“A hotelaria tem de ser dedicação a 100%”

Francisco MoserPoder-se-ia dizer que a hotelaria lhe está no sangue pois nunca teve dúvidas de que seria este o setor onde iria fazer a sua carreira profissional. Do seu percurso fazem parte nomes como Tivoli, Altis, Vila Galé, Albatroz, entre outros, e hoje Francisco Moser é managing director do Discovery Hospitality Real Estate e da marca DHM. Afirma que não se arrepende de nenhum passo dado e que o que o fascina neste mundo é a ausência de rotina e a possibilidade de contribuir para a felicidade dos clientes. Nesta «grande entrevista» à Ambitur, o profissional não hesita em elogiar a hotelaria e os hoteleiros nacionais, mas admite que ainda há muito conservadorismo.

Que desafio lhe foi proposto pela Discovery Hospitality Real Estate?
O que me foi proposto é o objetivo de qualquer empresa ou organização: valorizar os seus ativos. Como é que vamos fazer isso? Dotando-nos de uma estrutura profissional, de recursos necessários para que os ativos sejam geridos de uma forma profissional, competitiva, não para resultados imediatos de curto prazo, mas de uma forma sustentável e crescente. Este é o meu grande desafio, criar sobretudo valor.

Qual o universo atual da Discovery Hospitality Real Estate?
Detemos 44 ativos, num valor de 800 milhões de euros. O fundo Discovery – Discovery Hospitality Real Estate ao nível hoteleiro tem unidades boutique sob a marca DHM, um segmento de hotéis e resorts, um segmento de Villas &Apartments, e um conjunto de hotéis geridos por marcas próprias em contratos de management.

Francisco MoserQuantas unidades gerem diretamente?
12 unidades. Dentro destas, temos a DHM que gere quatro hotéis, que passarão em breve a sete. São unidades dispersas geograficamente onde tentámos desenvolver um carisma muito próprio, de serviço, de informalidade e disponibilidade com o cliente, onde tentamos não utilizar a palavra “não”. Em todas as unidades temos o nosso restaurante “À TERRA”, baseado numa gastronomia local e autêntica e cuja fórmula tem tido um enorme sucesso.
Depois temos o segmento dos “Hotéis, Villas & Apartments”. São unidades de média e grande dimensão, cujo target é diferente da DHM. Para este segmento estamos a desenvolver estratégias distintas e adequadas ao mercado.
Estamos num processo de reorganização de marcas para uma lógica que o mercado entenda. Até ao final do ano haverá novidades.

Os fundos, ao nível da gestão hoteleira, encontraram o seu caminho?
Este fundo Discovery tem a sua estratégia própria, encontrou o seu caminho desde o início, pois uma das suas grandes missões foi trazer inovação para a hotelaria. A inovação que trouxe foi ter sempre procurado, para cada ativo, uma solução adequada para que o negócio funcionasse.
Temos vários exemplos. O Campo Real, quando entrou para o fundo a solução identificada passou pela associação à marca Dolce Hotels & Resorts, da Wyndham, especialistas no segmento MICE. No antigo Aquapura o fundo foi buscar a marca Six Senses, que em pouco tempo posicionou o hotel num patamar de preço espetacular. Estas são parcerias que em muito contribuíram para a valorização dos ativos do fundo.
A Discovery sabe muito bem o caminho que tomou, porque pensou numa estratégia, não somente numa lógica de fundo, mas sim numa lógica de desenvolvimento do negócio, e esse é o mérito que tem.

Francisco MoserDe que área vem hoje o maior rendimento de um hotel?
Na hotelaria full service, os indicadores apontam para que 65% das receitas venham do alojamento, 25/30% das receitas venham do F&B, e o restante de outros serviços. A questão principal é a margem de contribuição de cada um destes departamentos. No alojamento anda perto dos 80%, ou seja, em cada 100 euros, 80 será margem. No F&B, na melhor das hipóteses, é em 100 euros 20 serem de margem. No F&B estou a ser bastante generoso porque há muitos hotéis onde estas áreas são deficitárias. Em Portugal temos dificuldade em fazer outsorcing das áreas de F&B, o que é um erro. Os hoteleiros têm de ter a capacidade de considerar fazer parcerias em determinados cenários operacionais.

Os millenials são um público específico ou uma nova segmentação de mercado?
Fala-se muito nos millenials mas talvez seja mais um segmento de mercado. Este segmento terá a idade dos meus filhos, talvez um pouco mais velhos, mas não tem capacidade financeira para ir ao CR7, ao Vila Monte ou ao Praia Verde. Os meus filhos dormem em locais acessíveis financeiramente, o que é próprio da idade.
Os hotéis que se posicionaram nesta lógica de conquistar os millenials, já perceberam que esta designação é mais um estilo de vida e não tanto uma faixa etária. Em Lisboa surgiram ofertas interessantes como por exemplo o Evolution ou o Pestana CR7. São hotéis onde eu me sentiria muito bem!

Como se mantém uma equipa operacional a par das tendências?
No nosso grupo temos a figura do Concept Manager cuja missão é a de pesquisar e/ou vivenciar hotéis em todo o mundo, analisar tendências e fazer benchmarking. Como estamos envolvidos em muitos projetos em simultâneo – aliás estamos com previsão de mais quatro aberturas para o próximo ano, a que se seguirão mais quatro em 2018 – precisamos de novas ideias e de novos conceitos.

Francisco MoserComo se constrói uma cultura de Hospitality?
Uma cultura de serviço hoteleira. É muito importante esta noção, que nem sempre existe na hotelaria, de que todas as pessoas envolvidas no negócio, percebam e gostem do sentimento de servir. Quando falo do serviço falo na satisfação do cliente, podermos conhecer o cliente para antecipar os seus gostos. Sendo que hoje em dia é tudo feito utilizando ferramentas tecnológicas, e os grandes grupos hoteleiros já têm todo o CRM em base tecnológica. Pensando na parte mais genuína de como se constrói a Hospitality: é a perceção interna dos valores, da missão, dos propósitos da empresa, que apesar de estar muito vocacionado para a rentabilidade, advém de servir os clientes e servir bem. Para isso temos de ter uma equipa altamente motivada e formada. Temos de ter pessoas com acesso a condições de trabalho e de remuneração que infelizmente, na hotelaria, ainda estão muito longe do desejável. Só com pessoas minimamente envolvidas e motivadas conseguimos ir para o segundo passo, ter os clientes satisfeitos. Por isso é que a hotelaria é um negócio de médio longo/prazo, não de curto prazo.

Os investidores são hoje mais hoteleiros e os hoteleiros mais empresários?
Se olharmos para o Atlas da hotelaria que a Deloitte publica todos os anos percebe-se logo a fragmentação do negócio a nível nacional. É um negócio muito pouco concentrado. Os grandes hoteleiros ocupam uma percentagem mínima da oferta hoteleira. Ou seja, é um negócio feito por pequenos empresários. Se me perguntar se estes empresários têm uma cultura hoteleira, a resposta é que não têm. Se me perguntar se as grandes cadeias a têm, a resposta seria que, se não tivessem, seria muito estranho. Quanto aos outros há um longo caminho a percorrer.

Que conselho daria aos jovens que iniciam uma carreira na hotelaria?
Com horários difíceis e remunerações baixas, a hotelaria tem de ser considerada dedicação a 100%. Estamos a trabalhar quando os outros se estão a divertir. Um profissional para chegar a determinado patamar na hotelaria tem de passar muito pelo terreno. Valorizo mais nesta profissão quem tenha, ao longo da formação, feito estágios, contactado com diferentes realidades. Procuro estas pessoas todos os dias, aqui e nos hotéis por onde andei.

 

Esta é a 1ª parte da Grande Entrevista que pode ser lida na íntegra na Edição 295 da Ambitur.