O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

Há cinco anos, Antonio Carreterio, Luis Peixe e Margarida Adónis, três portugueses apaixonados pelo Alentejo, pegaram no negócio tradicional de uma fábrica de lanifícios já muito antiga, localizada em Reguengos de Monsaraz. Tudo começou na década de 30 do século XX, quando António Durão ali montou uma oficina para desenvolver esta arte, empregando mestres e aprendizes. Nos anos 50, foi a vez de José Rosa concentrar nessa oficina as pequenas indústrias de mantas do concelho, dando-lhe o nome de Fábrica Alentejana de Lanifícios, criando a imagem de marca das Mantas de Reguengos. E em 1977, a holandesa Mizette Nielsen (mãe de Tiago Kalisvaart, hoje responsável pelo Restaurante Sem-Fim, em Monsaraz) assumiu o negócio, materializando o conceito das mantas intemporais. Chegou às mãos dos três amigos em 2020, todos eles de áreas distintas, e apenas um alentejano. Mas, na verdade, Margarida vivia na região na altura, num monte perto da fábrica, e foi ela que desafiou os outros dois sócios. Luís vivia em Madrid na altura e, com a pandemia, pensou que faria sentido mudar de vida e, juntamente com a família, mudou-se para o Alentejo, assumindo ser hoje alentejano de coração.
É Luís Peixe que espera por nós para nos guiar numa visita detalhada a esta fábrica secular que dá pelo nome de Fabricaal e que ganhou uma nova visão com os novos acionistas.
Começando pelo princípio, o empresário leva-nos numa viagem no tempo, mais concretamente ao século XVI, pois nesta zona sempre houve muitas ovelhas e, naturalmente, muita lã, sendo por esta altura que artesãos começaram a fazer o fio e a tecer o fio, produzindo mantas. Ora estas mantas eram, originalmente, usadas pelos pastores quando iam para o campo, para se aquecerem ou para cobrir o chão, bem como para se protegerem do sol durante o verão. Ou seja, a manta era um utensílio que andava sempre ao ombro dos pastores alentejanos.
Nesses tempos, as mantas não eram tingidas, tinham as suas cores naturais de cru e castanho. Só no século XVIII é que os artesãos começaram a tingir a lã e aí sim produziram-se peças com as cores vibrantes que ainda hoje vemos, cores da terra, recorrendo às flores da região para obter o pigmento. E então sim as mantas tornaram-se muito mais populares, ganhando toda uma nova procura.
Começaram assim a ser utilizadas para decorar casas, como tapetes, nas camas, nas paredes, e sempre juntando “o útil ao agradável” pois a lã tem a função de isolar a temperatura para manter as casas aquecidas, aponta Luís.
A anterior proprietária apostou na produção de mantas e tapetes. Mas os três sócios atuais quiseram ir mais longe, dando uma nova vida a esta matéria-prima e lançando novos produtos. Hoje é possível comprar ou encomendar almofadas, coxins, cabeceiras-de-mesa, pufes, abajures, malas, carteiras… sempre com os padrões tradicionais mas com cores mais contemporâneas.
Se fizer uma visita à Fabricaal, verá que existem alguns produtos em stock, assim como numa loja que também existe em Monsaraz, mas o trabalho é feito hoje essencialmente por encomenda. Até porque, explica Luís Peixe, o cliente pode personalizar a peça que quer, a nível da dimensão, da combinação de cores e de padrões. “Tudo o que sai daqui acaba por ser único”, garante.
E, apesar desta nova dinâmica, tudo continua a ser feito à mão, em teares manuais. O que significa que, aqui, a tradição ainda é o que era. Na Fabricaal existem teares de tamanhos distintos, uns com 90 cm de largura, outros com 1,20m, 1,60m ou 1,80m, podendo chegar aos 2,5m de largura, para os tapetes de maior dimensão. E alguns teares remontam ao início desta fábrica, em 1918, sendo outros já mais recentes, metálicos.
Luís Peixe conduz-nos pela arte de trabalhar num tear, apontando-nos as linhas longitudinais, a teia, a trama, a bobina com a lã, os pedais que definem o formato do desenho… um processo manual mas já automatizado para as pessoas que ali trabalham todos os dias. O empresário admite haver interesse em trabalhar esta arte e isso verifica-se sempre que a Fabricaal recruta alguém, mas a verdade é que o conhecimento já não existe e quem ali começa tem de aprender tudo com quem já sabe. Antes de começar a tecer, há que preparar a bobina, a teia, um processo que pode parecer simples á partida mas que não tem nada de simples, refere o gestor, pois está ligado à organização dos fios. Há que depois passar pelos liços, que definem a forma como os desenhos são definidos. Os fios são atados um a um, por ordem, e aí sim começa-se a tecer e a fazer o desenho, terminando na sala de finalização. A lã é enrolada num pauzinho, a base da bobina, que não pode ser muito larga, e o fio tem que estar bem distribuído. No final, colocam-se a franjas os tapetes, fazendo-se os nós, e a peça está pronta para ir para o seu novo lar.
Perguntamos se há algum segredo por trás da produção destas mantas. Mas Luís desmistifica dizendo que “o segredo é conhecer a arte e os padrões, porque são os padrões aquilo que nos diferencia”. Ou seja, são padrões únicos, com recurso a um fio muito específico e é “isso que faz a diferença”. Claro que há um padrão mais tradicional, a espiga, bem como a manta alentejana clássica com o losango esticado. um tapete standard, com 1,20m por 1,80m pode demorar entre dois a dois dias e meio a ficar pronto, mas se for uma peça maior pode levar até sete dias.
Queremos ainda saber se já houve alguma encomenda especial, ou diferente do habitual, na Fabricaal. Luís Peixe recorda uns ponchos encomendados por uma cliente, para um novo hotel na zona da Comporta, um artigo que ainda nunca tinham produzido. Outro projeto que não esquecem, pela sua dimensão e duração no tempo, foi um hotel em Veneza, há cerca de dois anos, para o qual fizeram todos os tapetes, com as cores tradicionais. Mas trabalho o empresário garante não faltar, mesmo não sendo estas as peças mais baratas do mundo. E com a Fabricaal faz chegar a mantas alentejanas a todo o mundo, dando-lhes uma dimensão verdadeiramente internacional.
Para quem quer visitar a Fabricaal, as visitas fazem-se aos dias úteis, das nove da manhã às 13H00, e das 15h00 às 17H30.