O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região do baixo, norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

Entre o triângulo Castelo de Vide, Marvão e Portalegre encontra-se a Quinta do Barrieiro, um espaço que se quer posicionar como uma galeria de arte, onde o visitante pode ficar hospedado. Em plena Serra de São Mamede, a 700 metros de altitude, este é um espaço que resulta de ligações e paixões, entre a arquitetura, a arte, o homem e a natureza.
Primeiro veio o José Manuel Coelho, como professor e arquiteto, pouco depois juntou-se-lhe Marial Leal da Costa, escultora, hoje quem comanda as rédeas deste projeto único é o filho João Leal da Costa. Entre a natureza única e bem escondida da Serra de São Mamede, a arquitetura do edificado enquadrada pelo seu entorno, jorram esculturas provocadoras, incomodativas, mas principalmente convidativas a um toque, a uma contemplação ou a uma partilha, de um mesmo espaço. Esta é a Quinta do Barrieiro, um lugar místico para quem tenha tempo para o apreciar e para o descobrir. Um lugar que viu nascer um filho que hoje tenta de forma mais objetiva levar em frente um sonho que outrora os seus pais tiveram, mas que hoje é bem real.
O filho, João Leal da Costa, dá a palavra à mãe, pois a conversa data de há 35 anos: “O Zé Manel veio para cá como professor e depois ficou cá como professor e arquiteto e depois apareci eu. Fui o seu segundo projeto (risos). Ele já tinha comprado a quinta e por isso pensámos, o que é que vamos fazer com isto tudo? Tudo (o edificado) era existente e foi só recuperações, tudo feito por ele, como arquiteto. E depois, pensámos, temos de fazer uma coisa completamente diferente, portanto temos de pôr isto virado para as artes, porque no fundo era uma coisa completamente nova aqui na zona, não havia artistas, agora já há, felizmente”. A Quinta do Barrieiro surge então ao público como uma mescla de projeto de arquitetura com arte ou vice-versa.
Esta é uma quinta que oferece alguns alojamentos, em quartos onde o espaço ganha dimensões, onde, ao entrar num quarto não nos apercebemos logo onde fica a cama, a casa de banho ou a cozinha; onde o conforto se verga perante uma casa de campo; onde obras de arte nos fazem a companhia e nos podem questionar, mas sem uma intrusão excessiva. Vamos conhecer o quarto, da mesma forma que a sua arte, da mesma forma que esta região entra em nós. Como uma vinha velha, retorcida, que lançou raízes profundas, não nos deixando esquecer da resiliência desta terra, da resiliência perante a vida.
Numa sala ampla, com uma vista sobre a Serra de São Mamede, os hóspedes são recebidos e não há hipóteses para enganos. Uma maquete bem ampla de Marvão quer preencher grande parte do espaço. O seu original encontra-se depois dos arcos perfeitos que abrem caminho para o interior do Castelo de Marvão. Um cavalo de Alter chama a atenção de uma das estantes, estando ali retratada a sua elegância, inteligência e docilidade, com um pescoço curvo, musculoso e postura única. Outra maquete que retrata o original de uma obra sua que marca Alter do Chão e que teve como modelo o equídeo “Oheide”. Um navio também parece querer navegar pela sala, assim como outros objetos voar.
Maria Leal da Costa faz crescer a sua obra a partir da pedra da região, juntando-lhe o ferro e o bronze para, diz, fazer ou atingir outras dimensões. As suas criações são feitas manualmente, com as suas mãos e com a sua cabeça. Nada de tecnologias, insiste, e é por aí que deseja continuar. Fala orgulhosa deste trabalho manual, sentindo uma valorização desta arte, revelando que um dia destes nem as impressões digitais lhe saíram dos dedos. São provavelmente hoje as impressões digitais de grande parte da Quinta do Barrieiro. Ri-se novamente, “tive que voltar outro dia lá, outra vez… mas é preciso pôr a mão na massa, sentir a realização pura e dura do próprio material.”
Os temas das suas obras são variados, dependendo das exposições que tem, por exemplo segue-se uma no próximo 4 de Julho em Óbidos, nos seus Concertos, trazendo uma ligação da sua produção à música. Gosta de entrar em projetos e depois executar para esse espaço, obras, com o tema do que vai acontecer, sendo mais figurativa (quase ao realista) ou menos figurativa (chegando mesmo ao desfigurativo). O seu trajeto marcou também a Comunidade Europeia tendo feito várias exposições além portas, uma delas sob o desígnio: enlaces e os mundos. Indica a escultora que remete-nos esta dimensão para uma ligação. “Ninguém vive sozinho e todos nós precisamos uns dos outros”. Logo esta produção foi muito menos figurativa, pois, no fundo, pretende-se perceber esse espírito, sendo assim utilizou na sua arte e introspeção o elemento alianças.
Só quando regressou ao Alentejo, depois da sua formação e depois de uma década de trabalho, é que conseguiu ter o espaço que necessitava para dar dimensão à sua obra. “E isso foi muito, muito, muito importante para mim. Temos espaço, muda-nos a mente. Talvez percebi que aqui tinha essa liberdade toda de expressão entre a dimensão e toda a parte técnica”. Grande parte das esculturas que estão na Quinta do Barrieiro já estiveram expostas em Macau, Bruxelas, São Francisco, entre outros.
Quinta do Barrieiro
O projeto de alojamento da Quinta do Barrieiro surgiu há cerca de 20 anos. João Leal da Costa sintetiza, indicando que o projeto nasce da compra da propriedade pelo pai “em conjunto com a minha mãe, da liberdade que o próprio espaço lhes deu aos dois, lhes conferiu aos dois, para criarem. E, no fundo, ambos têm duas paixões distintas, que se culminam nisto que aqui está”.
Os visitantes e hóspedes procuram aqui em primeiro lugar o convívio com a Serra de São Mamede, com a própria natureza, depois será muito pela arquitetura e pela arte. “Eu acho que este trunfo, no fundo, acaba por ser um bocadinho diferente, não é? Apesar da Serra de São Mamede ser toda muito bonita, com todos os cantinhos que ela tem, há sempre mais a descobrir aqui, mais um cantinho”, indica Maria Leal da Costa, acrescentando “que no fundo, com a parte da arquitetura e dos quartos, que também todos eles são diferentes e com as esculturas que também são todas diferentes, acaba por haver aqui sim uma procura constante sempre de coisas diferentes”.
João Leal da Costa encabeça o projeto desde 2020, assumindo que “vim mais tarde para me agarrar com unhas e dentes ao projeto, mas venho, no fundo, atualizar um bocadinho, dar-lhe renovação e direcionar para aquilo que realmente importa e para aquilo que nós realmente queremos transmitir às pessoas”. Sendo assim, a redefinição do projeto passa por “dar às pessoas a tranquilidade do espaço, a paz que estas podem sentir aqui, dar-lhes a possibilidade de explorarem todas estas magníficas paisagens da Serra de São Mamede, do Parque Natural, em conjugação com a inspiração que nós queremos que as pessoas procurem. Nós queremos que as pessoas vejam, na arte e através da arte, uma forma de elas próprias se inspirarem para as suas vidas”.
Os responsáveis abrem este espaço ao público com o objetivo que a quinta seja uma galeria de arte visitável tanto para quem lá se hospede como para quem está de passagem. Para João Leal da Costa haverá sempre ainda outro trunfo, “isto é um projeto, acima de tudo, diria sempre em mutação, diria que dificilmente inacabado ou será sempre inacabado. Por um lado porque a minha mãe está sempre a criar novas obras”.
Nesse sentido, o direcionamento da Quinta do Barrieiro hoje é tornar este espaço mais galeria de arte do que propriamente alojamento com arte. “Queremos que seja mais galeria de arte onde se pode dormir do que propriamente um espaço onde se pode dormir onde as pessoas veem uma obra de arte. E, portanto, nós queremos mesmo ser um espaço onde as pessoas que são apaixonadas pela arte e também pela arquitetura queiram vir com muita vontade. É uma galeria de arte onde se pode dormir”, insiste João Leal da Costa.
A quinta abrange cinco hectares e como galeria de arte todo o espaço exterior funciona à semelhança de um parque de esculturas. “As esculturas estão expostas no exterior e as pessoas a partir do momento, seja no interior dos alojamentos, como a partir do momento em que saem do quarto a fora, têm a oportunidade de explorar todas estas peças que se encontram expostas no exterior. Cada uma delas com o seu tema, cada uma delas muito diferente e com perspetivas de vistas para a paisagem muito diferentes”, acrescenta o responsável. Mas há mais do que isso. A Quinta tem um lago e dois percursos temáticos no âmbito artístico que as pessoas podem percorrer. Um deles é um percurso de land art, onde as esculturas estão expostas na paisagem e tem precisamente o objetivo de dar uma perspetiva entre a escultura e a paisagem. O um segundo caminho resulta do tema esculturas habitáveis, “que a minha mãe desenvolveu há relativamente pouco tempo, que tem como objetivo esculturas que são, tal como o nome indica, que são habitáveis, onde as pessoas podem ter uma presença e uma entrada para dentro da própria escultura e habitá-la. Temos, por exemplo, uma gaiola onde é possível abrir a porta e entrar lá para dentro e sentir o quê? O que é que uma obra de arte pode dar de uma forma ainda mais imersiva”. Complementa Maria Leal da Costa “é trabalhar do interior para o exterior. No fundo é percebermos que há sempre o outro lado de visão, não é só o lado exterior. Acho que precisamos muito trabalhar isto mesmo, através do nosso interior e percebermos onde é que estão as nossas amarras para nos libertarmos e conseguirmos ter um outro olhar”.
Ao nível da infraestrutura a Quinta do Barrieiro está a fazer algumas obras de renovação dos próprios alojamentos. “Estamos a adaptar-nos um bocadinho mais em termos de espaço interior, em termos de conforto, em termos de decoração dos espaços interiores e a dar-lhe, no fundo, retoques também exteriores que são necessários agora para esta nova fase e para irmos ao encontro disto que eu estava a dizer antes que é galeria de arte onde se pode dormir e onde as pessoas que chegam possam, de facto, dizer nós não estamos num turismo, nós não estamos numa quinta de alojamento nós estamos, efetivamente, numa galeria de arte”, de acordo com João Leal da Costa.
Neste momento a Quinta do Barrieiro tem todos os alojamentos operacionais, são oito, sendo que irão avançar muito bem breve para dois novos espaços multiusos que serão locais de exposição e reuniões, tendo em vista trazer para aqui grupos de todo o espectro. “E também muito com o intuito de podermos colocar a arte ainda mais no centro. Podemos passar a fazer workshops, coisa que hoje já fazemos, mas com menos condições. Precisamos de melhores condições para podermos receber estes grupos, para podermos desenvolver mais estes diversos workshops que temos em mente, nomeadamente workshops de escultura, workshops de pintura, workshops de leitura criativa, de escrita criativa, de fotografia. Ainda este ano, talvez mais próximo do final do ano”, conclui João Leal da Costa.