(Com Air Europa e Solférias II) Salvador, a vírgula entre a Roma Negra e o Brasil
(Crónica de Viagem – parte II) A vida é o resultado de encontros e desencontros. Encontros de sabores, desencontros de notas musicais. Encontros de sorrisos, desencontros de olhares. Como um emaranhado de fios elétricos, de uma rua de São Salvador, a vida prossegue ao ritmo de cada um. Numa terra mística, foram 13 os que embarcaram de Lisboa, para a capital da Bahia, a convite da Solférias e da Air Europa. São profissionais de turismo, a maioria para sentirem pela primeira vez o Brasil, outros Salvador, outros ainda para recordarem o que lá deixaram ou o que de lá trouxeram em outros tempos.
…A Baía de Todos os Santos tem 38 ilhas e foi aqui também que começou uma das histórias do Brasil…
Tomé de Sousa e Roma Negra
(Continuação) “Tomé de Sousa iria tentar outra vez”. Assim acaba o terceiro livro de Eduardo Bueno, que li há alguns anos, sob o título Capitães do Brasil, onde este discorre documentalmente sobre o falhanço dos primeiros 50 anos da “descoberta” e tentativa de colonização do Brasil por parte de Portugal” (até 1950). Aqui poderemos retomar a narrativa com o fidalgo Tomé de Sousa, que é nomeado para o cargo de primeiro Governador do Brasil pela Corte que se reuniu em Almeirim, em 1548. Meio século passado desde a chegada de Pedro Álvares Cabral tenta Portugal mudar o rumo dos acontecimentos daquele território.
José Barreto, o guia, ajuda-nos, “o próprio Tomé de Sousa tem uma ideia brilhante, ele batiza a cidade como São Salvador da Bahia de Todos os Santos (pois foi descoberta a 1 de novembro por Américo Vespúcio, após 31 de outubro que simboliza a idade das trevas, o dia das bruxas), ele homenageia assim a igreja Católica e o Vaticano”. Refere o guia que “ele batiza a cidade fazendo uma homenagem a Jesus, daí nasce esta cidade”.
Esta também recebeu epítetos como Roma Negra e Meca da Negritude, por ser uma metrópole com uma percentagem grande de negros. De acordo com o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, a expressão “Roma Negra” é uma derivação de “Roma Africana”, cunhada por Mãe Aninha, fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. Segundo Mãe Aninha, assim como Roma é o centro do catolicismo, Salvador seria o centro do culto aos orixás. (*Informação recolhida da Wikipédia)
Questionado o guia sobre, pelo formato geográfico da cidade, se “Salvador a vírgula do Brasil” seria um interessante título para esta crónica, este imediatamente responde: “Roma negra significa que esta é uma cidade maioritariamente de população negra, o formato geográfico de Salvador é uma vírgula, então poria: A vírgula entre a Roma Negra e o Brasil”. Imediatamente fui transportado para outra latitude, soou-me ao ouvido Reconvexo, música escrita por Caetano Veloso para a irmã, Maria Bethânia: “Sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra / Você não me pega, você nem chega a me ver / Meu som te cega, careta, quem é você?”. Uma música cheia de significados, assim como qualquer palmo da Bahia.
Coloquei ainda um outro desafio a José Barreto, sobre os segredos ainda escondidos na Bahia: “existe hoje aqui em Salvador um problema, apesar de ser a cidade mais preta fora de África, há um desconhecimento dos heróis africanos que fizeram a história desta cidade e do Brasil. Estes ainda são deixados de lado por historiadores e pessoas importantes. Ainda tem muito segredo a ser descoberto. Há muita coisa escondida de reis e rainhas negros que vieram para a minha terra e deixaram aqui a sua marca e hoje não são citados. Esse é o segredo de Salvador, assim como a felicidade de quem mora em Salvador. Esse é um segredo só nosso, somos felizes, quem quiser tentar entender tem que vir até cá”.
Só falando com um Baiano se entende o que eles têm para nos dizer. Só o fitando nos olhos nos cruzamos com eles. Só os abraçando sabemos como eles são. Há outros locais por onde vivenciei o mesmo, mas não são assim tantos. A Jani, da Grou, acompanhante do grupo por um dia, e o Jairo, o “nosso” taxista, são exemplos. A Maria Henela, do Tivoli Ecoresort Praia do Forte, também não me desmentirá. Aliás foi com emoção que mais uma vez a reencontrei e trocámos olhares antigos e falamos de memórias que nunca se perderão.
Quem não falou com um baiano não sabe o que perde.
Do sagrado ao profano
Um cabo elétrico, curto, desprende-se de um emaranhado deles, no cruzamento seguinte, algures em Salvador.
Se a viagem da embarcação de ida foi tranquila, a de regresso a Salvador demonstra-nos as duas faces do mesmo mar (quem não leu Mar Morto). Mas a ilha dos Frades revelou porque é um destino em ascensão por aquelas bandas. O tempo foi curto para usufruir da praia, uma pequena enseada com águas pacíficas. Mas outros haviam que tinham mais tempo. O nosso destino foi o Restaurante Preta. Este ocupa uma ampla área ao ar livre, mantendo o clima de praia na hora da refeição. Peculiar, criativo, integrado na paisagem, causou sensação, pelos sentidos, comida e sumos naturais. Os pratos baianos correm pela mesa, as entradas seguem a lógica do restaurante em apresentação e diversificação de molhos. Um rolo de siri, flor de banana, com massa crocante e molho de tamarindo, um queijo coalho assado com mel de cana e gengibre abrem o caminho a um camarão com creme de moqueca com lascas de polpa de côco verde e pequenos pedaços de fruta pão, leve toque de dendê, arroz, farofa de banana com tapioca e andu. De salientar o sumo natural de maracujá que todo o grupo consumiu com intensidade, mas não só. Ainda se apresentou à nossa mesa a Preta, a proprietária, que não era negra, como todos esperavam. Este lugar de repasto superou a alegria com que entrei há alguns anos no Beijupirá, em Porto de Galinhas, ou mesmo num ou outro restaurante de Búzios, demonstrando assim que é algo a não perder por aquelas bandas.
Tem lógica que a gastronomia da Bahia seja considerada a percursora da restauração brasileira e, mais uma vez, aí se percebe como são vários os elementos que resultam numa combinação, como os fios elétricos que sobrevoam Salvador. Mas há sempre outras combinações possíveis.
Segundo Maria Carolina Montoro, assessora da Secretaria de Cultura e Turismo na Prefeitura Municipal de Salvador, a cidade vem passando por uma transformação com 12 anos, considerando que “a cidade está pronta para receber os turistas e oferecer todos os tipos de motivação”. No entanto, destaca que o principal preconceito que se observa sobre São Salvador é não ser uma cidade de sol e praia, mas reforça “esta tem 74 quilómetros de orla em mar aberto, do Farol da Barra a Itapuã é mar aberto, Atlântico. Para o outro lado do Farol temos a Baía de Todos os Santos, a segunda maior navegável em todo o mundo”. Salvador tem três ilhas urbanas, com infraestruturas, a que se adiciona outras para apoio aos banhistas nacionais e internacionais. “No Rio Vermelho temos dois apoios de praia, com gastronomia, segurança do mar e acessos, também em Itapuã, no Stella Maris e Flamengo, que são praias mais afastadas, do centro”. Indica a responsável que a cidade de Salvador é também forte na componente religiosa, “que sabemos que os portugueses gostam”. Na cidade de Salvador existem 374 igrejas de fé católica e mais de mil terreiros de Candomblé, que é uma religião de matriz africana, “que diz muito sobre a nossa cultura, gastronomia, sobre a identidade do povo bahiano”. Continua, indicando que “em Salvador temos o sincretismo religioso que une religião de fé católica com a africana. A festa do Senhor do Bonfim, que é a das fitinhas, é na segunda quinta-feira do ano, vai da Conceição da Praia, que é a primeira igreja católica de Salvador, durante seis quilómetros, onde as pessoas se vestem todas de branco.” E destaca Carolina Montoro que “todos vão, independentemente da sua religião, quem abre esse cortejo são as Baianas do candomblé e quando se chega na colina sagrada, onde está a Igreja do Bom Fim, o pessoal amarra umas fitinhas no gradil da igreja, depois lava-se as escadarias da igreja, de forma a agradecer o ano que passou e o novo que está entrando, quem faz essa lavagem são as Baianas e depois tem uma missa do padre da Igreja de Nossa Senhora do Bom Fim e depois tem a festa que vai do sagrado ao profano ao longo de toda a cidade”.
“Quem vem para Salvador não vem só viver uma viagem, ela vem viver experiências”, evidencia a responsável.
Por Pedro Chenrim. A Ambitur viajou a convite da Solférias e da Air Europa.
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