A Ambitur esteve à conversa com Bernardo Trindade, presidente da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, que fez um balanço do ano de 2023 para a hotelaria nacional. Naquele que é o último ano deste seu mandato, o dirigente associativo acredita que muitos desafios se impõem, como é o caso do aumento dos encargos financeiros das empresas ou do problema dos recursos humanos. Leia aqui a 1ª parte desta grande entrevista.
O seu mandato, enquanto presidente da AHP, chega ao fim neste ano 2024. Qual o balanço que faz do último triénio?
O meu mandato ainda decorre, com normalidade e entendo que ainda é cedo para fazer qualquer tipo de balanço. De qualquer forma, assinalo uma recuperação do setor da hotelaria durante este tempo, num quadro mais geral de recuperação do setor do turismo, recuperámos a confiança dos nossos clientes mais rapidamente do que antevíamos, mantendo-se ainda um quadro de incerteza, que depois da pandemia e juntando duas guerras, cuja duração não sabemos, impõe prudência e a noção de que guerras não rimam com confiança para viajar. E sendo Portugal um país recetor temos de ter todos muita prudência na análise e nos balanços, ainda é um bocado prematuro.
Apesar dos bons números e de uma recuperação face à pandemia, o que fica por cumprir?
A vida é sempre um processo e, portanto, há coisas que ficam por cumprir. Mas, gostava de reforçar esta ideia de que ainda é cedo para balanços.
Também é cedo para falar de uma possível recandidatura?
Compreendo a curiosidade jornalística, mas compreenda também que, face ao que estamos a viver e continuaremos a viver, neste momento, a nossa preocupação, mais do que os balanços dos mandatos, é sobretudo manter uma atitude vigilante relativamente àquilo que são os desafios para o setor.
Estamos satisfeitos do ponto de vista da recuperação mais rápida, mas também é preciso dizer que fomos confrontados com um conjunto vasto de desafios onde a condição associativa foi importante existir para, em conjunto, podermos, no fundo, arquitetar respostas face aos desafios.
Seja ou não recandidato, qual deverá ser a ambição da próxima presidência da AHP?
Temos de estar sempre disponíveis para acompanhar não só a realidade do setor, mas uma realidade que decorre a vários níveis (político, associativo, empresarial). Temos sempre enormes desafios pela frente. Tivemos a pandemia, temos duas guerras, tivemos hotéis fechados, recuperámos, fomos confrontados com um conjunto de desafios que têm a ver com a criação de valor no setor do turismo. Estamos satisfeitos do ponto de vista da recuperação mais rápida, mas também é preciso dizer que fomos confrontados com um conjunto vasto de desafios onde a condição associativa foi importante existir para, em conjunto, podermos, no fundo, arquitetar respostas face aos desafios.
nós obviamente saudamos e ficamos muito satisfeitos com o ano 2023, naquilo que representou de recuperação, mas, lucidamente, temos de olhar para a estrutura de despesa.
Para a hotelaria, como foi o ano 2023?
2023 foi um ano positivo, um ano em que mês após mês fomos melhorando. Diria que melhorando de forma democrática, no sentido de que esta recuperação se sentiu em todo o país. Há dias ouvia o secretário de Estado do Turismo a referir que houve 10 meses de recordes permanentes. Mas falta referir um aspeto que me parece importante: é que mês após mês não só batemos recordes de receita, como batemos recordes de despesa. E é escolher entre a inflação da remuneração do trabalho, a inflação generalizada dos custos de produção, que implicaram encontrar alternativas, nomeadamente, para questões importantes como o preço do gás, da eletricidade e dos bens alimentares. Para além disto, como necessidade de controlo da inflação, percebeu-se, do ponto de vista da procura, o aumento das taxas de juro para conter a procura e isso traduziu-se num aumento substancial dos encargos financeiros das empresas, em alguns casos mantendo o mesmo nível de dívida, o dobro do encargo financeiro. Ora, isso precisa de ser tudo acomodado na conta de exploração e, portanto, nós obviamente saudamos e ficamos muito satisfeitos com o ano 2023, naquilo que representou de recuperação, mas, lucidamente, temos de olhar para a estrutura de despesa.
A atividade hoteleira é uma atividade de mão-de-obra intensiva e é preciso olhar para os recursos humanos, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos.
Essa estrutura de despesa que poderá aumentar em 2024. Como se perspetiva este ano?
Há um lado de confiança, que é um lado importante a manter, mas de forma prudente face ao contexto que estamos a viver, que não rima com confiança para viajar, duas guerras à escala global e uma incerteza geoestratégica global, e isso obviamente traduz-se em que olhemos com prudência necessária porque temos aqui um conjunto de desafios. A atividade hoteleira é uma atividade de mão-de-obra intensiva e é preciso olhar para os recursos humanos, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos. Por exemplo, saber se nós já não nos bastamos a nós próprios, portugueses, para cumprir funções na hotelaria, temos de importar mão de obra. E a importação de mão-de-obra como é que se faz? Estamos a facilitar o acesso das pessoas, é ótimo, mas há outras dimensões, seja a questão da habitação, do transporte, do desenvolvimento das competências pessoais, que temos de olhar e convocar as diversas instituições a trabalharem esse objetivo comum. Hoje está consolidada a importância do setor do turismo e da hotelaria no quadro da recuperação portuguesa, contudo, temos desafios.
Temos a consciência de que para retirar o melhor potencial de cada um dos ativos que optou por fazer carreira no setor do turismo, temos de os qualificar.
Sendo um dos desafios a escassez de mão-de-obra e havendo necessidade de a ir buscar lá fora, também é preciso qualificá-la. Em que passo se está aqui?
Nós estamos a caminhar com a noção de que muito há a fazer. No pós-pandemia, percebemos junto da Segurança Social qual o número de ativos que tínhamos perdido com a pandemia – cerca de 50 mil. Recuperámos esses montantes, ainda assim insuficientes porque, entretanto, abriram mais unidades hoteleiras, houve mais projetos de animação turística, mais restauração, que exigiram mais pessoal. Temos a consciência de que para retirar o melhor potencial de cada um dos ativos que optou por fazer carreira no setor do turismo, temos de os qualificar. Mas há questões mais estruturais como a da habitação e do transporte, promovendo uma integração plena dos que optam por trabalhar em Portugal.
E o trabalho sazonal, muito sentido ainda, por exemplo, no Algarve, afasta o interesse das pessoas em trabalhar no setor?
Esse é sempre um desafio do Algarve, que ainda tem uma sazonalidade pronunciada, que se inicia em novembro e que termina normalmente no início da Páscoa. E isso traz desafios porque se interrompe o normal funcionamento de uma atividade e isso leva a conjunto de pessoas a migrar para outros setores de atividade, traduzindo-se em fragilidade em termos de manutenção dos quadros do setor do turismo da região. Temos de ser profundamente criativos na identificação e no lançamento de iniciativas que permitam, no fundo, fixar estas pessoas. E nesse aspeto, julgo que a questão da habitação, a questão de uma rede de transportes que permitam a mobilidade, servirão de incentivo a fixarem-se.
Por Diana Fonseca, publicado na edição 346 da Ambitur
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