Nesta 2ª parte de uma grande entrevista a Bernardo Trindade, presidente da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, e depois de ouvirmos o responsável fazer um balanço do ano de 2023, ficamos a saber que Portugal é atualmente o quarto país com mais hotéis prestes a sair do papel. Novo aeroporto de Lisboa, eleições antecipadas, privatização da TAP e perspetivas para a hotelaria em 2024, são as outras temáticas a não perder.
Já há uma estimativa para o número de hotéis que abrirão em Portugal, em 2024?
Segundo um relatório de uma consultora, dizia-se no início do segundo semestre de 2023 que iam abrir 130 hotéis nos próximos 12 meses. Esta questão carece de ser validada porque nós não sabemos de que empreendimentos estamos a falar, se são hotéis, se são alojamento local. Mas, seguindo a coerência, Portugal é o quarto país com mais hotéis em vias de sair do papel e isto é positivo. Isto confere confiança e estabilidade, significa que os investidores reconhecem no nosso país e na nossa atividade um potencial de evolução.
Portugal é o quarto país com mais hotéis em vias de sair do papel e isto é positivo. Isto confere confiança e estabilidade
E mais hotéis, essencialmente em zonas como Lisboa e Porto, não trazem uma insustentabilidade entre turista e residente?
É um balanço para o qual a família do turismo tem de preparar e tem estado a intervir. Por exemplo, a AHP participa no fundo de desenvolvimento turístico de Lisboa, no que diz respeito às grandes decisões sobre a aplicação da taxa turística. E uma das coisas que hoje já acontece é que, em média, 10% dos orçamentos das juntas de freguesia já são financiados pela taxa turística. A pergunta que faço é: quem é que sabe isto? Ninguém. E esse trabalho tem de ser falado, ou seja, os residentes têm de saber que hoje o financiamento público das suas juntas de freguesias já provém da taxa turística e esse financiamento permite, nomeadamente, a limpeza do espaço público, o tratamento dos lixos, a questão da afetação de ativos para tratar a pegada do setor do turismo, porque há freguesias, como Lisboa, mais impactadas por esse efeito. Falta comunicar a importância da taxa turística para o normal funcionamento das freguesias e entendo que esse aspeto pode, de facto, mitigar este debate dos turistas a mais. O turismo, para além de todas as coisas boas que tem, também tem externalidades negativas e essas devem ter uma mensuração financeira.
Uma dessas externalidades negativas será a questão da habitação? Porque algumas pessoas pensam que mais hotéis é igual a menos casas.
Um bloco de apartamentos não deixa o seu efeito para ser hotel. Isto não é imediato. Há uma alteração de uso e essa alteração de uso exige licenciamento e parecer do Turismo de Portugal, não é uma coisa que se faça logo. É importante as câmaras, o Turismo de Portugal e as associações envolverem-se neste debate para fazer uma evolução equilibrada.
Se há coisa que o setor do turismo se pode orgulhar é que independentemente de quem teve responsabilidades de governação, houve uma coerência de atuação, nunca houve uma atitude de descontinuidade.
Tendo em conta o cenário político português atual, qual a influência de umas eleições legislativas antecipadas para o setor da hotelaria?
Se há coisa que o setor do turismo se pode orgulhar é que independentemente de quem teve responsabilidades de governação, houve uma coerência de atuação, nunca houve uma atitude de descontinuidade. Todo o trabalho que se fez em prol da afirmação desta atividade se fez com o envolvimento de parceiros públicos e os agentes do setor. E isso é muito positivo. Logo, a nossa expectativa é dar continuidade àquilo que foi feito até agora, ou seja, todas as iniciativas tomadas por quem for governo tenha a preocupação de proceder ao processo de auscultação anterior, de forma que o setor se possa sentir representado em torno daquilo que são as opções para o país.
Uma das coisas que eu, pessoalmente, lamento é que neste relatório apresentado pela Comissão Técnica Independente a questão do curto prazo não tenha sido tratada com a mesma dignidade do anúncio formal da instalação possível do novo aeroporto.
Há dois anos, numa entrevista ao Dinheiro Vivo, disse que esperava que um governo de maioria absoluta tomasse a decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa. Mas parece que esta decisão poderá ser empurrada para o próximo governo, este que pode não ser de maioria absoluta. Que cenários se podem antever?
Uma vez mais, a família do turismo está de acordo: queremos um aeroporto de forma rápida e económica, porque estão em causa dinheiros públicos, que possa responder às solicitações crescentes da procura. Nós temos companhias aéreas que querem voar para Portugal e para Lisboa, em médio e longo curso, da Europa, da América e da Ásia, e tem de se encontrar respostas. Uma das coisas que eu, pessoalmente, lamento é que neste relatório apresentado pela Comissão Técnica Independente a questão do curto prazo não tenha sido tratada com a mesma dignidade do anúncio formal da instalação possível do novo aeroporto. Portugal não se pode dar a este luxo. Temos de encontrar respostas a uma procura que reconhece em Portugal um país com condições únicas para ser visitado. Está em causa o nosso futuro coletivo, o nosso sustento, e, olhando já para o novo quadro político que se vai colocar, esta matéria tem de ter cabimento.
O que a AHP pensa da decisão da localização Alcochete/Benavente?
Aquilo que a AHP foi dizendo, e o setor do turismo em uníssono, liderado pela Confederação do Turismo, foi que a opção que nos parecia mais rápida e mais económica seria a solução Montijo. Foi apresentado o estudo da CTI que aponta no sentido Alcochete. Nesta fase, para nós, tratando-se de um investimento que demorará sempre mais do que 10 anos, é que até lá encontremos alternativas para responder à procura.
Se realmente o aeroporto se mudar para a margem sul, será um ponto a favor para os hotéis da região? Ou será incentivo para mais unidades na região?
Diria que sim, mas tendo a noção do que o novo aeroporto de Lisboa não serve só Lisboa, serve todo o país. Por isso, a infraestrutura tem também de ser pensada nesse sentido.
Sabemos que a TAP para ganhar escala, conhecimento e estabelecer parcerias, tem de estar disponível para abrir o seu capital.
Sobre a privatização da TAP, que pode estar iminente, o que espera a AHP? Qual a influência para o setor?
Diria que a TAP encontrou finalmente estabilidade, depois dos anos da pandemia, do escrutínio público, e está a entregar resultados ao país. A hotelaria e o turismo beneficiam muito da TAP e das suas operações. Por exemplo, nas regiões urbanas do Porto e de Lisboa, o mercado americano cresceu cerca de 30% em 2023 e a TAP contribuiu para esse efeito. Sabemos que a TAP para ganhar escala, conhecimento e estabelecer parcerias, tem de estar disponível para abrir o seu capital. Entendemos também que essa abertura de capital se deve fazer num quadro de estabilidade que permita à companhia não voltar aos anos muito difíceis da pandemia e do escrutínio público.
Essa estabilidade que se pode alcançar com uma parte do capital a continuar a ser do Estado?
Isso porque há, objetivamente, um interesse estratégico para o país que resulta da manutenção do hub em Lisboa ou da relação com as regiões autónomas. Tudo isso tem de ficar muito claro no caderno de encargos.
Já que o país é tão procurado e suscita tanto interesse, temos de ser competitivos do ponto de vista da relação com as companhias de transporte porque em Portugal mais de 90% dos turistas chega por via aérea.
A Ryanair mostrou-se contra a subida das taxas aeroportuárias da ANA e cortou algumas operações no país. Qual a influência disto?
A Ryanair está a fazer valer o seu poder negocial junto das regiões, essencialmente das autónomas dos Açores e da Madeira. Essa pressão teve algum sucesso nos Açores, mas não sabemos como terminará a questão da Madeira. Agora, com muito respeito pela Ryanair, o país tem de caminhar para encontrar sempre mais alternativas de transporte e reduzir as dependências. Já que o país é tão procurado e suscita tanto interesse, temos de ser competitivos do ponto de vista da relação com as companhias de transporte porque em Portugal mais de 90% dos turistas chega por via aérea.
Num cenário ideal, depois de resolvidos todos os assuntos que falamos até agora (privatização, novo aeroporto, novo governo), quais os próximos passos?
Nessa altura, toda a família do turismo estaria satisfeita, com a noção de dever cumprido, tendo a noção de que outros desafios se pudessem colocar a partir daí.
Por Diana Fonseca
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