O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

Hoje propomo-nos descobrir o outro lado do Alqueva, na companhia de Nelson Bartolo, coordenador da Estação Náutica de Moura, e de Humberto Nixon, responsável pela Alquevatours. A estação náutica é o ponto de partida para esta viagem de descoberta por aquele que é o maior lago artificial da Europa e o maior reservatório de água doce de Portugal. Além da sede desta empresa que faz passeios de barco temáticos, é possível contar com um bar-restaurante recentemente inaugurado e outras atividades como caiaque, stand up paddle, observação de estrelas ou trilhos pedestres.
Nelson Bartolo conta-nos que, além da água, o objetivo é olhar também para terra, destacando aqui os 40 hectares de mata cedida pela EDIA ao município de Moura cujo objetivo é desenvolvê-la para que possa ser aproveitada de outra forma. Não tanto a nível de acampamento, mas talvez um parque de arborismo, que poderá juntar-se ao espaço de autocaravanismo já existente.

Mas o nosso objetivo é conhecer o Alqueva a partir da água e quem melhor do que o geógrafo defensor do Alqueva desde 1980 e que acompanhou bem de perto a evolução deste projeto. Humberto Nixon assume-se um apaixonado por esta região e foi em 2008, junto à barragem, que colocou o seu primeiro barco na água,na altura um semi-rígido se seis lugares, começando assim a aventura a que deu o nome de Alquevatours, que se dedica a explorar um lago com 1160 quilómetros de margem.
Hoje, a empresa vai passar a ter quatro embarcações, com a mais recente a juntar-se aos três já existentes. Sem preços distintos quer seja verão ou inverno, o empresário explica que há apenas um mínimo de seis pessoas para o barco poder sair durante o verão, e no inverno, esse mínimo é de quatro pessoas. Se é verdade que hoje a procura é muito forte, nem sempre foi assim mas a chamada “publicidade boa”, ou seja, o “passa-palavra” acabou por ajudar e muito a tornar este projeto rentável depois de Humberto Nixon e a mulher, Maria Manuela, aí terem investido todas as suas poupanças. “Foi muito esforço e dedicação”, recorda-nos o nosso guia que, com 62 anos, não esconde a paixão imensa que tem pelo Alqueva.
Embarcamos então com Nixon ao leme num passeio que poderá demorar cerca de uma hora. Na verdade, o empresário explica-nos que o que aqui tem são passeios temáticos, desde o mais breve que é um “Flash Alqueva”, com a duração de 30 minutos, a outros mais longos para quem quer perder-se pelas águas e ilhas deste espaço. Temos o Alqueva com História, o Pôr-do-sol com Antão Vaz, o Alqueva com Sabores, o Piquenique na Ilha, o “Alqueva com almoço na Estrela”, o “No Lago Alqueva com almoço na Luz” ou ainda o “À Conquista de Juromenha”, que poderá levar até 11 horas. No fundo, não é apenas um passeio de barco, mas um momento no qual os tripulantes nos guiam pela história deste reservatório de água mas também nos deixam sentir e saborear o silêncio e a enorme biodiversidade do Alqueva.
Começamos por saber que a enorme estrutura flutuante que está perante os nossos olhos quando saímos da estação náutica é uma central fotovoltaica, com uma área de quase quatro campos de futebol, ou seja, cerca de 36 mil m2 e um total de 11.550 painéis instalados. Conta-nos Nixon que, quando está a produzir no máximo, consegue gerar energia suficiente para abastecer 1500 casas. Por trás está a barragem propriamente dita, com os seus 96 metros de altura e os 458 metros de comprimento (coroamento). É verdade que em Portugal existem barragens mais altas, como a Barragem do Cabril, no rio Zêzere, com 132 metros de altura. Mas é a barragem do Alqueva que consegue armazenar uma maior quantidade de água, até 4150 hm3. “Se eu esvaziasse as seis barragens mais altas do que o Alqueva e as secasse, e se pudesse levar a água daqui para lá, enchia-as a todas e ainda me sobrava metade da água”, refere Humberto Nixon, orgulhoso destes números.
Tanta água para quê, poderemos perguntar. São três os fins: para agricultura, para a produção de eletricidade e para consumo humano.
Voltando ao ano de 1957, Nixon recorda-nos quando o Plano de Rega do Alentejo foi, pela primeira vez, apresentado aos portugueses. Entre 1976 e 1978 houve alguns trabalhos preparatórios mas nessa altura Portugal já não tinha dinheiro para continuar com a obra e só conseguiu retomá-la quando já estava na União Europeia. Por cada 100 euros gastos na construção e expropriação de terrenos, a UE investiu 64 euros.
Pôde então dar-se início â grande obra, com armação do ferro e do aço, e o enchimento do betão, em 1998. Em 2002, a barragem do Alqueva está, pela primeira vez, em condições de fechar as comportas, e oito anos depois estava no seu nível máximo. Humberto Nixon detalha que depois de 2010, ano em que pela primeira vez esteve no seu máximo, em 2013 aconteceu o mesmo, mas desde então nunca mais se abriram as comportas, apesar de, ainda no ano passado, ter ficado a 18 centímetros do nível máximo e, este ano, ter chegado a esse máximo. Mas a opção foi abrir as quatro turbinas que iam libertando água e gerando eletricidade.
O nosso passeio prossegue e se for daquelas pessoas mais impressionáveis pelo facto de ter muita água a correr debaixo do barco, talvez o impressione saber que a segunda paragem significa que estamos com 75 metros de profundidade, ou seja, a altura do tabuleiro da Ponte 25 de abril até à água.
Enquanto navegamos e atravessamos o Guadiana podemos ir até à herdade da Tapada, à Baía dos Cágados ou à ribeira de Codes. E vamo-nos deparando com uma grande diversidade de flora e fauna que nos vai sendo explicada. Os javalis, por exemplo, nadam até às ilhas; os corvos marinhos significam que estamos numa zona de muito peixe; e se falamos de peixe, são 15 as espécies que se encontram no Lago Alqueva, quatro de valor comercial (barbos, achigãs, lúcio perca e sável) e outros sem grande valor comercial como a carpa, as abletes, o pimpão ou o peixe-gato, entre vários outros. É possível ainda ver os gansos do Egito no topo das árvores, e, entre as aquáticas invernantes que por ali também passam, os mergulhões, a graça vermelha, as gaivinas ou as andorinhas do mar. E, claro os cágados mediterrâneos, com alguns a fazerem questão de acompanhar o barco como se nos esperassem.
Além da biodiversidade rica que nos acompanha por todo o passeio, há uma curiosidade que faz questão de também nos seguir. O que se passou com a antiga Aldeia da Luz? É verdade que, se a água diminuísse, seria possível ver a antiga torre da igreja e o seu sino, a praça de touros, a escola ou a mercearia? “Nada disso”, garante-nos Humberto Nixon. Na altura, toda as edificações existentes foram desmanchadas e reconstruídas no seu novo destino final. E o mesmo sucedeu com o antigo cemitério, do qual todos os corpos e ossadas foram trasladados, podendo as famílias acompanhar a mudança. E, antes das demolições, todos os materiais que poderiam degradar a qualidade da água foram removidos e enviados para reciclagem. No final, tudo foi calcado de tal forma que hoje, caso a água secasse, nem os antigos moradores conseguiriam dizer onde era o quê. A nova Aldeia da Luz nasceu a três quilómetros da velha aldeia, mantendo-se os nomes das ruas e travessas, as orientações relativamente aos pontos cardeais e as relações de vizinhança. Curiosidade satisfeita!
Passamos ainda pela chamada Ilha da Reconciliação que, segundo nos esclarece o guia, é ideal para casais desavindos. Como funciona? Namorados ou casais são levados para a ilha no início do dia e só de lá saem reconciliados. Para tal poderá ajudar a quietude do lugar, que convida à reflexão.
No passeio temos ainda oportunidade de ver alguns conjuntos de ruínas de há 100 ou 150 anos atrás, com espaços que terão funcionado como alojamento para os trabalhadores de então, os chamados “ratinhos”, imortalizados na obra de Alves Redol, “Os Gaibéus”, que eram nada mais, nada menos do que beirões, sobretudo oriundos do distrito de Castelo Branco, que vinha fazer as ceifas do Alentejo, pois a região não tinha mãos-de-obra suficiente.
Ao longo do Lago Alqueva existem seis praias: Moura, Alqueva, Amieira, Mourão, Monsaraz e Azenhas d’El Rei. Ideais para refrescar nos dias mais quentes e “estamoeirar” na areia, que é como quem diz, no bom alentejano, relaxar na areia. Mas além desta vertente turística, as praias assumem também a função de compensar os espaços naturais que existiam antigamente nas margens das ribeiras e rios, antes da construção da barragem, e que eram utilizados pelas comunidades locais.
São cinco para as 11 da manhã e ouve-se o relógio do Alqueva, cinco minutos adiantado. E Humberto Nixon aproveita para nos falar do tradicional ecossistema mediterrâneo do Alentejo. São sobreiros, madrugueiros ou as estevas, que até às campanhas de trigo, em 1920, formavam a paisagem do Alentejo. Nessa altura porém cortaram-se os matos e os arvoredos, de Elvas a Montemor, de Montemor a Évora, Beja ou Castro Verde. Mas o guia fica feliz por nos dizer que nas suas excursões ainda conseguimos conhecer esta tipologia de paisagem que, anteriormente, serviam para lenha para o aquecimentos, ou para produzir utensílios e alimentos humanos ou animais. “Este ecossistema mediterrâneo que temos aqui no Alentejo é dos ecossistemas mais ricos em termos de biodiversidade em Portugal”, garante Nixon.
A nossa viagem aproxima-se do fim, não sem antes sabemos que ao longo da albufeira do Alqueva podemos encontrar 426 ilhas, todas elas propriedade do Estado português mas que podem ser visitas por qualquer um. Funcionam também como zonas de conservação ecológica, essencialmente de refúgio para as árvores, não sendo permitido aí construir nada a não ser pequenas estruturas de madeira para observação ou equipamentos de investigação científica. A maior ilha que aqui podemos encontrar tem 49 hectares, ou seja, o equivalente a 49 campos de futebol, o que nos recorda novamente a dimensão deste projeto.
O Alqueva está à sua espera e os passeios de barco com história, e com a companhia de Humberto Nixon, prometem dar-lhe a conhecer o grande lago e toda a história por trás da construção desta barragem.
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