27º Congresso da AHP: A visão da plateia

Teve hoje lugar o arranque das sessões de trabalho do 27º Congresso Nacional da Hotelaria e Turismo, que decorre no Vila Galé Évora, sob o mote “Turismo: Olhar o presente, preparar o futuro”. A manhã foi dedicada ao painel “Sociedade: Olhar o presente do turismo” que se dividiu em duas sessões, sendo que a primeira abrangeu o tema “Desafios e tensões/capacidade de carga turística” e a segunda sessão “Portugal, Espanha e o Mundo”.
Desmistificação da carga turística, regulação e melhores instrumentos de gestão da oferta foram os elementos chave do painel de acordo com a plateia. Ambitur.pt ouviu alguns responsáveis turísticos que estiveram na plateia, que dão a sua visão sobre o que se passou nas primeiras sessões de trabalho.

Para Vítor Costa, diretor-geral da Associação Turismo de Lisboa, o tema colocado em «cima da mesa» é atual, sendo que foi uma boa escolha para o painel. “As intervenções focaram-se sobre questões ao nível da oferta de alojamento, entre alojamento local e hotelaria e da gestão cultural, entre outros. Foram temas importantes e que devem ser aprofundados”, sublinha o responsável.

Vitor Costa 2“Lisboa tem uma grande capacidade de crescimento e desenvolvimento”
Relativamente ao conteúdo do painel e focando em Lisboa, Vítor Costa indica que “é difícil definir para uma região com as características fortes urbanas de Lisboa uma capacidade de carga, de uma forma científica. O debate é importante, mas tem de ser sério e muitas vezes tem sido feito com base em opiniões levianas e preconceitos”. Para o responsável, “no fundo temos uma alteração substancial face a décadas atrás que é a democratização do acesso ao turismo, tendo mais pessoas a quererem usufruir do fenómeno turístico. Isso é bom mas coloca questões de gestão dos próprios destinos turísticos”. E quais são então os desafios, de acordo com o entrevistado: o “primeiro desafio começa por se conseguir manter os níveis de qualidade urbana e de resposta dos serviços urbanos face a uma maior utilização, onde nem sempre essas respostas acompanham as velocidades dos crescimentos”. Por outro lado, Vítor Costa indica ser fundamental procurar-se influenciar a gestão dos fluxos turísticos ao nível de uma perspetiva regional. É precisamente isso que acontece em Lisboa, “como verificamos no nosso plano regional, onde procuramos que haja uma maior utilização da região, o que permitirá ter mais turistas na região sem que isso signifique que eles circulem nos mesmo locais que fazem hoje”. Para o responsável isso “significa também a valorização de novos instrumentos para essa gestão, onde em Lisboa estamos a começar o nosso projeto digital, que vai incidir numa promoção personalizada, com a possibilidade de gerirmos efetivamente recursos turísticos”.

Ainda de acordo com o entrevistado, a própria cidade de Lisboa pode criar outros atrativos fora das atuais microcentralidades turísticas, sendo desafios que se colocam quer a nível da qualidade, quer da gestão dos fluxos, e de encontrar novas formas de atração dentro do destino turístico. Sendo assim, conclui Vítor Costa, “Lisboa tem uma grande capacidade de crescimento e desenvolvimento”.

 

FRANCISCO CALHEIROS“Somos liberais até as coisas correrem bem”
O presidente da Confederação do Turismo Português (CTP) também foi ouvido por Ambitur.pt. Para o responsável, a questão da carga turística dos destinos nacionais (Lisboa e Porto) tem que ser olhada com ponderação. “Sou contra uma análise que incida num excesso de turistas, pois esta é uma abordagem errónea”, defende o entrevistado, que adianta que não é possível dividir igualitariamente a quantidade de turistas pelos dias do ano ou regiões portuguesas. “Se pegarmos nos números nacionais verificamos que recebemos no país 100 mil visitantes por dia, que representará 1% da população”, o que é irrisório para o presidente da CTP. Por outro lado, para Francisco Calheiros, tem que se ter em conta como eram as cidades há 10 anos e que dinâmica têm hoje, assim como os impactos positivos para a população. “O turismo não pode ser a atividade que desequilibra as contas públicas ao nível do emprego, crescimento do PIB, entre outros, positivamente, e depois se levanta a questão da eventual carga excessiva de turistas. Essa é uma questão mis levantada pelas forças políticas do que pelos agentes privados do setor ou população em geral”, defende o entrevistado.
Relativamente ao painel, o responsável indica ter gostado da intervenção de Amâncio Lopez, presidente do Grupo Hotusa e da Exceoltur, destacando a sua afirmação “somos liberais até as coisas correrem bem”. Para Francisco Calheiros, “a carga turística não é um problema, é um assunto para o qual se tem de olhar, como outros, e que se tem de resolver. Estamos a crescer dois dígitos há dois anos, temos então de nos adaptar”.

 

Diogo-Laranjo-Hoteis-Heritage-Lisboa“Fica a mensagem do cuidado que temos de ter no crescimento turístico”
Diogo Laranjo, dos Hotéis Heritage, que se localizam em Lisboa, foi outro dos elementos presentes na plateia no primeiro dia do Congresso da AHP. Em declarações a Ambitur.pt o responsável indica que no global as intervenções foram interessantes. Relativizando o tema para a cidade de Lisboa, o entrevistado foca que “fica a mensagem do cuidado que temos de ter no crescimento turístico para que não se torne uma cidade saturada, nomeadamente na procura de alguns monumentos que começam a ter, como algumas zonas da cidade, uma procura excessiva”. Para o interlocutor este é um fator crucial “para que não possamos amanhã estar em situações idênticas a outras cidades europeias que estão saturadas”. De acordo com o responsável, “os agentes económicos privados estão preocupados (face à realidade), sendo que as entidades públicas, que têm aqui o papel mais ativo, deviam olhar para esse aspeto com um cuidado maior”. Concluindo, Diogo Laranjo destaca que “as entidades devem olhar para Lisboa como uma região que está a ter uma procura muito grande nos últimos anos, mas cuja reposta se tem mantido face a que era existente há uns anos atrás”.

 

manuel proneca“Sem regulação não há qualidade no turismo”
Manuel Proença, presidente da Hoti Hotéis, também em conversa com Ambitur.pt, valorizou o painel em questão: “este painel foi muito crítico, em oposição à política empreendida pela atual secretaria de Estado do Turismo. Foi muito crítico relativamente à carga turística de Lisboa e Porto”. De acordo com o entrevistado, “a questão do alojamento local esteve aqui em foco, assim como a necessidade de uma regulação que incida numa excessiva liberalização do alojamento local”.
Para Manuel Proença “até agora isto não tinha sido posto tão claramente e ainda bem que foi, porque é preciso pegar nestas questões”. Para o hoteleiro “atingimos um certo prestígio turístico, como em Espanha, como referiu Amâncio Lopez (um dos oradores), conseguimos uma boa imagem pela forma como trabalhamos, mas arriscamos com este processo de liberalização que esta qualidade venha a ser prejudicada”. Sendo assim os desafios deixados no painel em questão passam, de acordo com o responsável, pela regulação, maior controlo sobre situações de qualidade dos alojamentos locais e da forma que contribuem ao nível da fiscalidade. Para Manuel Proença “curiosamente há algumas situações que ainda não foram faladas: fala-se nas taxas de ocupação e crescimentos de receita média, mas eu gostaria de saber o que significou o IVA no alojamento local? Como é que as autarquias controlam o alojamento local se não sabem quantos quartos têm cada unidade registada? Sem regulação não há qualidade no turismo”.

 

Nicolas Roucos“Temos uma infra-estrutura que precisa de muito trabalho e dinheiro”
Nicolas Roucos foi outro responsável por uma unidade hoteleira em Lisboa ouvido por Ambitur.pt, sendo que o diretor-geral do Inspira Santa Marta Hotel considerou muito “interessante a intervenção do presidente da Hotusa, na comparação das cidades de Lisboa e Porto a Barcelona. O fator Barcelona é um exemplo, deviamos segui-lo olhando para as vantagens e desvantagens conhecidas”. Para o entrevistado “a regulação foi muito bem colocada no painel, isso é muito importante, ou seja, tem de se seguir o crescimento da hotelaria e alojamento local com regulação”, sendo que “temos então de olhar para o capítulo de como se consegue essa regulação e a sua fiscalização”.
Quanto aos desafios deixados no apinel, Nicolas Roucos considera “que se deve falar menos de taxas turísticas e mais de infra-estruturas e de como podemos assegurar mais segurança e melhores acessibilidades”. Para o responsável “temos também de vender o destino antes de vender os nossos hotéis. Mas para vender o turismo temos de ter condições para o fazer”. Conclui então o responsável que “temos uma infra-estrutura que precisa de muito trabalho e dinheiro para podermos dizer que temos uma cidade completa. Temos excelente hotéis, sítios turísticos tão ou mais interessantes que outras capitais europeias, mas temos falhas ao nível da infra-estrutura do destino, o caso do aeroporto de Lisboa é o exemplo mais visível”.

 

BERNARDO TRINDADE, PORTO BAY, LX.A profusão de “alojamento desregulado”
Para Bernardo Trindade, responsável do grupo hoteleiro Porto Bay, este foi um painel “importantíssimo” principalmente pelo estudo apresentado pela Exceltur, sobre Espanha, que visa medir toda uma quantidade de impactos turísticos sobre as questões que o painel abordou. De acordo com o responsável “o que se verifica hoje é que se é um facto que o alojamento local veio responder à necessidade de reabilitar urbanisticamente os centros urbanos, a verdade é que trouxe problemas grandes e constrangimentos ao nível do mercado de arrendamento, hoje menos apetecíveis em função destes alojamentos de menor direção face aos de maior rentabilidade”. Sendo assim, considera o entrevistado que “o turismo vive um momento de grande entusiasmo económico e é fundamental que esta importância económica e social não seja diminuída ou degradada pelo olhar crítico que os residentes vêem nesta atividade em função desta profusão de alojamento desregulado e que deveria ter obviamente regras diferentes daquelas que tem atualmente, em que no fundo resulta de uma vantagem em relação ao alojamento dito convencional, além de questões tão importantes, como a segurança ou questões que se relacionam com a convivência de todas estas realidades”.
Se está em causa a economia colaborativa, para Bernardo Trindade “a economia colaborativa nestes termos em que destruo valor, perco emprego, em que no fundo tenho menos contribuições fiscais numa lógica de poder fazer uma repartição adequada da riqueza em função de dar àqueles com menos rendimentos parece-me que é um motivo que pelo menos deve suscitar preocupação. Tem de se suscitar esse debate pelo menos”.

 

Economia colaborativa tem de ser regulamentada
Por último, ouvimos Paulo Duarte, diretor de operações da cadeia Memmo Hotels, que destaca que é preocupante “o que assistimos no painel sobre a cidade de Barcelona onde se demonstra uma realidade que claramente está a ter início na cidade de Lisboa, pois há tantas camas em alojamento paralelo como camas hoteleiras, com uma tendência crescente, com uma legislação muito menos exigente, sendo que é preocupante continuarmos a assistir a uma não regulamentação deste fenómeno de alojamento local”.
Se a lógica da economia colaborativa está em causa, o responsável indica que “pelo que acabámos de ouvir de colaborativa parece não ser assim tanto como parecia à primeira vista, pois há inegavelmente um interesse económico”. Acrescenta Paulo Duarte que “toda esta tendência da economia colaborativa é uma questão que se verifica globalmente e que não vai parar, mas tem de ser regulamentada por razões óbvias e naturalmente como em todas as coisas novas que aparecem, começam a surgir empresas que começam a atingir grandes dimensões, que procuram o lucro, ou seja esta colaboração sem regras é muito preocupante porque pode virar uma selva. Devia-se fazer um estudo sério e com dimensão para se verificar qual a situação do país”.