Algarve: O turismo português deve procurar a onda perfeita, quem sabe em Aljezur…
O Algarve é o destino do mês de novembro da Ambitur. Num roteiro de cinco dias elaborado pelo Turismo do Algarve, percorremos a região de lés a lés, passando pelos 16 concelhos deste vasto território. De Alcoutim ou Vila Real de Santo António até Vila do Bispo ou Aljezur, atravessámos o litoral e o interior, e conhecemos iniciativas e projetos turísticos que contribuem para que o Algarve continue a ser hoje um destino que merece ser visitado ao longo de todo o ano.

“Não devemos separar o surf do turismo, mas que isso fique bem consciente: a única maneira é apoiar os atletas”, esta é a mensagem de António Amaral, presidente do Clube de Surf de Aljezur, para as entidades turísticas nacionais.
A trabalhar em Lisboa, no ISCTE, na crise imobiliária de 2008, recorda uma frase de um colega da faculdade – “Epá, finalmente o surf foi a única boa notícia que apareceu a Portugal”. Gareth McNamara e a Nazaré encontraram-se nesta altura catapultando o país no exterior de uma forma disruptiva, ou seja, fugindo aos conceitos tradicionais promocionais, mas ao mesmo tempo potencializando-os, já que a base é a extensa costa portuguesa, onde o mar e o sol se encontram com a cultura e gastronomia das suas populações.
“No meu ponto de vista como surfista, foi uma coisa boa, mas também trouxe muita coisa pesada e mal gerida. Porque Portugal rebentou ao nível do turismo do surf em Portugal. Falo aqui pela minha região, mas penso que não é só…”, refere António Amaral, que se confronta muitas vezes entre o “puritanismo do surfista” e a necessidade que este desporto tem de se desenvolver em Portugal. “O surf. Portugal. Sol. Praia. Não dá para desviar. Eu percebo isso perfeitamente. Às vezes apetecia-me ser um purista, como era antigamente. Não dá. Eu percebi isso. Mas é importante não esquecermos esta missão: vamos deixar os surfistas surfarem também”.
De acordo com o responsável, temos em Portugal turismo 365 dias por ano, mas “tudo o que é demais começa a ser difícil de gerir, perde a qualidade e acho que isto aconteceu imenso com o surf. O surf tornou-se um produto super atrativo e isto já ultrapassou o estatuto de moda, porque já há muitos anos que acontece. Realmente o surf é muito fixe, é muito divertido. E agora com as redes sociais também se tornou uma coisa super instagramável e uma atividade que é transversal a muitas idades. E as pessoas adoram isto. Adoram isto.”
Para António Amaral, é necessária uma estratégia de valorização desta atividade em Portugal, estruturada, que tenha como premissa o desenvolvimento dos atletas para que possam elevar o nome do país em mercados emissores importantes e que possam trazer um retorno financeiro que está a ser desvalorizado pelas entidades competentes. O surf “é vendido muito barato, do meu ponto de vista. Demasiado barato. Este é um produto com muita qualidade. Podia ser vendido muito mais caro, tendo em conta que estamos a explorar um espaço que é de todos, não é?”.
António Amaral, como presidente do Clube de Surf de Aljezur, não trabalha propriamente com turismo. “Trabalho com aqueles turistas que vieram cá e que são os novos habitantes de Portugal, que ficaram cá a viver. Os miúdos, cerca de dois terços no clube, são filhos de estrangeiros”. Refere o responsável que os portugueses, nos anos mais recentes, estão cada vez a ficar mais de costas voltadas para o mar, outra vez. “Houve uma altura que tinham regressado para o mar. Mas, a vida não está fácil para os portugueses de Portugal”, desabafa.
Mas, a verdade é que considera que o surf tem muito para oferecer ao turismo. “Portugal, neste momento, é um destino internacional de excelência, porque realmente tem umas condições para surfar incríveis. Não é sempre bom, mas há sempre ondas. No Algarve há sempre ondas, há sempre um cantinho onde se pode surfar. Eu vivi na Caparica, na Ericeira, no Magoito, mas o Algarve e Peniche são assim uma coisa, há sempre um cantinho onde se arranja um sítio para surfar”.
O entrevistado chama a atenção para a gestão desta realidade, em primeiro lugar relativamente às limpezas de praia, e ao ordenamento em torno das áreas de surf, de modo a conseguir-se conciliar os habitantes locais, com os novos residentes. Indica o entrevistado que “os preços aqui em Aljezur atingiram uns valores incríveis. Não sei se é bom ou se é mau. A mim parece-me que é mau. Porque faz com que… Por exemplo, vai ser difícil para mim comprar uma casa para as minhas filhas. Ou seja, vai fazer com que toda a identidade portuguesa saia da costa”. Esta nova realidade da costa portuguesa não está a ser gerida como algo prime, defende o interlocutor.
Clube de Surf de Aljezur
O Clube de Surf de Aljezur teve como génese reconquistar “um pouquinho” esse espaço do mar para miúdos que queiram apostar a sério no surf e “acho que essa missão é linda, é incrível. Nós temos aqui uma coisa mesmo gira. É surf a sério. Portanto, quem está connosco é a longo prazo”. Refere António Amaral que “às vezes os pais vêm e querem comprar uma prancha. Mas com calma, o surf aprendes devagar. Os miúdos têm de sentir o mar, têm de perder o medo. E há toda uma aprendizagem que é transversal à vida que o mar ensina. Resiliência, ultrapassar medos, viver em ambientes sociais complicados, muitas pranchas ao mesmo tempo. Portanto, tem de haver uma certa competição em que isto tem de ser simpático, mas também não se pode ser demasiado permissivo. Alegorias para a vida com os miúdos. Acho que é incrível”, salienta.
Considera o entrevistado que esta é uma atividade que é para a vida. “Tenho 53 anos, faço surf desde os 14 e faço surf todos os dias, ainda. Toda a minha vida foi construída à volta do surf. Eu não consigo estar mais de uma semana sem surfar. Senão ninguém me atura”.
Mas o grande foco de António Amaral vai para o pouco investimento nos atletas. Dá o exemplo: tenho um dos melhores surfistas do mundo, neste momento, na idade dele. Chama-se João Maria Mendonça, “tem um potencial gigante. E precisamos de ajuda, está a ser difícil fazê-lo viajar pelo mundo inteiro. É muito caro. As coisas estão cada vez mais caras”. Um trajeto semelhante ao que Yolanda Hopkins Sequeira também passou.
Hoje o Clube de Surf de Aljezur organiza o Aljezur Surf Fest. Indica António Amaral que “começámos a organizar eventos também. Fizemos o campeonato regional e criámos uma competição intersócios. A nossa competição tem sido um sucesso gigante. Tem gente de todo o país, de todo o mundo já. Ele está a ficar mesmo grande. E este ano resolvemos juntar no mesmo mês uma exposição de fotografia. Fizemos uma limpeza de praia gigante. Limpámos todos os estacionamentos. Limpámos tudo, tudo, tudo. Teve muita adesão. Tivemos um evento por causa da assinatura da ratificação do Tratado de Proteção do Alto Mar. Juntámos essas três coisas. A parte mais social. E depois fizemos dois eventos. E agora gostávamos de juntar um festival de cinema”.
Aljezur e Arrifana
Quisemos saber por que Alzejur é hoje considerado um dos destinos de surf de referência em Portugal e na Europa? O professor de surf responde que França, Espanha e Portugal têm ondas espetaculares. “É uma coisa fora de série mesmo. O sul de França tem altas ondas mas tem um tempo muito agreste. É um tempo muito duro. O verão é ótimo porque a água é quente e pode haver verões espetaculares. A qualidade das ondas é incrível. É muito frequentado, tem muita gente. O turismo está muito mais regulado do que aqui. Fazem-se pagar muito mais. Se bem que também há um bocado de confusão”. Relativamente ao norte de Espanha considera que a maior parte das vezes o tempo é agreste, um bocado à semelhança do norte de Portugal. “Sendo que a partir da Caparica para baixo temos bom tempo o ano todo. Temos altas ondas o ano todo. Então quando chegamos aqui, raramente há mau tempo aqui. Torna-se muito agradável. Há sempre uma consistência de ondas e um tempo muito ameno. É seguro, há uma cultura local bastante castiça e simpática que não se pode perder. Porque senão perde a graça toda”, indica.
Depois há a Arrifana, “presumo que é provavelmente uma das melhores praias do mundo. É super abrigada. Abrigada dos ventos. Está a nortada a nossa costa toda. Chegas aqui, a nortada é cortada por este promontório. Isto sempre foi um porto de pesca. Se vês aqui fotografias dos anos 20, 30, todo este corrupio que há de pranchas agora, havia dos barcos que vinham à Lagosta, na altura. Desde Sines até aqui isto é um porto natural único. Tem um porto de abrigo muito bom. E agora o surf encontrou este abrigo”. Acrescenta ainda o responsável que “depois tem uma onda de classe mundial, na Arrifana. Que é uma onda com umas pedras e perigosa, que se surfa quando o mar está muito grande. Para surfistas avançados. E depois tem a praia para principiantes e surfistas médios. E uma praia que dá surf sempre. Quando é abrigada da nortada é incrível. Muitas vezes acredito que se vens da Galiza vais parar na Arrifana, porque é o melhor sítio para surfar. Um bocadinho à imagem de Carcavelos”.
Complementa ainda António Amaral que “o Algarve vive um pouco disso. Tem uma mística. O parque natural é lindíssimo. Há muito espaço. Há muito espaço para surfar. Tudo isto aqui dá onda. Tudo isto tem cantinhos, recantos escondidos mesmo para quem quiser procurar. Há ondas por todo o lado. Não são ondas para turistas, mas são ondas para quem sabe procurar. Eu penso que isto é incrível. Deve ser preservado”. Realça ainda que “agora fala-se tanto em nacionalismo. Mas a única identidade que nós temos é o mar. E devemos preservá-lo. Faz parte de nós. E acho que isso era tão porreiro. Pesca. Estes cafezinhos. Isto não pode deixar de existir. Isto pode ter os dias contados”.
Este é um surfista que não esquece que “existe muita ética no surf”, pois “o surf é uma maneira de estar na vida, não é? E de aprender”.
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