Alcochete – Terras do Sal

Alcochete não estará entre os primeiros destinos que vêm à cabeça quando pensamos onde fazer a próxima escapadinha. O Praia do Sal Resort quer mudar isso e colocar a vila ribeirinha no roteiro. Opções gastronómicas variadas, passeios no rio e caminhadas na natureza não faltam. A apenas 30 minutos de Lisboa.

O Pontão é talvez o principal cartão postal de Alcochete. Quem visita a vila ribeirinha não deixa de percorrer os seus 250 metros, chegar ao farol, e dali apreciar a vista de Lisboa. É também o sítio preferido para observar o por do sol. Antes da Ponte Vasco da Gama e até 1977 – altura em que Alcochete deixou de ter ligação direta a Lisboa pelo rio, que passou a fazer-se através do Montijo – era por ali que saíam pessoas e mercadorias.

Acostado ao pontão espera-nos o Bote Leão. Esperamos que saia um grupo de crianças pequenas de uma escola de Lisboa para subir a bordo. Outubro segue quente e até ao fim do mês ainda é possível apanhar boleia no bote de fragata. Consoante a maré, o passeio faz-se para o lado do Estuário do Tejo, onde é possível ver os flamingos e cavalos à solta, ou para o lado da Ponte Vasco da Gama. Fomos ver a ponte de um novo ângulo.

O barco, que é na verdade uma réplica, foi construído de raiz no estaleiro naval do Mestre Jaime Costa, em Sarilhos Pequenos, na Moita, de acordo com as técnicas usadas na construção das antigas embarcações do Tejo. Hoje é a menina dos olhos da autarquia e já foi usado para diversos eventos, sunsets, provas de vinho, caldeiradas a bordo. Mas qualquer um pode navegar no Bote Leão, basta consultar as condições e horários no site da Câmara Municipal de Alcochete (CMA).

O primeiro registo que há do original é de 1781. “Era conhecido no rio por ser muito veloz e muitas vezes rebocar outras embarcações mais lentas”. A história é contada pelo Mestre Marco Semião, que entre abril e outubro conduz o barco. O Bote Leão levava muitos trabalhadores da central elétrica de Lisboa, sobretudo carregadores de carvão, que viviam em Alcochete e diariamente atravessavam o rio até ao Terreiro do Paço.

Fazia transporte de mercadorias, como o sal, que está ligado à história da vila desde que há memória. “Alcochete era local de seca de bacalhau. Os bacalhoeiros da Terra Nova descarregavam aqui o peixe e carregavam com sal de volta para a Terra Nova”. Há registos de que também terá carregado a neve trazida da Serra da Estrela para fazer os gelados da realeza na capital.

Depois de dois séculos a navegar no Tejo, em 1960 o proprietário entregou o barco ao Museu de Marinha e ali ficou até apodrecer totalmente. Os planos do barco foram desenhados e guardados na gaveta até que em 2016 a CMA decidiu avançar com a construção da réplica.

Destino semelhante tiveram outras relíquias do rio, que lentamente definharam nas margens e que as autarquias têm resgatado do esquecimento: o Varino, em Vila Franca de Xira, o Boa Viagem, na Moita, outro Varino, no Seixal, o Canoa, no Montijo, o Muleta do Tejo, no Barreiro.

“O Bote Leão é um museu vivo. Tentamos ao máximo preservá-lo. Regamo-lo com água salgada, que é o melhor que se pode fazer para conservar as madeiras”. Apesar do cuidados diários, no fim da época, o Bote encosta à doca para manutenção e para em abril estar na sua melhor forma para novos passeios.

Navegamos de volta ao pontão e podemos ver o resort Praia do Sal, implantado junto à margem. Entre o Tejo e uma extensa zona rural, o empreendimento do grupo StayUpon, com 80 apartamentos, usufrui de uma localização privilegiada de frente para a Praia dos Moinhos. Está a cerca de 1,5 km do pontão e a andar não levaríamos mais de 15 minutos mas temos à espera um carro elétrico da Exow – Experience Over Wheels, os parceiros do resort para deslocações sustentáveis.

Com 80 apartamentos nas tipologias de estúdio (com kitchenete) ou com um, dois ou três quartos (com cozinha), o resort oferece diversas soluções de alojamento. A decoração é moderna, com um pé na praia e outro na cidade, que é a génese do grupo, que começou com empreendimentos imobiliários em Lisboa, como explica Heinrich Tontur, responsável vendas e desenvolvimento de negócio do grupo.

A piscina infinita a perder-se no rio é um desafio para os que tentam resistir ao Instagram. Ao pôr do sol é um desafio perdido. No Spa os hóspedes vão encontrar tratamentos de assinatura como a exfoliação Grão de Sal, o relaxamento da Massagem dos Moinhos, ou Delicadeza do Arrozal aplicada ao rosto. A piscina coberta aquecida, jacuzzi, sauna, banho turco e duche de contraste completam a oferta de combate ao stress.

A ideia de sustentabilidade, que atravessa todo o empreendimento, é bem visível no ginásio, equipado com aparelhos da marca alemã NOHrD, que não usam eletricidade e foram fabricados de forma artesanal com madeira de florestas geridas de forma sustentável na Alemanha e nos Estados Unidos.

Há bicicletas estacionadas na frente do hotel à disposição dos hóspedes. A uma curta pedalada estão as Salinas do Samouco e é para lá que vamos. Vemo-las quando atravessamos a ponte mas dali é difícil perceber o que se passa lá em baixo. As Salinas do Samouco ocupam 360 hectares e são uma Zona de Proteção Especial no Estuário do Tejo, que é a maior zona húmida de Portugal.

Do quadro de compromissos assumidos pelo estado português perante a União Europeia aquando da construção da Ponte Vasco da Gama, resultou a necessidade de salvaguardar o Complexo das Salinas do Samouco e criar condições para a sua recuperação e manutenção. Em 2000 criou-se a Fundação para a Proteção de Gestão Ambiental das Salinas do Samouco que é responsável pela gestão do espaço.

Mais do que produzirem sal, as salinas albergam hoje um projeto ambiental de proteção e conservação. A sua localização na margem sul do estuário do Tejo confere-lhe grande importância como local de paragem de muitas aves migratórias, que ali nidificam. Quem faz as honras da casa é André Batista, ornitólogo de formação e educador ambiental por vocação. Quase todos os dias recebe alunos em visitas escolares, biólogos em estudo, observadores de aves. A todos dedica a mesma atenção.

Na década de 30/40 do século XX Alcochete foi o maior produtor de sal nacional. Aqui chegaram a existir 56 salinas a funcionar. Hoje apenas uma das marinhas (como se designa) está ativa, a Marinha do Canto. Dali saem 100 toneladas de sal e uma tonelada de flor de sal. “O objetivo não é comercial, é a preservação”, explica André Batista, adiantando que se trata de um produto de elevadíssima qualidade: pouca quantidade numa zona protegida e de forma artesanal.

Isto faz com que a paisagem seja diferente das salinas normais. “A morfologia do terreno é alterada de forma a garantir a preservação das aves, através da gestão dos níveis de água. Diferentes níveis de água significa habitat para diferentes espécies”. São em geral aves de pequeno porte que percorrem distâncias muito longas: o maçarico-de-bico-direito chega da Islândia, a Tarambola-cinzenta vem da Sibéria para passar o inverno em Portugal ou a andorinha-do-mar-anã que vem da Mauritânia em abril para ali nidificar.

Se aceitar o desafio de preencher o “bird check list” que é entregue aos visitantes, saiba que a melhor altura para observar as aves é na maré alta, duas horas antes e duas horas depois. Ao longo de todo o complexo há também percursos assinalados de 2 km, 4,7 km e 6 km, que se podem fazer a pé ou de bicicleta. E valem uma visita.

Se Alcochete não está (ainda) no topo das opções para quem procura um destino de fim-de-semana ou de férias, isso já não acontece quando se pensa “onde vamos almoçar’”. A oferta gastronómica é muita e variada na vila, sobretudo de peixe fresco. À frente da cozinha do Barrete Verde há 22 anos, a D. Mariana tem muitos clientes fiéis que lá vão com frequência à procura do seu bacalhau com natas. Mas a ementa, tradicional, tem muitas outras opções capazes de criar fiéis. Provamos a açorda de bacalhau e camarão, os ossos carregados e o bolo de bolacha para a sobremesa.

No Al’Sal, o Chefe José Pedro Lopes, com vasta experiência na hotelaria, oferece um menu mais sofisticado dando a pratos tradicionais alguns toques de inovação. Provamos a tapa de escabeche de codorniz, a salada de polvo, o robalo ao sal e a mousse de chocolate “à pazada”.

Para oferecer algo diferente do que já existia na vila, no Praia do Sal nasceu um restaurante que homenageia a cozinha italiana, as suas pizzas, risotos, massas, e onde o destaque vai para a qualidade dos produtos, explica Miguel Fernandes, o diretor do resort. Nas entradas encontramos uma burrata artesanal com tomate cereja, tomate seco, pesto de pinhão e manjericão e salicórnia de Alcochete. Carpaccio de bacalhau, risotto de farinheira são outras piscadelas de olho do chefe Fábio Paixão da Silva aos produtos nacionais mas toda a carta é de dar água na boca.

Incontornável em Alcochete é também a forte presença da tradição tauromáquica. Basta um passeio pelo centro para perceber o impacto que os touros têm na vivência da vila e dos alcochetanos. Essa presença atinge o seu expoente máximo, diz Sílvia Rovisco, do departamento de turismo da CMA, durante as Festas do Barrete Verde, no segundo fim-de-semana de agosto. Os dois grupos de forcados, os Amadores de Alcochete e os Amadores do Aposento do Barrete Verde são motivo de orgulho para os habitantes e as festas de agosto atraem milhares de pessoas e transformam a pequena vila durante vários dias.

Outro ponto alto de festividades é o tradicional Círio dos Marítimos de Alcochete, este com uma intrínseca ligação ao rio e às atividades marítimas. E à fogaça. A fogaça é um bolo seco com sabor a canela e limão (passe pela centenária Padaria Piqueira onde são feitas em forno de lenha e compre para levar) que diz a lenda foi criado como oferta dos marítimos à Virgem Maria que apareceu no monte da Atalaia numa ocasião em que foram surpreendidos por uma tempestade e invocaram a proteção divina. Desde há 600 anos que na Páscoa uma enorme romaria se faz ao Santuário de Nossa Senhora da Atalaia (a cerca de 8 km de Alcochete) para levar fogaças e presentes à Virgem.

“Estamos quase sempre em festa”, diz Sílvia Rovisco. A juntar às festividades tradicionais, a autarquia tem um calendário de eventos que procura estimular as atividades econômicas da vila e atrair mais gente para conhecer o charme alcochetano. Pense também nisso na próxima vez que atravessar a ponte.