Capital Humano: “Compromisso Organizacional em tempo de Incerteza”

Por João Silva Santos, líder da BlueShift Talent*

O conceito de compromisso organizacional tem sido, ao longo do tempo, alvo de crescente atenção por parte de académicos, gestores e profissionais. Mas afinal, a que se deve tal interesse? Será este fator decisivo para a minha organização, mesmo numa altura em que a minha maior preocupação é a viabilidade financeira a curto prazo?

Com origem pouco precisa, mas que se estima ter ocorrido na década de 60 pela mão do investigador H. S. Becker, o conceito de compromisso entre um profissional e a organização em que está inserido conheceu uma rápida evolução, gerando uma grande amplitude de definições e perspetivas sobre o tema. Mas se quisermos ir ao cerne da questão, o desafio empresarial resume-se na procura do equilíbrio perfeito entre os contributos esperados por parte do colaborador e os consequentes benefícios a que tem direito, no contexto da empresa em que exerce funções.

Se a equação “remuneração-produtividade” fosse, por si só, solução para este problema, há muito que a maioria das organizações teria o desafio ultrapassado, com taxas de rotatividade residuais e índices de produtividade elevados. Mas sabemos que não. Por exemplo, a existência de uma elevada média de anos de serviço não prova, de forma alguma, a existência de profissionais comprometidos. Na maioria dos casos, pressupõe níveis de produtividade que se limitam aos mínimos olímpicos, por equipas acomodadas e fortemente enraizadas na sua zona de conforto.

Desta forma, cedo se constatou que, para além do salário, outras dimensões são essenciais para ter colaboradores motivados, produtivos e alinhados com os objetivos da organização.

Segundo os modelos de análise das principais instituições internacionais especializadas na monitorização de indicadores de compromisso organizacional – por exemplo, a Kenexa (da IBM), a AON Hewitt e a Gallup –, as dimensões cuja importância é mais consensual são a identificação com a visão da organização, as oportunidades de crescimento na empresa, as boas condições físicas de trabalho, uma comunicação eficaz, a existência de trabalho de equipa, a qualidade da liderança e o reconhecimento objetivo do mérito baseado no desempenho.

Existe, então, uma a fórmula comumente aceite para potenciar o alinhamento entre colaborador e empresa, vertível em indicadores que podem ser monitorizados com o mesmo empenho que qualquer outro KPI estratégico para o seu negócio.

No entanto, num contexto de retração económica, em que a liquidez das empresas é o principal desafio, faz sentido dedicar tempo a este tipo de fatores? Mais: num mercado caracterizado pela crescente oferta de profissionais decorrente de índices de desemprego galopantes, continua o compromisso organizacional a ser um elemento de elevado valor acrescentado? Questões legítimas por parte de gestores ocupados com a redução do número de efetivos ou com a gestão dos processos de layoff, com uma única prioridade em mente: a viabilidade do seu negócio.

A verdade é que, ao contrário do que possa parecer, nunca fez tanto sentido olhar para o compromisso organizacional enquanto vantagem competitiva. Assumir, de forma oportunista, que em tempos turbulentos, caracterizados pelo medo de perda do emprego, pela diminuição das referências de retribuição e pela crescente facilidade de substituição de trabalhadores, é possível passar para segundo plano dimensões subjacentes ao compromisso organizacional do colaborador acarreta riscos sérios para a organização.

Em primeiro lugar, porque se a relação entre colaborador e empresa se passar a basear exclusivamente no fator pecuniário, é inevitável que a entrega feita pelo colaborador se cinja também ao que é obrigado pelo seu descritivo funcional. Ou seja, cai por terra todo e qualquer esforço discricionário que é normalmente levado a cabo por colaboradores motivados, no seu zelo em lutar pelos objetivos da organização, porventura penalizando a qualidade do produto ou serviço.

Em segundo lugar, caso o colaborador acabe por abandonar a empresa, mesmo que até seja facilmente substituído por outro, estará a oferecer à concorrência o investimento feito até ali, além dos custos financeiros de rotatividade, normalmente elevados e que não ajudam a tesouraria da empresa.

Finalmente, há que ter em conta que os trabalhadores menos qualificados são tendencialmente os primeiros a popular o mercado de mão-de-obra disponível. Quer isto dizer que, mesmo num mercado de oferta crescente, o recrutamento e seleção de perfis qualificados não se torna obrigatoriamente mais rápido ou eficaz.

Em suma, não só é relevante para as organizações continuarem a dar importância a esta temática, como poderão ter no compromisso organizacional da sua equipa um fator competitivo decisivo para a sua subsistência, numa fase de enorme desafio e incerteza económica.

*Este é o terceiro de uma série de artigos intitulada “Capital Humano”, publicados por João Silva Santos, responsável do centro de competência de HR Management e líder da consultora de RH BlueShift Talent, que a Ambitur.pt irá publicar todos os meses.

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