“A nossa batalha hoje é o impacto de crises nos nossos principais mercados”

Foi com um sorriso tímido nos lábios mas sempre disponível para responder a qualquer questão que Fernando Pinto recebeu a Ambitur no seu escritório. O presidente da TAP recordou os tempos de infância e a sua paixão pela aviação, que o levou a crescer dentro da Varig até chegar à presidência, e que acabou por trazê-lo a Portugal, para assumir o comando da companhia aérea nacional. Fernando Pinto fala-nos de como encontrou a TAP quando chegou com a sua equipa e do futuro que está agora a preparar com os novos acionistas.


Fernando PintoCumpriu a sua missão na TAP a privatização. Qual a sua nova missão?

A primeira missão diria que foi conseguir sobreviver (risos). Eu vim para a privatização, certo de que após este processo teríamos uma vida tranquila. A privatização não aconteceu e aí o problema foi como sobreviver sem recursos. A segunda missão foi criar uma nova marca, crescer, desenvolver o hub. No entanto, o contexto foi de “mil batalhas” – o preço do combustível dispara, a gripe asiática, o 11 de setembro… Após esta fase voltámos novamente ao dossier da privatização, que quase ocorre, em 2014. Ao não ter sido concluída traz um impacto forte ao nível da empresa, porque deixa de receber recursos de bancos, pois todos querem saber para onde vai a companhia.
Após este processo conseguimos a nova privatização, e agora um novo ajuste da privatização. A nossa batalha hoje é o impacto de crises nos nossos principais mercados. Em primeiro lugar a Venezuela, depois o Brasil e, por fim, Angola. Estes eram os nossos três mercados mais importantes. Estamos a viver o reflexo de uma crise nesses três mercados e, obviamente, estamos a entrar neste contexto logo após um processo de privatização do qual vínhamos também fragilizados devido aos movimentos de greves anteriores.
Entraram recursos com a privatização, o que foi uma vitória. Isso ajudou a reduzir o endividamento da empresa, mas não resolve ainda o nível de eficiência da mesma e de ter resultados. Estamos a passar uns dois anos de dificuldade em obter resultados.

 
E a sua nova missão…
É viabilizar a empresa na pós-privatização, no período de dois anos que se seguem. Estamos num período de transição a todos os níveis, com muita coisa boa a acontecer. O que está a ser feito, já deveria ter sido realizado anteriormente, como a renovação da frota da Portugália, que era algo fundamental.

Fernando PintoComo explica as alterações que estão a ser implementadas?
Com a chegada dos novos acionistas vêm novas ideias. Uma delas é continuar algo que deu certo, que é o reforço do hub de Lisboa. Vamos reforçar porque aqui está a nossa defesa. Aí conseguimos ser eficientes e competir, sem deixar de lado outros mercados.
Mas com a queda em alguns mercados, como Venezuela, Brasil e Angola, precisávamos de alternativas. A alternativa natural tornou-se os EUA, o maior mercado do mundo de transporte aéreo. Mas nos EUA há uma dificuldade em penetrar no mercado, que é muito difícil, por ser tão competitivo.
A ideia agora é abrir as portas de um novo grande mercado para nós, aproveitando o conhecimento que os novos acionistas têm do mesmo. A estratégia passa por aproveitar uma nova família de aviões, que permite fazer voos de longo curso (os A321 de longo curso). Este avião vai-nos permitir abrir uma série de novos mercados de médio potencial com Lisboa, mas prosseguindo daqui através do seu hub.

Qual deve ser o entendimento do interesse público no âmbito de uma companhia aérea europeia?
Hoje o mercado europeu é extremamente competitivo. Onde há mercado há serviço, há muita competição. Não é possível fazer serviços artificiais a qualquer mercado. O que existe são regras europeias para que isso seja feito. Por exemplo, para as ilhas nacionais servimos com determinadas regras de serviço de prestação público. Mas não é só a TAP que o faz, nem é esta que tem a obrigação de o fazer.
Existe hoje uma forma de subsídio à companhia aérea, que são os próprios aeroportos e comunidades que, com regras que também têm de ser aprovadas, incentivam à abertura de novas e determinadas rotas. Isso existe em Lisboa, Porto, Faro e outros lugares. Já questionámos o apoio dado a determinadas rotas. Mas regras são regras. Como empresa do Estado que éramos, não podíamos ser subsidiados. Poderíamos recorrer a programas específicos, como o existente para as ilhas, fora disso, operarmos em rotas que não davam resultados não podíamos fazer.
Quando chegámos aqui cancelámos diversas rotas, uma delas África do Sul, que era uma rota extremamente crítica. Mas há outras que, no seu conjunto, víamos que fazia sentido para manter o mercado em operação. Acontece que, nos últimos anos, aparece um novo fator na equação, a entrada forte das low cost. Até há dois anos atrás ainda era possível mantermos determinadas rotas. Hoje em dia é muito mais difícil porque a situação da empresa também se deteriorou.

Qualquer companhia aérea europeia precisa de um apoio político forte devido aos acordos aéreos…
A TAP nunca deixará de ser empresa de bandeira. Ela é que representa o país. Cada vez mais os acordos ao nível dos países da Europa são feitos centralizadamente, até para evitar constrangimentos. Há uma grande preocupação da Comunidade Europeia em que não haja ajudas individualizadas às empresas, ou seja, auxílios de Estado, que podem ser usados de variadas formas. O que acontecia no passado é que as empresas eram ineficientes e eram suportadas pelo Estado, sendo a competição desigual.

Fernando PintoÉ inevitável que entre outro parceiro na TAP, sendo chinês ou não, para que esta ganhe volume, um ponto crucial na gestão de uma companhia aérea?
Hoje em dia o que comanda realmente o negócio do transporte aéreo é o volume, no passado não era, sendo que a qualidade e segurança continuam a vigorar. Conseguimos volume através da ligação a outras empresas. A ligação que vai acontecer com a Azul é extremamente importante, conseguimos ganhar uma força de grupo neste âmbito. Até diria que os novos aviões da PGA já são um exemplo disso. A empresa tem que continuar a crescer e tem de ganhar mais volume.

O que é necessário que o setor turístico entenda quando olha para a TAP?
Que a TAP tem de ser uma empresa eficiente e precisa de atuar dentro de um mercado extremamente competitivo. Obviamente precisa de trabalhar em conjunto com o setor, pois a TAP é uma empresa de Portugal, sendo que precisa de parcerias dos portugueses, o que tem acontecido, permitindo um ganho mútuo. É importante para todos uma TAP forte.

 

 

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na Edição Nº 287 da Ambitur.