“As mulheres trazem uma nova dinâmica a este setor”

A liderar a direção executiva da Associação da Hotelaria de Portugal desde 2010, Cristina Siza Vieira assume que o desempenho da entidade neste momento está conseguido e os hotéis reconhecem o valor de estarem na AHP. Em entrevista, a jurista é categórica: “é importante que as pessoas considerem a vida associativa como uma parte do dever cívico”. Sobre as expetativas para a tutela atual, a mensagem também é clara: “É urgente intervir na matéria do alojamento local, Portugal tem vindo, e continua, a negar o problema”. 

Cristina siza vieiraComo surge a sua ligação ao turismo? Qual foi o seu percurso profissional até chegar a este setor?
Licenciei-me em 1987, entretanto comecei a advogar, estive um ano e meio em Macau, depois quando vim, como advogada, tinha uma avença na Direção Geral de Turismo, portanto, entrei no turismo muito cedo, talvez em 1992. A Direção Geral do Turismo foi uma ótima escola, porque passei por todos os setores, as agências de viagem, contraordenações, licenciamento, tudo com funções jurídicas.
Na altura, como já instruía processos que iam para a secretaria de Estado do Turismo, fui convidada para adjunta do secretário de Estado, Dr. Alexandre Relvas, mais tarde fui subdiretora-geral de turismo. Entretanto saí do setor, porque fui convidada para criar o departamento de assuntos jurídicos do Ministério da Defesa Nacional, uma atividade distinta, com funções jurídicas e menos de gestão. O meu regresso ao turismo dá-se com o Eng. Luís Correia da Silva, na altura criámos o Centro de Apoio ao Licenciamento de Projetos Turísticos, o CALPT, que é um antepassado dos PIN, e que foi realmente um trabalho fundamental, e depois não mais saí do setor do turismo. Fui para diretora geral do Turismo, depois a DGT foi extinta, fundiram-se vários organismos no Turismo de Portugal, e aí optei por não ficar no Estado. Saí para a Amorim Turismo e fui fazendo outras coisas. Gosto muito de urbanismo, onde tenho aliás formação específica, e estive no gabinete do Arqt. Manuel Salgado na Câmara Municipal de Lisboa e depois surgiu este desafio da Associação.

Cristina siza vieiraQual foi a sua primeira impressão deste setor?
Não sei se conseguimos evocar aquilo que sentimos da primeira vez, já foi há muitos anos. Numa perspetiva de organização de funções do Estado era um setor imensamente burocrático. A Direção Geral do Turismo era uma estrutura enorme, tinha tudo quanto era licenciamento de restaurantes, de agências de viagens, hotéis, tinha a inspeção, portanto, era gigantesca e tinha centenas de funcionários, era maciça.
Depois houve uma grande revolução que foi a passagem de competências para as câmaras municipais, portanto a descentralização de competências do Estado para as autarquias locais foi decisiva no arrumar da casa. As outras organizações pareciam muito mais elásticas comparando com a DGT, não o eram na verdade, mas tinham muito menos competências. Do ponto de vista da indústria, eram também outros tempos. Havia os históricos, os velhos senhores e depois havia um clube de pessoas que pensavam um pouco para lá do imediato e que gostavam realmente de viajar e era muito isso que as tinha movido a ser agentes de viagens…tinham uma boa capacidade de organização e iniciativa no setor privado…mas havia pouca preparação.

Cristina siza vieiraComo veio parar à AHP e quais têm sido as suas funções dentro da associação? O que trouxe para dentro da AHP da sua experiência anterior a nível público e institucional?
Houve muita coisa de caminho e a experiência de vida foi sendo enriquecida com outras coisas, designadamente, cinco anos da Defesa Nacional, foram anos marcantes e uma Câmara Municipal como é Lisboa e um departamento de urbanismo dá pano para mangas. Há algo que sinto sempre, a minha formação jurídica é uma base obviamente muito útil, mas o que tenho sempre na vida, aqui e na DGT são muito funções de gestão – gestão pessoal, gestão de recursos e gestão financeira.
Quando ainda estava na Amorim Turismo, e na Câmara de Lisboa, Henrique Veiga convidou-me para a Associação da Hotelaria de Portugal porque ia haver uma grande mudança, ou seja, a AHP como outras associações tinham um corpo não executivo e depois tinham, apenas um secretário-geral. A ideia era profissionalizar a AHP, ter um presidente executivo, que fosse realmente um representante da associação. O presidente da direção executiva é quem representa a associação e juntamente com a direção executiva executa os programas estratégicos do mandato. A ideia, ao tempo, e que se veio a concretizar era ter uma direção executiva com um presidente executivo e o presidente do conselho geral como presidente da AHP. Na altura considerei interessante e que era perfeitamente possível acumular a AHP com as outras funções, mas rapidamente verifiquei que era impossível pelo volume de trabalho da AHP e o objectivo de a fazer crescer. A Associação estava numa situação bastante delicada, dificilmente ultrapassava as graves dificuldades que estava a atravessar, até porque estava a perder associados e não estava a conseguir obviamente ocupar o espaço que por direito é da hotelaria. E isso, ou se fazia de corpo inteiro ou então não era possível. Não faço coisas a metade e portanto achei que era fundamental agarrar isto e fazer da associação alguma coisa que ela, de facto, já tinha sido e que poderia voltar a ser.


Cristina siza vieiraComo tem sido esta experiência associativa? Tem gostado deste desafio?

Tenho gostado muito. Acho que tem algumas coisas mais difíceis, mas tem sido bastante positivo. Corresponde àquilo que eu acreditava que era a função de uma associação, poder representar um setor, um grupo de interesses, representar junto do poder político e da sociedade, os grandes, os pequenos, hotéis isolados, cadeias nacionais e internacionais, partilhar conhecimento, tudo isso tem sido realmente compensatório e há um reconhecimento, creio eu, do papel que a associação está a ter.
As associações são cada vez mais fundamentais porque têm uma liberdade política, de ação e de representação e por outro lado figuram obviamente um grupo de interesses e isso define muito bem qual é o fim e o campo de ação de uma associação.

Se olharmos para cargos institucionais e públicos, e até mesmo privados, são poucas as mulheres com funções de liderança… pensa que ainda é um problema no nosso país?
Na administração pública as chefias já são, maioritariamente, mulheres, mesmo no Turismo de Portugal. Mas realmente no turismo e noutros setores, é verdade, há poucas mulheres. Há mulheres nas chefias intermédias, na administração pública, nas empresas, mas nas administrações realmente não há muitas mulheres. Isto tem a ver com o facto de este ser um setor pequeno, de pequenas e médias empresas e de origem familiar. Por outro lado, é um setor muito exigente em termos de tempo que se dedica, vemos por exemplo, os diretores de hotel, costumo dizer que a primeira casa deles é o hotel, nem sequer é a segunda, não há quase separação entre o tempo pessoal e o tempo profissional. A ponderação da vida pessoal com a vida familiar não é fácil de fazer nesta profissão. Depois é uma progressão muito lenta nestes cargos, uma dedicação muito grande e enfim, do que vejo realmente não há muitas mulheres e aí fazem falta. Quer nos grupos, quer nos hotéis isolados há exemplos de mulheres à frente e com uma grande responsabilidade, noutros há alguma partilha com mulheres. São realmente mulheres dedicadas, muito empenhadas e trazem uma nova dinâmica a este setor, porque é mesmo uma questão de dinamismo. As mulheres trazem uma dinâmica muito especial às empresas.

Cristina siza vieiraPessoalmente, sentiu maiores dificuldades no seu percurso profissional por ser mulher ou é algo que não a afeta?
Realmente não senti nenhuma dificuldade por ser mulher. Fui diretora de um departamento equivalente a Oficial General das Forças Armadas e não tive nenhum handicap por ser mulher. Sinto é que trabalho muitíssimo, esse é o problema, são de facto demasiadas horas. Também é a minha primeira casa, já é uma coisa complexa com alguns efeitos, inclusive familiares. De qualquer maneira, há traços que são comuns, a capacidade de trabalho é essencial, sempre trabalhei muito e gosto do que faço e de o fazer bem. Tenho muitas convicções, digo e partilho-as, acredito que é possível ser verdadeiro e conseguir os resultados que se tem, em alguns casos não com tanta diplomacia como noutros, mas acho que a sinceridade e autenticidade se sobrepõem a alguns jogos de diplomacia em que não acredito. Por outro lado, sei que sou uma pessoa que estudo os assuntos, não me fico pela superfície, quando formulo uma opinião e uma convicção sei que as pessoas ouvem porque sabem que o faço com fundamento.