“A opinião pública ultrapassou o peso daqueles que são os verdadeiros stakeholders da TAP”
A Ambitur.pt marcou presença na 3.ª edição do Golden Sunset do Consolidador.com e após o evento esteve à conversa com o CEO, Miguel Quintas, que abordou os desafios da operação turística para 2023, o tema TAP e outros mais ligados ao setor.
Quais os principais desafios para a operação turística este ano?
No lado da operação turística, eu acredito que o grande desafio vai ser encher os últimos 20% da capacidade existente em Portugal para os destinos das Caraíbas e Cabo Verde. É tipicamente neste limiar final de vendas que se encontra a rentabilidade da operação turística, pelo que acredito que os principais operadores poderão vir a necessitar de realizar promoções de última hora. Desejo que não aconteça e que tudo corra conforme a oferta que estimou o verão.
No lado da estratégia da operação turística, penso que se começa a tornar claro a importância comercial da existência de apenas três grandes operadores em Portugal. Atualmente dois são espanhóis junto com um português. O espaço para os operadores abaixo deste limiar é reduzido e requer um trabalho comercial constante e grande resiliência.
Como é que esses desafios poderão ser ultrapassados?
A nível da operação, e no geral, a abertura para o diálogo é grande entre todos os players: isso permite definir e resolver muita coisa no dia-a-dia da distribuição. Penso que seria desejável mais aproximação no que toca à definição de expectativas entre a oferta e a procura assim como na definição de destinos. Talvez num mercado mais avançado se possa falar disso, assim como distribuição de risco entre todos os atores.
A nível estratégico acredito que o trabalho está em fidelizar os clientes, sendo que os três primeiros operadores em Portugal levam uma clara vantagem sobre os demais, que têm que investir proporcionalmente uma grande fatia do bolo total.
Que outras temáticas começam a surgir no horizonte?
A concentração do setor leva a uma erosão financeira que pode ser prejudicial para toda a distribuição, em particular para os mais pequenos. É possível que os players mais pequenos queiram parecer maiores e façam alianças estratégicas. Serão assuntos para estar atento durante os próximos meses e até ao final do ano.
O setor continua a necessitar de uma fusão/concentração de empresas?
Não precisa. Mas os pequenos têm essa necessidade por uma questão de sobrevivência. Neste mercado há ainda um fator muito desconcertante em termos económicos e estratégicos: ainda se fazem ou desmancham negócios por questões que nada tem a ver com fatores económicos e estratégicos, mas tão somente por humores pessoais. Algo que acredito que deixe de acontecer com a profissionalização crescente do setor. Fora isso, tudo funciona normalmente.
Passou o pior da pandemia ou há resquícios ao nível financeiro nas empresas?
Ainda há. Os resultados da pandemia ficaram para sempre e espero que sejam um ensinamento para o mundo e para as gerações vindouras. Haverá empresas que saíram reforçadas no pós pandemia e as que ainda lutam por repor as suas finanças ao nível da pré-pandemia. A este respeito acredito que, de todos os setores, o corporate foi o mais prejudicado. Ainda assim, o nosso setor foi muito resistente e está de parabéns.
Como avalia a situação da TAP nos últimos dois anos? Que consequências poderá ter para o mercado da distribuição das viagens?
A TAP é um assunto demasiado politizado. Hoje em dia não pode dar um passo sem ser imediatamente escrutinada. Ninguém consegue trabalhar assim. Deve ser um inferno. Tenho uma opinião própria sobre a gestão da TAP. Conheci bem os seus dossiers. Mas penso que não é tempo de olhar para trás, mas sim para a frente. A TAP tem ótimos profissionais, pese embora a saída recente de muitos deles. Mas acima de tudo tem um enorme desafio pela frente até ao final da privatização. Recomendo vivamente deixar a TAP trabalhar agora – dentro dos melhores critérios de gestão e estratégicos, obviamente – e voltaremos ao assunto após ou durante a privatização.
E o futuro, numa privatização?
Costumo dizer que os clientes não são das companhias aéreas. São dos destinos. E os destinos são todos: restaurantes, hotelaria, alojamento local, agencias de viagens, bares, eventos, tuk-tuks e por aí fora. Adicionalmente ainda existem as regiões de turismo e o Turismo de Portugal. Todos eles se promovem nacional e internacionalmente para atrair clientes. A TAP e as companhias são um meio de trazer turistas de lazer e negócio para Portugal e levar para fora. Se não for a companhia aérea A a fazê-lo, uma outra companhia aérea o fará. A minha única grande questão é que se deve garantir um mercado 100% concorrencial, a fim do turismo, como um todo, não sair prejudicado por falta de oferta ou mesmo uma oferta condicionada ao lucro de um intermediário.
Nos últimos Congressos de turismo nacional, CTP, AHP e APAVT, ninguém abordou o tema TAP. Encontra uma justificação? O setor tem pouco peso nas decisões políticas relativamente à companhia?
Não encontro justificação, obviamente. E sim, acho que o setor tem muito pouco valor acrescentado hoje em dia, no futuro da TAP. Digo hoje em dia, porque o assunto TAP foi tão politizado, que a opinião pública ultrapassou o peso daqueles que são os verdadeiros stakeholders da TAP. E o nosso setor nunca se posicionou convenientemente, sendo portanto ultrapassado nesta corrida. O que irá acontecer é que serão os portugueses a decidir. É certo que somos os donos da TAP, mas a decisão será influenciada pelo peso dos votos nos partidos políticos e não quanto ao interesses económicos e estratégicos da companhia. Oxalá que no final do dia ambos se conjuguem, mas o risco é grande de ambos os interesses estarem alinhados.
Os agentes de viagens sem balcão são um tema que deve ser abordado pelo setor?
Obviamente que sim. Mas neste particular temos dois tipos de agentes: agentes sem balcão mas com RNAVT e sem RNAVT, que se chamam comummente freelancers. Ambos são players e cada vez com mais importância. Não vão parar de crescer. Pensar ou fingir que não existem é um erro. Acho relevante fazer uma reflexão grande sobre o assunto o mais rápido possível, sendo que esta reflexão não deverá ser realizada apenas ao nível associativo, mesmo existindo duas associações de agências de viagens. Terá que envolver representantes mais alargados do nosso setor das agências de viagens.
Por Diana Fonseca