Congresso ADHP: “Turismo tem que sair das dimensões do lazer e recreio e entrar no que nos permitirá esmagar a sazonalidade”
Durante o XIX Congresso da ADHP, no Algarve, Carlos Costa, professor doutor da Universidade de Aveiro, apresentou um estudo do mercado de trabalho para o setor do turismo, encomendado pela Secretaria de Estado do Turismo e pelo Turismo de Portugal. O responsável lembrou que o turismo é um setor de trabalho intensivo no qual os recursos humanos são o centro das operações. Por isso, alertou, é fundamental pensar qual a política de recursos humanos que o país quer.
O orador admitiu que o turismo tem uma dimensão excecional, em Portugal e no mundo. Mas também apontou que, muitas vezes, os próprios órgãos governamentais afirmam que o setor é fundamental embora se verifique que “não tem a força política que deveria ter no nosso país”. Sendo o turismo o combustível para alimentar o motor, Carlos Costa considera que é importante pensar se temos motor para o turismo ou se as receitas do setor estão a ser aproveitadas devidamente.
Lembrando que na altura da troika, foi o turismo que tirou o país da crise, e que agora depois da pandemia é o setor que está a crescer mais rapidamente, o docente refere que “temos um setor fundamental que pode e deve puxar pelo resto da economia”. Mas faz questão de frisar: “tem que puxar de uma forma diferente”. Isto porque, diz, temos um turismo de praia, com poucas articulações horizontais para as outras atividades económicas. “E aí falhámos”, alerta, recordando que, em outros países, como o Reino Unido ou a Áustria, já nem se fala tanto em turismo mas de uma “economia dos visitantes”, e da capacidade que essa economia tem para conseguir fazer movimentar o país.
Por isso, Carlos Costa defende que se queremos ter um setor forte no futuro, é necessário dar “um salto em frente” e assumir que o turismo não é meramente aquilo que ficou definido nas décadas de 60/70, como o setor do lazer e do recreio. “O turismo tem que ir mais longe, sair das suas dimensões do lazer e do recreio e entrar no que nos permitirá esmagar a sazonalidade e aumentar os efeitos multiplicadores”. Até porque, refere, “o turismo pode e deve ser um elemento de qualificação da vida dos países e de melhoria da vida dos cidadãos, se tivermos políticas que entrem nessas diferentes áreas”. Há pois que “reposicionar o turismo como um fenómeno social e civilizacional; se não passamos sempre a ser o setor da «língua da sogra» e da «Bola de Berlim»”.
Por outro lado, o orador afirma que se queremos que o turismo não se concentre apenas no seu core business – hotelaria (um setor que considera pivotal) e restauração – “temos que alargar a cadeia económica e fazer com que o turismo chegue às outras aéreas”. E aí, aponta, “conseguimos fazer o que o atual secretário de Estado do Turismo, Nuno Fazenda, afirma: o pensamento do turismo como espaços de território e como fator de coesão territorial”.
O que nos transporta para uma terceira dimensão, da sustentabilidade, que é igualmente fundamental, alerta Carlos Costa. “O grande objetivo é, em regiões como o Algarve, o Alentejo e o Centro, associar o turismo ao ambiente”, explica, pois “cada vez mais a dimensão ambiental vai ser crítica nos processos de decisão”.
As conclusões do estudo
O estudo auscultou 4898 pessoas, das quais 1259 trabalhadores no ativo na área do turismo, e 3639 estudantes.
As primeiras conclusões retiradas do estudo apontam para que 85% dos trabalhadores e 96% dos alunos afirmam estar felizes na área. No entanto, a nível de segurança, apenas 57% dos trabalhadores e 51% dos estudantes confirmam sentir-se seguros neste setor. Quando questionados sobre se pretendem abandonar a área, apenas 55% dos trabalhadores afirmam que não, o que significa que um em cada quatro poderão abandonar o setor onde trabalham. Conclusão, aponta Carlos Costa, “o grau de realização nesta área é elevado; no entanto, temos que olhar para dimensões como a segurança e a vontade de sai deste setor”.
Relativamente à imagem do trabalho na área do turismo, quando inquiridos sobre por que razão trabalham no setor, “a imagem positiva tem a ver com o facto de as pessoas acharem que o turismo lida com pessoas, com culturas”, explica o docente. A dimensão negativa está associada aos salários que, globalmente, são relativamente baixos, admite o responsável, estando encostados ao salário mínimo, apesar de ter dado um salto grande nos últimos tempos e de várias cadeias hoteleiras definirem patamares mínimos de salários. Mas, alerta Carlos Costa, não é meramente a remuneração que está em cima da mesa, pois os horários são complicados. “E aqui está o novo caminho que temos de começar a trilhar”, indica o orador. A verdade é que é preciso atrair talentos para esta área e, “com algumas restrições que temos, dificilmente conseguiremos”.
Outra questão analisada foram as condições de acesso à profissão, e Carlos Costa explica “vamos ter dificuldade em regressar a um sistema regulamentado e rígido”, face ao que temos atualmente a nível da Comissão Europeia. “Temos que encontrar soluções alternativas, nomeadamente porque o turismo lida com recursos públicos, que não têm preço, e por isso tem que haver algo que faça com que o sistema se regule”. Por isso, o docente adianta que “o que apontamos é que poderemos vir a ter no futuro o sistema de autorregulamentação e esta autorregulação deve partir das próprias regiões, porque cada região tem economias e produtos diversos”. Carlos Costa acredita pois que deve prevalecer o que já existe noutros países, o conceito de DMO (Destination Management Organization), organizações de gestão do destino que devem combinar o que temos com as entidades regionais de turismo e às quais devem ser acopladas associações profissionais e juntar-lhes também o ensino e a investigação.
Por Inês Gromicho, no Congresso da AHP, no Algarve.