(Com Air Europa e Solférias III) Salvador, a vírgula entre a Roma Negra e o Brasil

(Crónica de Viagem – parte III) Antes de partir para a Bahia tentei ouvir o que os influencers aconselhavam a quem viajava para Salvador. Achei interesse a alguém que aconselhava os pores-do-sol na cidade, aproveitando como spot os seus mais variados faróis, mas o programa não daria para qualquer um. Alguns foram passados numa carrinha feita à medida para o grupo, 13 lugares, enquanto voltávamos da inspeção de um qualquer hotel ou nos dirigíamos para o próximo resort onde ficaríamos instalados.

Entre o dia e a noite

O pôr-do-sol no Brasil é rápido, diferente do percecionado em Portugal. Entre março e abril além de se pôr pouco depois das 17.30h, na Bahia, o sol que nos aquece num instante, em poucos segundos desaparece quando se aproxima do horizonte.

Ao regressar da Ilha dos Frades fomos prendados com um acrescento no programa para um sun set, numa unidade hoteleira, e então pudemos ver a cidade de Salvador em transmutação do dia para a noite. Indiferente, o mar continuou a sua dança, ao seu ritmo, a espraiar-se pelas margens da cidade. A palete de cores do horizonte e edifícios altera-se. Algo em nós se transmuta também. Esta é uma noite especial na cidade.

Coincidiu a nossa visita e pôr-do-sol com a comemoração do 476º aniversário da cidade. Fundada em 29 de março de 1549 por Tomé de Sousa, esta está entre as cidades mais antigas continuadamente habitadas do continente americano e é a primeira cidade planeada do Brasil. Foi também a primeira capital do Brasil entre os anos de 1549 e 1763. O município de Salvador é considerado também o centro da cultura afro-brasileira no Brasil.

Com 693 quilómetros quadrados de área, tem um território peninsular limitado no litoral pela Baía de Todos-os-Santos a oeste e pelo Oceano Atlântico a leste. O Centro Histórico de Salvador, iconizado nos arredores do Largo do Pelourinho, é conhecido pela sua arquitetura colonial portuguesa com monumentos históricos que datam do século XVII até o início do século XX, tendo sido declarado como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1985. Palco de um dos maiores carnavais do mundo (maior festa de rua do mundo) a cidade pertence hoje à Rede de Cidades Criativas da Unesco como “Cidade da Música”.

Durante o dia é visita imperdível em Salvador a sua orla, onde pontilham os faróis e o elevador Lacerda que nos leva para a visita ao Pelourinho, que para além da cultura e história nos oferece comércio local e internacional, bares e restaurantes e o Olodum.

O Olodum é uma instituição cultural brasileira fundada por pessoas do Maciel-Pelourinho, área de Salvador. Foi fundado em 1979 como bloco do carnaval de Salvador como opção de lazer aos moradores daquela área e, desde 1983, constitui-se também como uma organização não governamental (ONG) do movimento negro brasileiro e de atuação sócio-comunitária. Desenvolve ações de combate à discriminação racial, estimula a autoestima e o orgulho dos afro-brasileiros, defende e luta para assegurar os direitos civis e humanos das pessoas marginalizadas, na Bahia e no Brasil.

De entre as atividades sociocomunitárias, mantém a escola de tambores Escola Criativa Olodum e o projeto social Rufar dos Tambores, o grupo de teatro Bando de Teatro Olodum e o de dança. Nas atividades empresariais estão a Fábrica de Carnaval, a Butique Olodum, a Banda Olodum e a estrutura carnavalesca associada ao Bloco Afro Olodum. Este é um movimento que permite aos visitantes uma interação com os instrumentos musicais nas ruas do pelourinho.

Para José Barreto, o que não se pode perder em Salvador, “são as nossas festas, por exemplo, hoje, dia 29 março, a cidade faz 476 anos, já nasce festeira. Temos como descendentes africanos uma etnia chamada nagô trazida forçada para o Brasil, que eram conhecidos pela sua alegria, eram guerreiros alegres. Tudo em Salvador tem alegria, tudo em Salvador gera orgulho, é chamada a cidade da luz, a cidade dos tambores e tantos outros títulos, ao nível da gastronomia e dança.” Na Bahia, as etnias africanas mais presentes e influentes, especialmente no passado, foram os iorubás (nagôs), seguidos por outros grupos como os jêge (ewe e fon), fanti-axanti (mina) e os malês (muçulmanos), que tiveram um papel importante na história da Bahia.

Farol da Barra

Indica Maria Carolina Montoro, Assessora da Secretaria de Cultura e Turismo na Prefeitura Municipal de Salvador, que Salvador tem toda uma parte cultural e histórica única, com património cultural recuperado no Centro Histórico, com passeios que se podem fazer a pé, com restaurantes, artesanato, arquitetura colonial portuguesa, entre outros. “Temos uma cidade musical, a chancela da música, em cada canto tem uma festa, em cada canto tem um tambor. É possível fazer aulas de repercussão por exemplo com o Olodum que foi projetado mundialmente pelo Michael Jackson. Com a Timbalada que é um movimento tribal que o Carlinhos Brown está à frente”. Timbalada é uma banda brasileira formada em 1991 em Salvador por Carlinhos Brown. Com seu som característico do timbal, instrumento que dá nome ao grupo, desde a sua formação encantou multidões e espalhou seu sucesso pelo mundo. Sua música mistura gêneros musicais como samba-reggae, axé, e ritmos regionais, tais como tamanquinho, aremba, pixote, charminho, tunk, funk ijexá, indiado e magalhenha. É uma das atrações do tradicional Carnaval de Salvador.

O novo estilo musical: Arrocha

Mas a noite caiu em Salvador, a luz esmoreceu, mas a vontade de continuar a viver não.

A noite na Bahia terá muitas opções, umas mais místicas, outras mais tradicionais, na Praia do Forte o Restaurante “Souza” tornou-se uma referência para alguns elementos do grupo. Um boteco/restaurante à entrada da rua principal do vilarejo brinda os presentes com música ao vivo, ali se ouve músicas letradas, histórias cantadas, mostrando-nos o jeito e afinação que este povo tem para a canção. Não falta Caymmi – na Costa do Sauípe, na sua “vila”, deparei-me com a Rua Dorival Caymmi, e com a seguinte inscrição “Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem. A Bahia tem um jeito, que nenhuma terra tem” – não falta Elis Regina – com o seu “O Bêbado e a Equilibrista”, não faltam Novos Baianos – com a sua incrível musicalidade do “Mistério do Planeta”: “Vou mostrando como sou e vou sendo como posso, jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos…” Não falta boa música, bons acordes, mas interpretações que nos fazem admiração perante quem as canta, mas também admiração pela língua portuguesa ter uma expressão tão grande, maior do que aquela em que os mais puristas de enterram. Há quem dance, novos e menos novos, como se tivessem o ritmo do mar no corpo, às vezes calmo e brando, outras das vezes sob o efeito de uma tempestade.

Arembepe

Em Arembepe a música é outra. Arembepe, no município de Camaçari, na Bahia, a 60 quilómetros de Salvador, é conhecida pela sua comunidade e aldeia hippie que acolheu desde Mick Jagger, Janis Joplin ou os Novos Baianos em plena ditadura. Ali atuaram numa destas noites Revelação e Thiago Aquino, aparentemente o último grande sucesso da região a ver pela recetividade do público. Se Revelação nos motiva a “Deixa acontecer naturalmente”, Thiago Aquino é o representante máximo de um novo género musical deste estado brasileiro, o Arrocha. O seu significado informal será abraçar com força, algo que visualmente se poderia perceber nos dançantes. Musicalmente, pelo que deram a entender os ritmos e acordes, este estilo será como uma fusão dos fios que continuam na tal rua de Salvador, numa conexão de axé, forró e talvez mesmo funk. No entanto, este não é um circuito aconselhado para os visitantes externos, apesar de não ser considerada favela oficialmente, não deixa de ter a mesma aparência e aparente perigosidade. O concerto ocorreu sobre a maior tranquilidade, entre famílias com bebés e gangues que se perfilavam em fila indiana ao entrarem no recinto, este pejado de Polícia Militar e Bombeiros Militares, alguns hippies por lá circulavam, assim como os habitantes desta terra, sendo esta a realidade deste país.

Por Pedro Chenrim. A Ambitur viajou a convite da Solférias e da Air Europa.

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