Grande Entrevista: “2022 vai ser um ano de franca recuperação para a região, país e Europa ao nível turístico”

Um ano passado como presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, Vítor Silva esteve à conversa com a Ambitur, desenhando quais as prioridades que tem para a região. O também presidente da direção da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo acredita que o próximo ano já vai ser de recuperação mas aponta algumas dificuldades que se sentem já, como a falta recursos humanos para trabalhar no setor, apesar do aumento da procura.

Está a fazer um ano que assumiu a presidência do Turismo do Alentejo e Ribatejo. De maneira nenhuma este era um espaço desconhecido para si, pelo contrário, pelos cargos que desempenhou e/ou desempenha, ao longo da sua carreira. Sendo assim, quais as prioridades que define para o seu mandato na ERT e o que espera acrescentar ao turismo das duas regiões?

Em primeiro lugar, tenho de completar o mandato até julho de 2023, não houve eleições, como não deveria haver, era vice-presidente da Entidade Regional do Turismo e assumi as funções de presidente, depois de consultar os órgãos próprios. Quando tomei posse tinha um Plano de Atividades para este ano, por outro lado desde março de 2019, início do mandato, que temos estado condicionados pela situação sanitária conhecida. Temos aqui as prioridades normais de um mandato e as prioridades causadas por este evento. Sendo assim, a nossa prioridade fundamental é garantir com os nossos meios – Entidade Regional do Turismo e Agência de Promoção Turística – manter as empresas do setor abertas, o que não quer dizer que estivessem em funcionamento, mas de modo a que não encerrassem definitivamente, seja ao nível dos restaurantes, hotéis, empresas de animação turística, entre outras, que tinham de estar encerradas. Sabemos que o dinheiro nunca é o suficiente, mas de uma maneira geral, fazendo críticas pontuais, há um agrado geral do setor face às medidas tomadas pelo Governo. Esta continua hoje a ser a grande prioridade – evidentemente que nem todas vão sobreviver: que as empresas não encerrem a sua atividade. Hoje temos empresas que ainda não estão abertas, sendo que algumas não irão abrir.

Temos outra questão que se começa a levantar que diz respeito ao número de pessoas que terá abandonado o setor, ao nível de emprego. Há estimativas que apontam para 60 a 70 mil pessoas que terão deixado o turismo. O que é facto é que há uma desesperante falta de mão-de-obra no nosso território. Temos unidades hoteleiras que não abrem porque não têm pessoas para trabalhar. Sendo assim, a falta de mão-de-obra e a falta de qualificação dos recursos existentes leva-nos a outra grande prioridade. Apesar de não estar definida desde o início do mandato temos aqui uma nova prioridade, não só para o Alentejo, mas para o país inteiro, que é saber o que fazer para colmatar esta questão. Nesta equação também entram as questões salariais e de horários. No turismo, habitualmente trabalha-se quando os outros não estão a trabalhar. Para garantirmos que as pessoas cá fiquem ou regressem, temos de pensar em todas as condições de trabalho e perceber até que ponto as empresas têm capacidade para as cumprir.

Do ponto de vista da procura turística, em concreto no Alentejo, assistimos a uma aumento da procura este ano pelos portugueses a partir dos meses de verão, que procuraram locais onde a perceção de segurança face ao vírus era maior. Isso levou a que a procura excedesse a oferta e os preços tivessem subido. Chegámos, em algumas ocasiões, onde o nosso preço, por exemplo, nas unidades de cinco estrelas, era o mais elevado do país. Esta questão levanta então outra prioridade: com preços altos deve-se responder com um serviço de qualidade. Se temos mão-de-obra, alguma qualificada, a deixar o setor, significa que é muito difícil manter um nível de serviço de acordo com o preço a que se chegou na região, em alguns momentos, em alguns casos específicos.

Estamos noutra fase, em que parece que pandemia nos está a deixar a conviver e a ter uma vida como anteriormente, mas temos novas prioridades sendo a falta de mão-de-obra e a mão-de-obra qualificada duas grandes prioridades para o imediato.

Portugal sempre se destacou por uma belíssima relação preço/serviço prestado, sendo um dos melhores do mundo, não podemos agora baixar o serviço prestado.

Temos outras questões, como o fim das moratórias às empresas, que iremos tentar acompanhar, tema no qual o ministro da Economia, Siza Vieira, já anunciou novas medidas.

Que balanço pode fazer este ano da atividade turística no Alentejo/Ribatejo e que expectativas existem para o próximo?

Tivemos, como o país, também quebras de 60% a nível da procura e dos rendimentos globais da atividade, é um milagre como as empresas sobreviveram. Este ano, face a 2021, temos uma recuperação a rondar os 17% em termos de dormidas, mas superior em termos de proveitos, nos 20%. Tenho a certeza até ao fim do ano iremos acentuar a recuperação no nosso território. Poderemos atingir um crescimento superior a 20% ao nível de dormidas e recuperar 2/3 do que perdemos em 2021 ao nível dos proveitos. Já se nota que os mercados internacionais começam a voltar à região. Também estou convencido que o ano de 2022 vai ser um ano de franca recuperação para a região, país e Europa ao nível turístico.

A ARTP, a qual também preside, que papel tentou desempenhar durante este período pandémico? No próximo ano poderá ter uma atividade próxima do seu habitual?

A Agência de promoção Turística teve sempre presente em todos os mercados que nos interessam. Fizemos mais webinars e reuniões digitais nestes meses, do que fizemos no resto da nossa vida. Sempre na perspetiva que estávamos cá quando fosse possível retomar a atividade turística. Continuámos a trazer sempre que possível jornalistas ao nosso território. Temos estado sempre presentes. Neste momento, estamos já a enviar mensagens dirigidas para alguns mercados, com o foco de virem até nós. Neste momento, estamos de novo a trabalhar no negócio turístico. A Agência já retomou as idas às feiras turísticas internacionais, com o seu calendário “habitual”, e tem todas as condições para retomar o trabalho normal.

Olhando para fora da sua região, qual o contexto que vê ao nível do turismo nacional, ou seja, a atividade turística nacional sai muito desgastada com estes dois anos, será fácil que recupere a pujança que demonstrava anteriormente?

Do ponto de vista da Entidade Regional de Promoção, temos vários programas, com o Turismo de Portugal, que se prolongam ao longo dos anos e vamos mantê-los. Temos alguns pioneiros, como a criação de uma rede de apoio ao Cycling, de apoio aos cicloturistas com qualidade, com a participação das autarquias. Estamos a fazer a mesma coisa ao nível do auto-caravanismo. Por outro lado, estamos numa fase muito boa e a dar um salto qualitativo ao nível dos percursos pedestres, que já estão implantados em todo o território. Iremos ter inclusive, durante o mês de novembro, o primeiro Walking Festival que abrangerá todo o território do Alentejo.

Nós só temos produtos de nicho no Alentejo, por si cada um representa pouco, mas juntos formam a nossa oferta.

Parte do Ribatejo foi anexada, dentro da perspetiva das Entidades Regionais do Turismo, há poucos anos, ao Alentejo. Hoje esta é uma situação consolidada?

Estamos agora a tentar prestar uma maior atenção a um território que também administramos turisticamente que é a região da Lezíria do Ribatejo. Este território tem uma entidade muito própria que, de uma maneira geral, é bastante diferente em alguns aspetos do Alentejo, existindo no entanto alguns concelhos de transição. Iremos tentar que uma parte do nosso Plano de Atividades seja específico para este território. A ideia é retomar uma delegação nesta região e criar uma rede baseada nas autarquias que permita ter informação. Tenho também a intenção de criar um conselho consultivo da direção da Entidade do Turismo do Alentejo e Ribatejo. Queremos atuar desta forma por percebermos que aquele território tem uma identidade muito própria. Essa identidade manifesta-se ao nível de um produto que Portugal tem ambição de desenvolver, que é tornarmo-nos o melhor destino de enoturismo da Europa. Esta é uma ambição legítima e estamos a trabalhar nesse sentido. O Ribatejo tem enoturismo de qualidade, com um conjunto de quintas impressionantes, falta-lhe a estruturação que assistimos, por exemplo, no Alentejo. Este produto poderá ser integrado em torno da estrada N118. O enoturismo hoje não diz respeito só a vinhos, tem de ser inserido na comunidade, nas suas histórias, com interligação a toda a oferta turística do território.

Há um problema que temos atualmente e causa um desconforto entre o Ribatejo e o Alentejo, que é o facto de a nível internacional só ser possível utilizar a marca Alentejo. Ou seja, 11 concelhos do Ribatejo são promovidos sob a marca Alentejo internacionalmente. Do ponto de vista legal não podemos fazer de outro modo, para além de não ser funcional ao nível prático com as estruturas existentes.

Olhando para o futuro e para o Alentejo, que caminho vai a região continuar a traçar? Que debilidades é necessário suprimir?

Há um desafio muito grande e uma linha estratégica, no turismo, que todos temos que traçar, que é a sustentabilidade do turismo. Esta não é uma questão marginal, é decisiva para o futuro do nosso planeta, implica não só a nossa maneira de fazer turismo, mas a nossa maneira de viver. Tudo indica que não podemos ter um modelo económico como o que temos tido até aqui. Era bom que pudéssemos ter um modelo económico que assentasse numa premissa de crescimento, mas que fosse sustentável em variadas vertentes, pela sustentabilidade do planeta em que vivemos. Esta preocupação está nas linhas estratégicas do Turismo de Portugal, mas não basta estar no papel, temos de aplicar o que isto envolve. Do ponto de vista do Alentejo, chegámos a esta sustentabilidade naturalmente devido a não ter enveredado por um determinado modelo de crescimento económico. Não foi uma decisão consciente, foi assim que aconteceu. O turismo no Alentejo, por seu turno, tem um modelo de desenvolvimento adaptado à maneira de viver e de produção de riqueza da região. A questão da sustentabilidade vai colocar-se agora para todos, há visões mais radicais, terá que haver equilíbrios. Na ERT vai ser um tema explícito e vai estar implícito no nosso Plano de Atividades.

Hoje não devemos discutir apenas a sustentabilidade do turismo, mas a sustentabilidade global. Apesar do turismo ser uma força económica muito grande, por si só, não tendo polos de poder como outros serviços ou indústrias, não permite que este discuta a sustentabilidade sem ser numa visão integrada com a restante realidade económica.
Uma coisa é a estratégia, outra a tática. Uma coisa é saber onde queremos chegar, a outra, os passos que temos de dar para lá chegar.

Que competências gostaria de ver descentralizadas para as ERTs?

As ERT’s, têm perdido muita autonomia nos últimos anos, que são organismos administrativamente autónomos e eleitos regionalmente, estão inseridas no Orçamento Geral do Estado. Há muitas coisas que queremos fazer e temos disponibilidade financeira para as fazer, mas temos de estar sempre a pedir autorizações às finanças. À tutela posso estar de acordo, mas estamos completamente constrangidos pelas finanças. Deveríamos ter mais competências em áreas relacionadas com o licenciamento. Como alguém diz, podem abrir um hotel ao lado da nossa sede sem nós sabermos.

Neste momento algumas forças, até ao nível do Governo, gostariam nesta chamada regionalização de, tudo o que são organismos regionais, integrá-los nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, seja a cultura, educação, saúde, mas também o turismo.

Uma das razões pelo qual o turismo em Portugal se desenvolveu tanto foi por causa da regionalização que existe no turismo. Em Portugal não há regionalização mas o turismo está regionalizado há muitos anos. Esta é uma das razões do sucesso do turismo em Portugal. São entidades que são próximas e que conhecem muito bem o território e que são ágeis.