Lisboa, a cidade das sete colinas, está cheia de cultura e arte. Vários são os artistas, nacionais e internacionais, que na capital portuguesa deixam marcas de expressão. Do graffiti à street art, da história à política, as fachadas dos edifícios contam histórias de tempos antigos e outros mais recentes. Segundo a Galeria de Arte Urbana (GAU), Lisboa acolhe perto de 1500 intervenções de arte urbana.
Corria o ano de 2008 e, na sequência de uma operação de limpeza levada a cabo pela Câmara Municipal de Lisboa nas fachadas dos edifícios do Bairro Alto, considerou-se importante “criar um espaço alternativo especificamente dedicado à arte urbana”. Foi instalado um conjunto de painéis na Calçada da Glória e começou, assim, a Galeria de Arte Urbana (GAU).
O primeiro desafio foi “vencer resistências e desconfianças” dos lisboetas e dos artistas, até que a GAU começou a ver “o seu papel de facilitador reconhecido no meio da street art”. A Galeria conseguiu estreitar laços com os artistas através da disponibilização de “espaços e tempos próprios” para que pudessem desenvolver a sua arte, deixando “marcas da sua expressão” por onde nos propomos passar neste roteiro.
Iniciamos o percurso em Alvalade, correndo o muro do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa onde espreitam “Rostos de Muro Azul”, pelas mãos de 61 artistas de diversas nacionalidades que ali realizaram, entre 2012 e 2015, um total de 77 intervenções artísticas referentes à saúde mental.
Em 2015, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) celebrou 25 anos com a criação do mural “Introspeção”, da autoria de Frederico Draw e Rodrigo Alma, na Rua Dona Estefânia, para dar a conhecer de forma artística o seu trabalho na comunidade.
Já o artista Mário Belém, aceitou o desafio de retratar a abolição da pena de morte, no âmbito das Comemorações dos 150 anos da Abolição da Pena de Morte em Portugal (1867-2017). A pintura localiza-se na Calçada de Santa Apolónia, Rua da Bica do Sapato, perto do antigo Cais do Tojo da Bica do Sapato, onde em tempos se executavam as penas capitais para servir de exemplo público.
Seguindo pelo rio Tejo, até ao Largo D. Luís, Cais do Sodré, encontramos um “Disquiet Heart”, de Tamara Alves. A pintura integra o projeto “Dias do Desassossego”, da Casa Fernando Pessoa e da Fundação José Saramago, inspirada na frase: “se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia”, de Saramago.
Roteiros de Arte Urbana, outra forma de mobilidade
A GAU afirma que “a arte urbana hoje assume um estatuto maior no panorama artístico nacional e internacional”, dada a “procura sempre crescente da comunidade artística para intervir na cidade, bem como de visitantes e turistas que procuram Lisboa para ver arte urbana”.
Segundo a Galeria, esta forma de arte “permite criar roteiros diferenciados, uma vez que se fomenta uma mobilidade para áreas da cidade que não teriam apetência turística, o que permite a descoberta e criação de novos pontos de interesse, contribuindo para uma descentralização das ofertas culturais na cidade”.
Face ao crescente interesse de residentes e turistas, existem já diversos operadores turísticos a promover “vistas de arte urbana”, como a Associação Cultural Boutique da Cultura que realiza visitas guiadas mensais ao Bairro Padre Cruz, em Carnide. Foi aliás neste bairro que a GAU estreou o Festival de Arte Urbana de Lisboa – MURO, em 2016, “onde se criam novas galerias e se encetam percursos de arte urbana pela cidade de Lisboa”.
Uma das intervenções ali realizadas, no âmbito do MURO, é da autoria de Mr Dheo onde vemos outro artista a segurar um desenho infantil, representando uma sátira ao conceito de família moderna dependente das tecnologias. Já o artista brasileiro Eduardo Kobra deixou o retrato de um “Líder Indígena” numa parede em Marvila, no MURO 2017. A próxima edição do festival está marcada para maio.
E olhem só para “A Lata Delas”, para o atrevimento e para a lata de tinta das artistas Maria Imaginário, Margarida Fleming, Tamara Alves e Patrícia Mariano, que numa parede da Estação Ferroviária de Entrecampos deu lugar a um mural coletivo feminino.
Deixamos a cidade e seguimos rumo ao Parque Florestal de Monsanto onde Vhils, que já pintou Amália Rodrigues na calçada de Alfama, subiu ao Miradouro Panorâmico de Monsanto para imprimir Marielle Franco, ativista LGBT e dos direitos humanos assassinada no Brasil.
A GAU alerta que se deve repensar o papel da arte urbana pois o seu “mediatismo” pode representar riscos para as cidades, com a “proliferação de intervenções e saturação da paisagem urbana”.