#Agênciasdeviagens: Vouchers: “Embora a agência tenha captado o cliente, pode acabar… sem nada”

Que futuro norteará o setor das agências de viagens, quais os caminhos que poderão ser os mais indicados? Em tempos de mudança, Ambitur.pt irá nos próximos dias publicar auscultações que fizemos a vários quadrantes do setor de distribuição de viagens em Portugal. Miguel Quintas, CEO do Consolidador.com, contribui respondendo às nossas três questões:

Voucher: esta é a solução ideal para o setor das viagens ou um mal menor?
O sistema de “vouchers” já é um velho conhecido na Europa e será, com naturalidade, a melhor opção como panaceia a aplicar ao nosso setor, em particular neste caso das consequências da pandemia COVID-19. Por já existir um grande atraso na entrada em vigor deste diploma (recorde-se que a Comissão Europeia já recomendou a possibilidade de lançar Vouchers desde 18 de Março de 2020!), eu esperaria que o mesmo viesse bastante completo e com proteção plena ao canal de distribuição, nomeadamente no que diz respeito à sua: capacidade financeira atual e futura; segurança e respeito pelo canal de distribuição e finalmente, respetiva segurança do futuro económico do setor e fidelização do cliente.

Infelizmente, tal não se veio a verificar, existindo diversas lacunas que espero que se venham a colmatar ao longo dos próximos tempos. Ainda assim, pese embora o atraso e a falta de “blindagem” de apoio às Agências de Viagens, penso que o Decreto Lei veio ajudar. Ou seja, as Agências de Viagens estão melhor agora do que antes, embora pense que se devia e poderia ter ido bastante mais longe. De entre várias questões por resolver, há no entanto uma que merece a maior atenção: Ainda não existe legislação sobre o cancelamento das reservas da aviação, pese embora o “bypass” que muitas daquelas estão, desde meados de março, a fazer às Agências de Viagens Portuguesas. Mas pior, há atualmente um indicador negro: até à data existe um acordo oficial entre a APAVT e uma companhia aérea no que concerne aos reembolsos, que é extremamente prejudicial para as Agências de Viagens. Com a saída do Decreto lei de 24 de Abril último, nada foi tocado no tema. E o setor continua… sem data definida para resolução. Diria que nesta matéria temos um problema de larguíssima escala que as Agências de Viagens e as restantes entidades envolvidas na discussão do presente diploma ainda não conseguiram resolver.

As Agências de Viagens em Portugal precisam de legislação que lhes permita garantir três aspetos base:
– Apoio na tesouraria das Agências de Viagens (em particular de reservas já pagas, mas não cobradas);
– Condições de apoio ao cliente final naquilo que são os seus interesses enquanto consumidor e fidelização futura na relação com o mesmo;
– Manutenção da rentabilidade das reservas realizadas ou mesmo, incremento de margem ou volume de negócios, se possível.

Parece-me portanto, que este Decreto Lei é curto e apresenta algumas soluções, mas cuja implementação pode ser limitadora naqueles três vetores. Aparenta ser um diploma feito “à pressa”, incompleto, mas acima de tudo deixa para as Agências de Viagens o ónus de garantir o negócio futuro, sem proteção daquelas que têm relações privilegiadas com os seus clientes e em particular, nas que concederam crédito e/ou organizaram viagens. Diria que é um diploma a “dois tempos”:

O primeiro, em que as Agências de Viagens legislam para si mesmo (nas viagens organizadas). Neste caso, e pela natureza da relação entre os atores, verifica-se o setor a proteger o setor. No entanto, em função do aumento da probabilidade de se registarem falências, esta decisão resulta num potencial maior impacto sobre o Fundo de Garantia, que por natureza é iníquo desde a sua criação.

Um segundo momento, e na minha opinião muito perigoso, o reembolso em “Voucher” para reservas em empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local portugueses, sendo que não está preservada a relação segura (financeira e de confiança) com a totalidade do canal de distribuição.

Que outras questões estão hoje em cima da mesa para o setor das agências de viagens, como poderão ser resolvidos e qual/ais a/s sua/s urgência/s?
Estão várias questões por responder sendo que o foco principal cai sobre a relação de reembolso com as companhias aéreas mas com duas agravantes enormes:

– Há uma posição de acordo entre APAVT e companhia aérea que prejudica as Agências de Viagens, as quais terão agora que se defender/proteger sozinhas na sua relação com o cliente. Ou seja, se um cliente optar por pedir o “voucher” do seu bilhete à Agência de Viagens, esta perde o controlo da reserva e todos os dados implícitos passam a ser geridos diretamente pela companhia aérea.

– Passado já quase um mês e meio do início das práticas abusivas de reembolso de várias companhias aéreas, não há uma solução nem posição oficial das Agências de Viagens sobre este mesmo “bypass”. Um “bypass” que lesa profundamente a relação comercial e financeira da Agência de Viagens com os seus clientes. Ou seja, se um cliente pedir o “voucher” de um voo, a Agência de Viagens perde o controlo da reserva (tal como referido atrás) mesmo que seja ela a fazer o serviço de reemissão! E para utilizar o voucher, o cliente só o pode fazer diretamente naquelas companhias aéreas. Sendo que nestes casos, a Agências de Viagens perdem a possibilidade de vender: o adicional de um hotel a juntar ao voo, um possível upgrade, um transfer, um rent-a-car, um evento, um seguro, os segmentos GDS, o rappel, as comissões, e qualquer taxa de reserva. É possível nalguns casos, que o cliente ainda vá querer que a agência lhe devolva a taxa de emissão ou o diferencial de tarifa que cobrou(!) Ou seja, pese embora a Agência tenha captado o cliente, pode acabar… sem nada.

A responsabilidade das agências e do FGVT tem que ser revista?
Como tive oportunidade de referir atrás, o Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT) nasceu com bastante iniquidade porquanto sendo um fundo de caráter mutualista, as entidades que apresentam maior risco não contribuem na mesma proporção para o respetivo fundo. Ou seja, desde a sua nascença que o princípio de “quem mais vende deve contribuir mais” foi muito desproporcional, em prejuízo das Agências de Viagens mais pequenas. Houve (e continua a existir), na minha opinião, um protecionismo aos maiores “players” do mercado, pois nada foi alterado entretanto. Independentemente das razões que assistiram a tal decisão, o atual FGVT é o que temos ao dia de hoje. Posto isto, o meu desejo profundo é que não tenha que ser acionado nunca. Significa que tudo vai correr bem. Em acontecendo algum (ou alguns) sinistro que coloque em causa a estrutura do FGVT, este deverá ser equacionado na sua composição, tornando-o mais justo e/ou evoluindo inclusive no seu conceito.