#Agênciasdeviagens: “A lei que regula a atividade das agências de viagens expõe este subsetor a dificuldades de monta”

Que futuro norteará o setor das agências de viagens, quais os caminhos que poderão ser os mais indicados? Em tempos de mudança, Ambitur.pt irá nos próximos dias publicar auscultações que fizemos a vários quadrantes do setor de distribuição de viagens em Portugal. Pedro Gordon, diretor geral do Grupo GEA Portugal, contribui respondendo às nossas três questões:

Voucher: esta é a solução ideal para o sector das viagens ou um mal menor?
Dentro da conjuntura de pandemia que atravessamos, da crise inaudita que a mesma despertou e da necessidade imperiosa de não descapitalizar as empresas, mais concretamente as tesourarias das mesmas, o voucher apresenta-se, não como a solução ideal ou um mal menor, mas como a medida possível paliativa para evitar a falência massiva das empresas. Sendo um setor excessivamente atomizado, predominantemente constituído por micro e pequenas e médias empresas, e que garante um nível elevado de empregabilidade, o voucher permite contextualizar na equação do problema dos cancelamentos, e consequentes reembolsos devidos aos consumidores, uma variável que ainda não existia: a variável tempo. Esta variável vai permitir que as empresas do setor entreguem ao consumidor um documento que garanta o crédito dos valores previamente pagos pelas suas viagens canceladas por força das consequências do surto de Covid-19 por um período de tempo suficientemente largo que permita ultrapassar o contexto atual e esperar a retoma da economia para reequilibrar as contas.

Que outras questões estão hoje em cima da mesa para o setor das agências de viagens, como poderão ser resolvidas e qual/ais a/s sua/s urgência/s?
Mais que qualquer outra a sustentabilidade das empresas. Sendo talvez o setor da economia que sofreu de forma mais devastadora o impacto deste surto pandémico, este é talvez aquele que apresenta o maior grau de urgência na sua resolução. Importa salientar aqui o bom trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela APAVT nas negociações com a tutela no sentido da negociação de medidas para acautelar não só a necessidade imediata de tesouraria garantindo linhas de crédito às empresas, como também as medidas de lay-off já aprovadas que permitem salvaguardar, pelo menos a curto prazo, uma grande percentagem dos empregos do setor.

Outras questões de importância que estão em cima da mesa têm que ver com a forma de como este subsetor vai dialogar com os restantes setores mais a montante no sentido de encontrar fórmulas para resolução de problemas pendentes, como seja por exemplo o dos reembolsos mas, mais que tudo, conseguir articular uma estratégia de concertação ou coesão setorial para que, em conjunto, todos os subsetores da cadeia possam ultrapassar as graves dificuldades e a grave e inesperada depressão económica que esta pandemia veio provocar. Será talvez esta a principal questão, no meu entender, a ser resolvida para que em conjunto consigamos levar o setor outra vez à velocidade de cruzeiro.

A responsabilidade das agências e do FGVT tem que ser revista?
Não creio estar a dizer nenhuma inverdade quando afirmo que a pandemia e as suas consequências vieram mostrar que a lei que regula a atividade das agências de viagens expõe este subsetor a dificuldades de monta, mais que a quaisquer outros do turismo, que não são reguladas com igual grau de exigência e responsabilidade legal perante os consumidores. Expõe-no, nesse sentido, a um conjunto de fragilidades ao ponto de provocar falências massivas e, com isso, ao aumento de desemprego.

Não pretendo com isto dizer que as agências não devam ter uma legislação que exija responsabilidade sobre o serviço que prestam, salvaguardando o interesse do consumidor. Pretendo sim dizer que o sejam em igualdade de circunstâncias com os seus parceiros de negócio, em que as responsabilidades sejam equitativa e equilibradamente distribuídas em toda a cadeia de valor.

A questão do FGVT incide apenas sobre as agências de viagens, e é uma garantia que é unicamente exigida a este subsetor. Não existe este tipo de garantias no setor aéreo, por exemplo, e verificam-se com alguma frequência quebras de algumas companhias e os consumidores ficam lesados e sem possibilidade de recorrer a um fundo equivalente que os possa ressarcir de uma tal situação.

Entendo, portanto, que o Fundo de Garantia deva continuar a existir para as agências de viagens, mas que o mesmo seja estendido a outros setores da cadeia de distribuição, salvaguardando de montante a jusante o interesse final do consumidor, e não apenas que o distribuidor tradicional (agência de viagens) esteja sujeito e obrigado a ele, pois atualmente não é este o único elo de distribuição final em toda a cadeia. O mercado tem evoluído, e sobretudo nos anos mais recentes, distribui-se produto e serviço ao consumidor um pouco por todo o lado, com especial ênfase nos canais diretos. E esta questão impõe repensar a quem mais devam ser impostos fundos de garantia pelo legislador.