Opinião: “PIM PAM PUM! O terrorismo chegou ao Turismo”

Por Maria José Silva, CEO RAVT

Ora bem, tenho andado silenciosa, mas de repente acordo com uma “bomba” em cima da cabeça que pode destruir uma fatia deveras importante do meu negócio e empresas. Passo a explicar a minha preocupação e as muitas dúvidas. Não, não vou falar sobre o terrorismo religioso que se tem assistido pelo mundo que claramente ataca e afeta o turismo, e coloca agora em causa, mais do que nunca, a segurança e estabilidade necessária dos países e regiões para que o turismo prolifere e não desvie fluxos. Sendo que, a verdade é que já nem se sabe para onde ir ou para onde vender para se estar mais tranquilo com os clientes. Também não vou falar do terrorismo que tem sido para a distribuição e operação turística os constantes acertos de voos e de procedimentos decorrentes das milhentas greves de tudo e mais alguma coisa e por todo lado, nem das mudanças de horários mil de aviação e charters, nem da falta de ética e de sentido de parceria da parte de alguns parceiros que usam e abusam de todo o tipo de práticas e baixas de preços por tudo e por nada, mesmo assediando clientes advindos pelo canal de distribuição e operação. Também nem vou referir o terrorismo que estão a fazer nas entidades de ensino superior, em que para cumprir rácios e avaliações de leis, acabam a colocarem docentes com menos experiência e know how que muitos dos alunos que para lá vão, mas têm um papel que lhes confere doutoramento, e cumprem programas cada vez mais apertados, desatualizados e desajustados do que é a realidade fora dos livros e papers da academia esquecendo a realidade, produzindo recursos humanos com formação medíocre e desajustada às necessidades do mercado empresarial. Vou sim falar de um terrorismo advindo de um novo regime de empreendimentos turísticos, mais propriamente do artigo 42º do Dec. Lei 80/2017.

Passo a explicar, sem querer de forma alguma transtornar nem ofender os profissionais de hotelaria, onde também me formei e trabalhei e onde tenho bons amigos. Acredito ainda que se se tivessem dado conta do transtorno sério que causa tal artigo, não o iriam permitir de forma tão generalista, nefasto e não exequível. De referir que na sua maioria concordo e entendo plenamente a intenção de tal diploma, à exceção de tal artigo da forma como está. Vejo este artigo como nefasto e que pode causar a perda de milhares de euros em investimentos nas minhas empresas, bem como a perda de promoção, informação e venda da hotelaria portuguesa. Passo a argumentar:

Considerando que estamos em pico de época alta de vendas e de operações, temos uma lei publicada a 30 de junho de 2017 e que começa a vigorar a 1 de julho 2017, exigindo alterações imediatas em negócio de complexidade extrema, de tantas interligações e players conectados, a nível global e mundial, que necessita de algum tempo de ajuste. Considerando que a área de conteúdos online não é estática, estão baseados em grandes plataformas tecnológicas assentes em enormes bed banks, agregadores de hotelaria e produtos conexos, que operam na sua maioria fora do país. Que difundem para o mundo inteiro em grande escala, para e em vários canais que procedem a comercialização, operação e distribuição abrangente a todos os players da cadeia de valor. Considerando, ainda, que a operação e distribuição turística, consegue, não raras vezes, melhores condições e segurança na informação, preparação e condições comerciais, através do uso destes fornecedores, ao invés das condições dadas a empresas locais, mesmo que operem em larga escala. Decreto que preciso de esclarecimentos e me sobram dúvidas mil como conseguir cumprir com esta obrigação do diploma.

Sou por hábito uma pessoa informada, formada, cuidadosa com as empresas e clientes, respeitadora de todas as obrigações inerentes às empresas e à atividade e deparo-me agora com sérias dificuldades em conseguir cumprir tal artigo. Ou seja, como empresa portuguesa, capital totalmente português, sediada em Portugal, que promove e vende na vertente de incoming, outgoing, offline e online, tentando estimular o turismo doméstico e o setor que aporta benefícios para as minhas empresas, que terá que cumprir tal artigo, alguém me explica como confiar em lobbies hoteleiros que pressionaram tal lei de forma a que tudo se direcione em compras apenas nos seus canais diretos, banindo todos os restantes parceiros e seus vários canais online, sejam plataformas de vendas ou promoção como redes sociais? Anulando tais parceiros quem tratará dos restantes serviços e apoio aos vossos/ nossos clientes que escolhem o destino? Como se pode promover o turismo doméstico e até difundir e alargar vendas a nível global e mundial com estas restrições, que lá fora ninguém sequer compreende o que é e nem qual a diferença de um numero de registo RNET ou RNAL, ou nada?

Como pode existir tanta gula, tanto egoísmo, tanta inocência ao ponto de pensarem que só os seus canais sem estas plataformas online, e sem os canais de distribuição e operação turística, conseguem chegar ao mundo inteiro e serão procurados diretamente em milhões de hotéis de todas as tipologias que servem todos os tipos de procura e targets? Será que acham que todo mundo está na mesma esfera de desenvolvimento, acessos e conhecimento, o que não quer dizer que não tenham grande capacidade financeira e vontade de viajar, do que o que veem e vivem na sua bolha e no seu umbigo no mundo ocidental mais desenvolvido? Será que afinal só querem vender a estrangeiros e estrangular as empresas portuguesas, inibindo a venda dos seus produtos e unidades? Não necessita o turismo em qualquer país, de um esforço coordenado e conjunto de todos players desde transportes, hotelaria, entidades oficiais, infraestruturas e acessibilidades, da operação e distribuição turística, nos seus vários canais, em promover o seu país em todos os quadrantes? Ou querem que passemos todos a dedicar-nos apenas ao outgoing?

Podem-me explicar e ensinar como cumpro tal artigo, sendo que não se consegue que os tais mega fornecedores, centrais de reservas, bed banks, operadores com quem se tem integração direta online, coloquem e entendam, o quê e o porquê destes dados? Já não basta acharem Portugal como um país minúsculo, de devedores, desorganizados, como ainda somos sem noção do que se pede e com fraca noção do que é o negócio e do estímulo que se deve dar ao país?

Será que realmente o que pretendem é que os mais de 3000 pontos de venda em Portugal, que têm de alguma forma promoção, informação e venda online, em plataformas tecnológicas, OTAS, site simples ou difusão via redes sociais, deixem de vender hotelaria portuguesa quer a nível nacional quer internacionalmente? Ou será que o que pretendem é que também sejamos nós a fiscalizar as unidades, com a reintrodução, que muito concordo, das categorias de classificação das unidades hoteleiras e ter que saber se devem estar registadas no RNET ou no RNAL, ou até se os números são até verdadeiros? Não deveria ser o estado a colocar mais colaboradores inspetores na rua e medidas que levem a correta aplicação e cumprimento da lei?

Pensando melhor ainda, se calhar, o que pretendem é deslocalizar as sedes das empresas para outro país e deixar de contribuir com os milhares de receitas só em impostos por cá? Será? Ou quererão é encerrar ainda mais unidades hoteleiras, enfraquecer a taxa de ocupação, baixar mais os preços, cortarem serviços, tornarem destinos low cost para estrangeiros criando polémicas como Albufeira e cidades como Quarteira, uma vez que uma boa fatia da distribuição e operação nas suas várias atividades, canais e destinos terão se cortar a promoção e venda de forma a não entrarem em incumprimento, que pode chegar a coimas avultadas que ascendem de 32.500 euros, a multiplicar, já desde o primeiro dia que vigora esta lei?

Concordo totalmente que queiram controlar a entrada desenfreada de unidades ilegais, a promoção e venda em plataformas concorrentes como Airbnb, Booking, Expedia, mas colocar tal inviabilidade de venda, duvidando até da capacidade e discernimento do setor de operação e distribuição turística portuguesa, nos seus vários canais e tipos de atividades, sejam retalhistas, grossistas (ots), OTAS, centrais de reservas, DMC, incoming e outgoing, especialistas, eventos ou corporate, em Era de enorme risco e responsabilização de vendas, de irregularidades, com custos elevados, às portas de uma diretiva de viagens feroz, que nos vai esganar de tanto responsabilizar, não creio ser estratégia eficaz, nem benéfica para ninguém!

Acham que a distribuição alguma vez corre o risco, perante tal cenário, sendo os seus clientes amigos, familiares em certos locais com mil primos até ao limite da 5ª geração, o padeiro, o sapateiro, o advogado do sítio, o padre, o professor ou o medico dos filhos? Correndo risco de ficarem descredibilizados localmente, com custos maiores, perderem os clientes? Esclareço que aqui  somos em mais de 70% formados superiormente, o restante formado tecnicamente, com média de idades das empresas e de anos de experiência superiores a 15 anos, com investimentos próprios elevados, que recorreu a capitais próprios, sem capacidade de aceder a financiamentos e apoios do estado, nem da banca. Somos PME empreendedoras, inovadoras, criativas, resistentes e resilientes, dinâmicas, cuidadosas, conscientes de que uma ilegalidade ou irregularidade séria pode destruir investimentos em esforço pessoal e financeiro de anos e que alimentam várias famílias. Somos pequenos ou microempresas, mas não somos irresponsáveis e menos totós!

Acho deveras estranho que no meio de tantas entidades, associações corporativas e afins ninguém tenha feito entender aos gestores políticos e/ou lobbies desajustados e antiquados, que tal artigo não é exequível e é nefasto para o setor na sua globalidade. Não vai aportar mais clientes para as suas unidades, não vai dinamizar o mercado, cria entropia, revolta, confusão levando a cortar uma boa parte da promoção e venda da hotelaria portuguesa. Se queriam cortar ilegalidades, e o que creem ser ervas daninhas da vossa atividade, atuassem cirurgicamente, sem pensar apenas e sempre no próprio umbigo, sem afetar gravemente uma boa parte dos parceiros e players da cadeia de valor, que até são bons pagadores, bons cumpridores, e conscientes das suas obrigações e da necessária qualidade e segurança do serviço que vendem e se responsabilizam cara a cara a cada dia (sim, porque as nossas online têm RNAAT e RNAVT, têm moradas, contactos e assistência direta fácil de aceder!).