“É bom chegar aos 100 anos com tudo em ordem”

Acabado de celebrar o Centenário do seu grupo hoteleiro, Alexandre de Almeida, terceira geração de uma família dedicada à hotelaria, esteve à conversa com a Ambitur em mais uma Grande Entrevista. No seu mais recente hotel, Jerónimos 8, o hoteleiro voltou atrás no tempo para nos contar um pouco da sua história e mostrou-se sereno quanto ao futuro da cadeia, afirmando apostar agora na consolidação para depois então poder ganhar escala, talvez através da gestão de outras unidades hoteleiras.

A crise económica mundial afetou as cadeias hoteleiras portuguesas financeiramente. O que se retira ao nível da gestão, depois de passarmos esta fase?
Retira-se fundamentalmente que ninguém tem o futuro nas mãos. Tivemos de reaprender o nosso negócio. Mas também temos de ver que em 2008 o mundo muda para o online. Coincide tudo, há um volte-face. Isso fez-me ver como é que temos de trabalhar, fez-nos ser muito mais pragmáticos, focarmo-nos no que é essencial. Fez-nos pensar que cada euro que não se ganha é um euro perdido para o futuro. E é bom chegar aos 100 anos com tudo em ordem.

Em 2011, o Grupo lançou uma parceria inédita com o grupo Lágrimas Hotels & Emotions. Que balanço faz dessa iniciativa?
Havia uma grande pressão sobre ambos os grupos. Um aspeto era a escala e outro era que os grupos cruzassem competências. Obviamente que se aprendeu. Deu para perceber que cada vez mais o essencial são as equipas, a dinâmica e a sintonia da equipa. Eu e o Dr. Miguel Júdice tivemos o melhor dos entendimentos mas notávamos que a nível das equipas o trabalho não era o que deveria ser. O que seria mais normal seria começar do zero. Mas isso também era impossível. Mas foi bom pela escala que permitiu, pelos ganhos que conseguimos, de um lado e de outro. Entretanto apareceu uma boa possibilidade do grupo Lágrimas desinvestir da hotelaria, e a coisa esgotou-se. Mas ganhámos mais reconhecimento.

Como está hoje o Grupo Hotéis Alexandre de Almeida, qual a estratégia que segue para os próximos anos em termos de desenvolvimento?
Estivemos extremamente descompensados, agora já vemos a luz ao fundo do túnel. Em termos de futuro é consolidar. Começo a ter receio de novos investimentos em Lisboa. Preocupa-me cada vez mais a cidade de Lisboa fora de época, de dezembro a março, com tantos hotéis a abrir. É verdade que, de abril a outubro, a receita gerada permitirá muito resultado, mas nos restantes meses será um apagão espiritual. Assusta-me também a pressão que, mais dia, menos dia, surgirá em Lisboa sobre os preços, devido ao grande aumento de oferta de alojamento.
Acredito muito no futuro do Hotel Praia Mar Carcavelos, que vai ter o campus da Universidade Nova, uma nova urbanização e está na praia. É um ativo que tenho a certeza que terá sucesso. Graças a esta perspetiva já está em obras de beneficiação.
O Curia Palace Hotel está bem mas a antiga quinta requer remodelação para ser um foco cultural, um produto novo a ser utilizado pelos hóspedes, coisa que não aconteceu por conta da crise. Em 2008 ficámos sem dinheiro para nada. Penso que agora sim. E depois estaremos preparados para o Buçaco.

O grupo precisa de escala para ser mais competitivo?
De momento precisa primeiro de consolidar, de ganhar fôlego para se ir com muita calma, sem dependência da banca, noutro modelo. Obviamente que a gestão está sempre no foco, hotéis no interior que estão infelizmente mais condenados do que nós. Mas sim, a escala poderia ir por aí, era absolutamente possível. E depois com novas unidades nossas, mal tivéssemos meios para o efeito.

O modelo dos Hotéis Alexandre de Almeida é para continuar na base que tem seguido?
Comparando com os grandes grupos nacionais, é uma proposta de valor. Gostava mais de estar num registo dos Hotéis Heritage, muito calmos, a fazer dinheiro. O meu objetivo é manter os hotéis mas tê-los como uma referência absoluta, melhorá-los, ter um produto que se possa diferenciar pela qualidade das instalações e pelo serviço prestado.
A criar um novo hotel, quereria que fosse atual, do ano. Se for em 2020, que seja um hotel datado de 2020. Uma realidade dos Hotéis Alexandre de Almeida é que o conceito do hotel à época é respeitado. Se vou ao Curia Palace Hotel vejo um hotel de 1926, se vou ao Buçaco é um Palace Hotel dos anos 20, se vou para Carcavelos é um hotel dos anos 60, estão datados. Quando fizemos o Jerónimos 8 não valia a pena estar a recriar um hotel histórico. E o que é importante é termos produtos hoteleiros conforme o tempo em que se vive, em que eles são criados. Hoje em dia o Buçaco é vintage, na altura era moderníssimo, com Arte Nova e Art Déco; a Curia que hoje nos parece um hotel histórico na altura era um projeto arrojadíssimo. O Jerónimos 8 é um hotel contemporâneo, aliás foi o primeiro hotel design em Portugal, da cadeia Design Hotels, mais uma parceria nossa para lançar o hotel dentro de determinado segmento.

Relativamente à concessão do Palace Hotel do Buçaco, está tudo em aberto para se chegar a um entendimento em que todos ganham?
O objetivo é esse. Todos temos noção do que é destino Buçaco, do futuro do hotel inserido num produto cultural que é o Buçaco. Nós temos 100 anos dessa experiência. Em 2003 apresentámos a nossa proposta ao Estado, era uma proposta de continuidade, de evolução do Buçaco, não tínhamos imaginado qualquer crise. Se calhar ainda bem que não avançou porque se calhar estaríamos numa situação difícil. Há males que vêm por bem. Mas há um mal que não vem por bem, que é este protelar tudo. Metade dos quartos datam do início da última concessão, foram todos remodelados no início dos anos 90, portanto os nossos melhores quartos têm 25 anos. O Buçaco carece. Isso permitir-nos-ia faturar mais e pagar uma renda maior à Fundação Mata do Buçaco. Felizmente o Buçaco está a ter o melhor ano de sempre, temos tido as melhores apreciações do hotel. Claro que há quem denote que o hotel está a carecer de investimento, especialmente a nível do alojamento. Mas explicamos-lhes o que se passa e rapidamente percebem. E praticamos preços consonantes com a experiência oferecida, há um equilíbrio. Mas creio que está tudo encaminhado. Cabe à Fundação, que no seu conselho de administração tem também o Turismo de Portugal, como outras entidades associativas. Mas fundamentalmente quem tem o poder decisório acaba por ser a Câmara Municipal da Mealhada, ela é que representa o município.

Olhando para a Região Centro, onde o grupo detém três hotéis, quais as vossas expectativas?
O Curia Palace Hotel tem a menor taxa de ocupação dos nossos hotéis (40%); depois vem o Buçaco com 45% e 50% para o Astória de Coimbra. O Jerónimos 8 tem 52% de taxa de ocupação, porque é Belém, funciona quando há eventos aqui à volta, o turismo de lazer não vem para cá; o Metrópole no Rossio andará à volta dos 70% e o Praia Mar mais de 60%.
Quando olho para o Centro, vejo aqueles resultados, claro que não é bom. A questão é que para a Curia, em particular, o cenário é perfeitamente dececionante. Tem um hotel fechado, o Grande Hotel da Curia,; outro hotel falido. A minha quota de mercado aumentou mas o nível de receitas manteve-se.
O Centro é uma utopia, não existe. Não há nenhum território turístico que não esteja agregado a uma marca. E essa marca normalmente é uma denominação geográfica pela qual esse território é conhecido. Em todo o mundo é assim. Centro é a designação oficial de uma entidade, não é uma marca turística.

Chegou a hora do Centro se reestruturar e recuperar as marcas que já teve?
As marcas têm que ser recuperadas. As pessoas querem marcas com uma conotação direta à componente geográfica e territorial. Sem isso não vale a pena. E nós estamos a pagar por isso.
Vamos deixar o interior do país morrer? Os investimentos estão feitos, o que é que pode fazer viver esses investimentos? Não são atrações, é a divulgação, a promoção. Já que Portugal está em alta, é preciso explicar lá fora, comunicar que o interior do país é impecável. Portugal é uma mancha territorial relativamente pequena, tem uma ótima rede viária, permite a deslocação por destinos completamente diversificados, e isso não está a ser feito.
Nós estamos a sair de uma situação de crise, tivemos que apertar o cinto, mas não podemos viver só do online. É preciso ir buscar mercados emissores importantes para Portugal. Falo da Suíça, da Alemanha, da Europa Central, França.
Há dois anos Portugal cortou o stand nacional na Top Resa de Paris, que é a maior feira de turismo francesa. E grave é que os números do mercado francês estavam a subir. O Turismo de Portugal cortou o Japão, entende-se que o mercado chinês é que é bom, não se sabe é que o gasto médio do turista chinês é miserável, e não se quis ver que o número de Chineses que vêm para Portugal é muito inferior ao número de Japoneses que vinham quando tínhamos a delegação lá.
É preciso ter equipas no terreno. Bater à porta dos operadores turísticos, organizar eventos, trazê-los. E este trabalho não está a ser feito porque houve um desinvestimento fortíssimo da promoção turística de Portugal no terreno. É preciso estimular a visitação de Portugal, e isso tem que ser feito pelo Turismo de Portugal.

 

*Esta é a 1ª Parte da Grande Entrevista publicada na Edição Nº 303 da Ambitur.