” e os clientes quando iam nessa excursão pensavam que iam apanhar uma barrigada de marisco. Eu próprio, sem conhecer o produto, pensava isso. Um dia fiz uma viagem de inspeção e fiz essa excursão, e deparei-me que esse “Seafood Basket Lunch” era composto por duas gambas, uma lobster rock (uma lagosta achatada que parece um caranguejo), duas lulas grelhadas e umas postas de peixe grelhadas. Falei com o nosso agente local e disse-lhe que não era aquilo que estava à espera, e ele disse-me que podíamos negociar. Eu disse-lhe que não queria baixar preços, queria sim pagar o dobro do preço, pois era muito barato, mas ter 300 g de camarões, uma lagosta normal, peixe, ameijoas… Isto revela um pouco aquilo que eu penso acerca da negociação. Comprar barato nem sempre é um excelente negócio e um bom negociador nem sempre é aquele que compra barato. Para ser um bom negociador tem que se ter várias qualidades mas uma delas é saber profundamente aquilo que está a negociar, porque há hotéis de 5* que custam 200 euros por noite e há hotéis de 5* que custam 80 euros, se calhar 200 euros não é caro e 80 euros até é caro. Isso percebe-se conhecendo verdadeiramente o produto. Qual o pequeno-almoço que dão, como é composto, como é o jantar – é buffet, tem um prato fixo? Como é o hotel, há quanto tempo não é renovado… Eu diria que um bom negociador tem que preparar-se previa e antecipadamente para a negociação, não é pegar num bloco de apontamentos e começar a discutir preços, ele tem que saber o que vai comprar.
Depois diria que tem de ser muito persistente, tem de ter uma persistência tenaz. Há negociações que demoram 10 a 15 minutos e outras que demoram 3 a 4 horas, tive negociações de até sete horas. Nunca podemos subestimar quem está a negociar connosco. E aprendi a valorizar e a admirar quem está a negociar comigo, embora estejamos em campos opostos, mas do lado de lá está uma pessoa séria e profissional que está a lutar pela sua empresa, e essas pessoas quando são sérias e bons profissionais nutro por eles muito respeito. Não significa que eu esteja do lado dele, mas respeitá-lo e não o subestimar. Quando se vai para dentro do campo a pensar que já ganhámos 4-0 normalmente perdemos. Eu vou sempre para uma negociação bem preparado, a pensar que tenho na minha frente um excelente profissional e que vou tentar convencê-lo, não é enganá-lo. Farto-me de dizer isso a pessoas que trabalham comigo. Para negociar bem, para fazer um excelente negócio, não significa que tenhamos de enganar a outra pessoa. Podemos fazer um excelente negócio de uma maneira séria, tenho gente que me respeita muito com quem fiz negócios de milhões. Nunca tive necessidade de entrar no engano e na hipocrisia. A negociação é algo muito pontual, mas passado algum tempo estamos outra vez na mesma mesa a negociar outras coisas. Nós negociamos muito por períodos. O mais importante é que tenhamos condições para voltar à mesma mesa e negociar com essa mesma pessoa. Temos que pensar que o negócio não termina naquele momento, eu negociei com pessoas durante mais de 20 anos. Esta vida de turismo é uma vida de longevidade e vamos encontrar as mesmas pessoas em locais diferentes, e em cargos diferentes, e temos que estar sempre de cabeça erguida. Temos que ser sérios no ato da negociação e não prometer nada que depois não possamos cumprir. Por exemplo, se sabemos antecipadamente que só temos capacidade para vender 2 ou 3 quartos e assinamos um contrato de allotment para 20 quartos, vamos ser penalizados, porque não fomos sérios, e na próxima negociação, o hoteleiro vai dizer que lhe bloqueámos 20 quartos mas só vendemos 2 ou 3. Às vezes são pequenos pormenores, e sem intenção. Mas isso define e marca um bom contratador e relação com o fornecedor. Para mim a máxima é para fazer excelentes negócios não é obrigatório enganar ninguém.
Leia aqui a 1ª Parte desta entrevista, publicada na íntegra na Edição 301 da Ambitur.