Por João Silva Santos, líder da BlueShift Talent*
Conceito que ganhou amplitude nas áreas de marketing e publicidade, a gamificação – ou, no original, “gamification” – está ainda a dar os primeiros passos na sua aplicação à gestão de capital humano, sendo praticamente desconhecido na indústria da hospitalidade.
Uma das expressões mais comuns deste conceito enquanto ferramenta de marketing são os programas de fidelização, comuns em diversos setores, que, através de pontos, milhas ou outras métricas, atribuem benefícios diversos mediante determinado nível de consumo, num jogo que alinha interesses entre a marca e o consumidor, recompensando os melhores clientes.
É curioso que, apesar de se ter popularizado como instrumento de marketing, a génese da gamificação está na otimização de processos organizacionais core relacionados com o cliente interno. A origem mais consensual data de 1908, quando o movimento de escuteiros americano instituiu a atribuição de badges aos seus membros, em função do cumprimento de determinadas tarefas. Mais de um século depois, as empresas que recorrem a este tipo de ferramentas na gestão de recursos humanos em hospitalidade continua a ser residual.
Dito isto, não deixamos de encontrar ao longo do tempo diversos exemplos desse tipo de aplicação noutros sectores. Um dos mais conhecidos é do gigante tecnológico Microsoft, que desenhou uma estratégia de gamificação para uma das fases mais cruciais, mas menos estimulantes, do desenvolvimento de software – a testagem. No projecto Communicate Hope, a empresa realizava donativos a instituições de cariz social em função da deteção de falhas pelos colaboradores. Os resultados foram extraordinários, aumentando dezasseis vezes a eficácia de deteção de falhas face ao processo tradicional.
O poder da gamificação resulta da ativação da dimensão emocional, gerando engagement, não apenas com o processo em si, mas com a organização no geral. A simplificação da relação causal comportamento-recompensa, aliada a um efeito lúdico, assume-se como ingrediente eficaz para a otimização de desempenho. Para além disso, o processo de gamificação acarreta, por definição, uma forte vertente de comunicação interna, que dá visibilidade e valor ao mérito de quem se empenha, gerando um elevado fator motivacional junto dos seus participantes. O esforço do colaborador na eficácia de determinado processo, é, assim, visível para a organização, e recompensado de forma direta e imediata, gerando um ciclo virtuoso de superação e melhoria contínua.
A entrada da geração Z no mercado de trabalho, muito mais sensível do que as anteriores à relação causal entre comportamento e recompensa, vem potenciar ainda mais o poder das estratégias de gamificação.
São inúmeros os estudos que têm revelado o potencial desta ferramenta. Segundo uma análise efetuada pela consultora Gigya ao comportamento online do consumidor, empresas que recorreram à gamificação na sua estratégia, viram as interações com o seu conteúdo subir em média 13%, o social media share em 22% e a descoberta de conteúdo em 68%. Sobre a aplicação à gestão de capital humano existe também já alguma evidência. Diversas investigações têm demonstrado elevadas correlações entre a existência de estratégias de gamificação na empresa e variáveis-chave como produtividade dos colaboradores, rotatividade e eficácia da formação.
Os poucos exemplos conhecidos de aplicação ao capital humano em hospitalidade centram-se maioritariamente em processos de suporte, como a formação ou integração de colaboradores. Sem pôr em causa a importância estratégica dos mesmos resulta evidente o potencial ainda por explorar em áreas de perfil mais comercial ou operacional.
A experiência de outros setores demonstra justamente que o maior valor da gamificação está na sua integração nos processos produtivos core da organização. Se, por exemplo, a gamificação não deixa de ser importante para a eficácia de um programa formativo para o processo de check-in, oferecer um sistema de check-ins gamificado poderá trazer resultados ainda mais expressivos e duradouros na qualidade e eficiência do processo.
Quer seja por razões de melhoria de processos, aumento de engagament de colaboradores ou diminuição da rotatividade da equipa, o potencial da gamificação para a gestão do capital humano em hospitalidade é imenso, impactando áreas tão críticas como a eficiência de processos; o engagement de colaboradores; ou a sua fidelização à empresa, áreas críticas para a obtenção de vantagens competitivas no contexto atual e no futuro próximo.
*Este é o segundo de uma série de artigos intitulada “Capital Humano”, publicados por João Silva Santos, responsável do centro de competência de HR Management e líder da consultora de RH BlueShift Talent, que a Ambitur.pt irá publicar todos os meses.
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