“A gestão hoteleira tem que ser cada vez mais especializada”

Não há dúvidas de que o parque hoteleiro nacional melhorou, em qualidade e quantidade, até fruto dos investimentos feitos anteriormente. Isso mesmo o refere Raul Martins, presidente da AHP, em entrevista à Ambitur, que sublinha que não é pois surpresa hoje Portugal estar na rota dos destinos apetecíveis. Por melhorar está a qualificação do serviço pois a oferta de profissionais da hotelaria não é suficiente para a procura, sendo esta a maior ameaça para manter e elevar o padrão dos hotéis nacionais. Para ganharem competitividade, Raul Martins admite faltar capacidade de gestão, que deve ser ganha através da formação.

Qual é hoje o panorama do setor hoteleiro nacional face às oscilações da economia?
A hotelaria nacional está de boa saúde. O tempo é de céu sem nuvens, mas a previsão é de algumas nuvens a médio prazo. A evolução da hotelaria nacional foi muito positiva e os resultados que se estão a obter agora são decorrentes dos investimentos de qualidade que se fizeram antes da Troika. A partir de 2005, quando a hotelaria estava em crescimento, houve investimentos de grande dimensão e de grande qualidade. Depois surgiu a situação da crise mundial mas o parque hoteleiro nacional melhorou, em qualidade e quantidade. Quando a procura por Portugal aumentou já tínhamos o “hardware” em condições de receber mais turistas. De 2009 a 2012 viveram-se tempos de baixa procura em Portugal, em parte decorrente da situação mundial. E depois Portugal passou a ficar conhecido e na rota dos destinos apetecíveis. Porquê? Porque fizemos investimentos de qualidade. É facto que houve outros destinos que deixaram de estar disponíveis. Houve um conjunto de fatores e hoje é reconhecido, e o reconhecimento mais próximo, os prémios do Turismo que ainda agora foram atribuídos, é a prova provada de que Portugal é hoje o melhor destino da Europa, o Algarve é o melhor destino de praias da Europa, temos prémios para hotéis, para o Terminal de Cruzeiros, trabalhámos bem. O panorama atual da hotelaria é bom e os números falam por si.

 

Em que parâmetros mais precisa de atuar?
Na qualificação do serviço. Sabemos que a oferta de profissionais de hotelaria não é suficiente para a procura que há, e a formação interna é uma constante. Os hotéis de maior nível fazem a sua própria formação. Essa é a ameaça mais concreta que temos para manter e elevar o standard dos hotéis em Portugal.

 

O setor hoteleiro em Portugal é competitivo?
De 2009 a 2012 os hoteleiros, porque os resultados de exploração em muitos caos foi negativo, tiveram de pagar salários e fornecedores com capitais próprios ou recurso a empréstimo. Só depois de 2014 começaram a recuperar. Entretanto surgiram planos para apoiar os novos projetos, a AHP bateu-se muito pela requalificação, que foi muito importante, e o programa de requalificação que começou em 2016 foi muito positivo. Mas antes disso, os hoteleiros tiveram de fazer face às situações negativas que enfrentavam. Se me perguntar se hoje essa situação está ultrapassada, eu penso que sim, de uma forma geral.

O que é que, no entanto, falta para a competitividade… A maior parte dos hotéis em Portugal são hotéis pequenos, com modelos de gestão familiares. Na AHP, além do nosso próprio programa de formação de que falaremos adiante, temos vindo a celebrar protocolos com diversas escolas e universidades, como a Les Roches ou a Universidade Europeia para formação de quadros de gestão e direção, que podem ser os próprios donos. Elementos como os custos com as utilities que podem ser negociados, são ferramentas que se não as utilizamos deixamos de ser suficientemente competitivos. Pensamos que há hoje formação nesta área que traz mais-valias para essas empresas, mas também para os proprietários, que podem frequentar esses cursos como forma de atualização e melhoria de gestão.

 

A competitividade na hotelaria passa pela capacidade de gestão dos seus responsáveis…
Sim. Temos poucos hotéis de cadeias em Portugal e há muitos hotéis independentes. A AHP tem uma estrutura de apoio bastante importante, desde a área jurídica até à área fiscal, temos parcerias com uma série de fornecedores da área hoteleira com condições especiais para os nossos associados. Pretendemos contribuir para uma gestão mais eficiente e competitiva.
Os fatores que mais determinam essa competitividade são as ferramentas de gestão, a gestão hoteleira que tem de ser cada vez mais especializada e a formação dos profissionais que tem de ser cada vez melhor.

 

A AHP hoje está mais bem preparada para dar apoio aos associados na capacitação destas áreas todas?
Sim, temos gabinetes de Estudos e Research, de Estatísticas e Tourism Monitors, gabinete jurídico, fiscal, de apoio à gestão, gabinete de arquitetura, apoio ao Investidor, o recém-criado gabinete de proteção de dados e, ainda a Formação AHP e a Bolsa de Empreendimentos Turísticos. Tudo isto são serviços da AHP.

 

E há um crescimento do recurso a esses serviços por parte dos associados?
Sim. E há também um aumento do número de associados. Em 2016, a AHP cresceu 12% e, até setembro de 2017, crescemos mais 7%.

 

Que caminhos e dificuldades encontram hoje as empresas hoteleiras nacionais a nível de financiamento?
Aquilo que consideramos que tem sido mais importante é a linha de financiamento para a requalificação dos hotéis. Nasceram novos hotéis mas havia uma hotelaria que, por força da crise, não tinha tido capacidade para se requalificar. A requalificação era no sentido da qualidade, de situações ambientais que estavam na ordem do dia, e eram necessárias, e hoje são valorizadas pelo próprio cliente. Penso que é essa que fazia mais falta e tem sido largamente utilizada. Em 2016 os 60 milhões de euros atribuídos foram todos utilizados. E em 2017 a dotação é de 75 milhões de euros.

O Compete 2020 também tem sido muito utilizado nas regiões de convergência. Há muitos projetos no Norte, Centro e Sul que têm sido apoiados por este mecanismo. Apesar do Compete 2020 ter uma componente que tem tido difícil interpretação pois coloca a tónica na inovação e, às vezes, os analistas dos institutos não vêem inovação em certas coisas na hotelaria.

Nós queremos que o Compete 2030 tenha uma linha autónoma para o Turismo. Para a AHP é fulcral, porque senão somos canibalizados pelas outras indústrias. O turismo tem uma componente muito específica porque é investimento mas, também, é serviço.

 

Em que contexto poderá a hotelaria aumentar os salários dos seus colaboradores? A mensagem de que os hotéis pagam pouco aos colaboradores tem sido veiculada…
Há um erro de análise. Nós ouvíamos esses ecos, os resultados das estatísticas do INE, olhávamos à volta e não entendíamos. Fizemos assim um levantamento junto dos nossos associados- cinco, quatro e três estrelas – e temos uma média de salários mensal de 1.035 € (correspondente ao ano de 2016 e excluindo subsídios e prémios, sendo uma remuneração paga a 14 meses). Estamos acima da média nacional. O que se passa é que no INE está tudo junto – hotelaria, alojamento e restauração.

 

Existe hoje falta de recursos humanos com competências na hotelaria? Em que setores e que evolução espera?
Onde há mais dificuldade é nas categorias menos qualificadas. Se quiser um rececionista, vou à Escola de Hotelaria e há formação específica. Na parte de empregados de mesa, há muita transferência e rotação, e às vezes não é fácil. Na cozinha também há falta de profissionais, apesar de haver formação e estar na moda, porque muitos vão para o exterior.

Foi por isso que lançámos a academia de formação da hotelaria – AHP Hotel Academy – que vem oferecer formação contínua aos profissionais que estão ao serviço dos hotéis associados da AHP. Esta formação corresponde a uma oferta alargada e dividida em três áreas distintas: línguas, comportamental e operacional.

Esta é a oportunidade para que os hoteleiros – em particular os do Norte, Centro e Alentejo – consigam fortalecer a qualificação das suas equipas e assim manter a qualidade e excelência da hotelaria portuguesa.

 

Depois de alguma turbulência na relação dos hotéis nacionais com a distribuição e a questão da paridade, qual o ponto de situação nos dias de hoje?
Não lhe chamaria turbulência. Há aqui dois níveis da relação entre os hotéis e as OTA’s. Os hotéis pequenos, em especial, estão muito gratos às OTA’s porque não tinham capacidade comercial para fazer as vendas que fazem, e agradecem a capacidade que as OTA’s lhes vieram trazer para ter uma ocupação muito maior. Os maiores sentem que a comissão é elevada, no fundo, a comissão que estão a pagar às OTAs é maior do que aquela que pagavam às agências anteriormente. Apesar dos hotéis médios e grandes não poderem prescindir das OTA’s, fazem tudo para que o seu canal seja potenciado. E fazem-no com promoções, porque aí não estão obrigados à paridade.

Acreditamos que a reclamação que existe junto da Comissão Europeia, que foi apresentada pela Hotrec, seja ainda este ano apreciada. Eu fiz parte da delegação da CTP à Comissão Europeia, em maio, e pus a questão ao Comissário Carlos Moedas, e que me foi respondida dizendo que a Hotrec tinha depositado o ano passado uma queixa a propósito do problema da paridade. Essa situação ao nível da Comissão Europeia não está resolvida e nós, Portugal, e os hotéis a nível mundial, procuram alternativas por forma a conseguirem não ter tantas reservas por esses meios.

Temos a expectativa de que, no futuro, a Comissão Europeia possa tomar uma posição concreta relativamente a esta questão, visto que em vários países da Europa a situação já foi regulamentada. Em França, Itália, Suécia, Alemanha e Áustria, os Governos disseram que se a Booking aí quisesse funcionar não podia ter a cláusula de paridade. Nós gostaríamos muito que o nosso país também se juntasse e regulasse. É um conflito latente que, em alguns casos diretos, tem sido analisado e aceite pela Booking. A Booking hoje em dia já aceita que a cláusula de paridade não seja exigível para outros canais mas exige que seja respeitada pelo canal direto.

Penso que hoje a Booking está a perder cada vez mais força nessa exigência. Sabemos que a Direção Geral da Concorrência europeia já se pronunciou no sentido de manter a Booking sob observação em razão da “paridade relativa” agora consagrada pela Booking.

 

Falando do futuro, em que direção segue o negócio da hotelaria mundial?
A hotelaria mundial está a crescer. Apesar de a Europa ser a maior região turística do mundo, a Ásia está em grande expansão. As grandes viagens são as que vão continuar em crescimento.
A facilidade de transporte e a redução do preço, por força também das low cost, tem aproximado as regiões. Portugal beneficiou dessa dinâmica porque deixou de ser periférico. Como havia poucas rotas, o custo do transporte para o nosso país representava uma grande fatia do orçamento disponível para as férias. Com a vinda das companhias aéreas low cost a situação esbateu-se.

 

Onde pode a hotelaria explorar mais-valias para o seu negócio no futuro?
A perspetiva do turista é, cada vez mais, ter experiências novas e diferenciadas. A hotelaria tem de ser cada vez mais a agência de viagens local e acrescentar valor fazendo o seu portefólio de experiências. Sabemos que hoje há hotéis em Portugal que se posicionam dessa forma e que tiveram muito bons resultados.

 

O hotel tem de sair de um papel cómodo e ajudar o turista a descobrir o destino…
Exato. E aqueles que o fizerem vão diferenciar-se. É essa a tendência da hotelaria do futuro.

 

O país tem argumentos para fidelizar a procura internacional que tem tido?
Na medida em que o turista hoje, por força do seu nível cultural, quer descobrir novas realidades e experienciar a autenticidade dos locais que visita. Portugal, sendo um país relativamente pequeno, tem uma diversidade até de clima, de hábitos e de características que permitem desfrutar de coisas diferentes, esse é o grande fator de atração. Também é por isto que destinos como o Norte, o Centro e os Açores têm crescido acima da média.

 

Quais os principais temas que estão na agenda da AHP?
No fundo, a nossa agenda está no Congresso. Estamos a preparar o 29º Congresso Nacional da Hotelaria e Turismo, cujo tema corresponde ao boom turístico que temos vivido – “Descobriram Portugal. E Agora?!”. Agora é o momento para debatermos os desafios e oportunidades que nos levarão a traçar uma nova rota para o setor e para o país.

O “Turismo e a Europa das Regiões” é o painel que abre o Congresso. Sendo a Europa o continente que mais turistas gera no mundo, é essencial gizar uma estratégia para o turismo intraeuropeu numa perspetiva regional, o que poderá diluir as assimetrias e promover a coesão em todo o território e trazer oportunidades para zonas com menos concentração turística.

O que nos traz a outro tema importante do Congresso, e da agenda da AHP, que é “Como crescer sem perder a identidade”. A capacidade de carga das cidades tem sido bastante debatida, mas cabe à Hotelaria, como principal interveniente, discutir e pensar a questão. Temos de acautelar o excesso de liberalismo. Achamos que deve haver cotas de instalações para alojamento, quer sejam hotéis, quer seja local. Dentro de cada cidade há bairros que são mais procurados que outros pelo seu caráter genuíno, e esse caráter não deve ser perdido. Não estamos a fazer nada que não tenha sido já feito em outras cidades. Temos que regular.

“A condição periférica de Portugal – Os desafios do transporte aéreo” é outro dos temas a ser debatido, com a capacidade do Aeroporto de Lisboa como questão mais premente. 90% ou mais dos turistas chegam a Portugal por via área, pelo que, se queremos falar de crescimento continuado, temos de encontrar soluções.

Temos ainda um painel sobre as plataformas digitais, “O futuro do Hotel Revenue Management”, que é hoje uma ferramenta fundamental. Embora haja hoteleiros que a utilizem há anos e outros que não. Temos de estar sempre a incentivar os nossos associados para se atualizarem em ferramentas de gestão que possam melhorar a sua competitividade.

E fechamos com o tema “Novas Tendências no Alojamento”, mais uma vez o que falávamos há pouco, a diferenciação e a experiência.

De destacar o Aeroporto de Lisboa. Sabemos que chegámos a 2020 mais cedo. Pese embora isso, há coisas que se têm de fazer para minimizar os efeitos da sobrelotação do Aeroporto de Lisboa. Este ano irá atingir a sua capacidade máxima e recusou milhares de slots por força do aumento da procura. Temos chamado a atenção do Governo no sentido de que quanto mais demorar esta situação, mais problemas trará. E os problemas não são despicientes. Se considerarmos um aumento da oferta turística de 5% ao ano, que nos últimos anos foi de 6% ao ano, daqui a quatro anos haverá um aumento de 20%. E os turistas a chegarem a Lisboa não aumentam. Se agora temos uma ocupação média em Lisboa de 80%, vamos passar a ter 64% em quatro anos. E com o risco, como esta lei da oferta e da procura traz, de alguns quererem baixar preço.

Esta é uma situação que tem de ser avaliada e ter medidas compensatórias. Eu diria que a primeira medida seria arranjar uma forma de a estada média em Lisboa, e em Portugal de forma geral, aumentar, para que possamos, com o mesmo número de turistas, ter mais ocupação. A ATL tem de intervir nesse sentido criando incentivos ao prolongamento da estadia. Certamente que as companhias aéreas vão aumentar a capacidade dos seus aviões, já estão a fazê-lo. Lisboa é o hub da TAP, mas cerca de 30% das pessoas que passam por Lisboa não ficam na cidade. E dessas, metade vai para o Porto. A TAP tem de criar mais rotas entre o Porto e os principais mercados turísticos para a região norte.

Esperamos que os prazos que foram estabelecidos para a concretização da expansão do aeroporto do Montijo não sejam ultrapassados. Aquilo que se disse, que até ao final de setembro o estudo de impacto ambiental era conhecido, a verdade é que não se verificou. Estamos em novembro e ainda não conhecemos nada. A nossa preocupação é que o Governo não esteja a cumprir o calendário a que se propôs para termos a extensão do Aeroporto de Lisboa em 2020.

Há ainda uma outra situação de fundo: a regulamentação dos empreendimentos turísticos está ultrapassada e é uma manta de retalhos. Hoje em dia, há edifícios que só são de alojamento local porque não se conseguem qualificar como empreendimentos turísticos. E são-no, na verdade. Há uma falta de adequação do RJET, que está obsoleto e desadequado.

 

*Esta Grande Entrevista foi publicada no Suplemento da Ambitur 305.