Conselheira Ambitur: “Temos que estar aptos a imediatamente captar mercados que já estão aptos a viajar para Portugal”

Perceber que estratégia está a ser adotada para uma retoma do setor do turismo e de que forma deve Portugal posicionar-se neste processo de retoma é o objetivo da Ambitur.pt. Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, deixa-nos a sua visão sobre o atual momento do setor enquanto Conselheira Ambitur.

Tem Portugal, e a União Europeia, atualmente uma estratégia institucional para uma eventual retoma da atividade turística ou este é o momento de a definir? Quais deveriam ser os pilares da mesma?
Tem havido uma preocupação recorrente, desde abril de 2020, em que todos os Estados Membros fizeram um Plano para a Recuperação do Turismo a nível europeu. Nessa altura, o Comissário Europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, disse que o turismo iria beneficiar de programas de liquidez do Banco Central Europeu, e que seriam mobilizados cerca de oito milhões de euros de financiamento para as 100 mil PME’s europeias afetadas. Estávamos numa altura em que a intenção era o apoio direto às empresas. Depois veio-se dizer que era necessário ir mais longe com um plano de recuperação industrial europeu para todos os ecossistemas, o famoso quarto pilar. Era necessário rapidez de execução.

Este ano, em janeiro de 2021, mais uma vez veio-se dizer que já não era só sustentar as empresas mas havia um outro objetivo, que era agir no curto prazo mas também impulsionar o investimento para a transformação do turismo num turismo verde.

Podemos dizer que há estratégias, e que há uma intenção da Comissão Europeia no sentido de dedicar uma parte muito substancial da sua atenção ao turismo, de uma maneira que se estima integrada.

No entanto, como sabemos, tem havido, da parte individual de cada Estado Membro, orientações e políticas distintas e até, muitas vezes, em contraciclo com aquilo que vem sendo a intenção a nível europeu – encontrar uma voz única para se falar. Agora, mais uma vez, em fevereiro e março, veio-se dizer que é necessário que haja um conjunto de recomendações que sejam seguidas por todos os países da União Europeia para haver uma reabertura concertada.

Há uma intenção, sim. Plano, ainda não. Em março, quando a secretária de Estado do Turismo português esteve no encontro dos ministros europeus, foram debatidos planos para uma harmonização de regras para as viagens e a governante deu nota, e Portugal colocou na agenda, do ponto de solicitar à Comissão Europeia que ajuste instrumentos financeiros e que estes correspondam às necessidades específicas de cada Estado Membro. É necessário ajustar os instrumentos financeiros porque há de facto graves problemas de liquidez a curto prazo, que se possam traduzir depois em medidas individuais, porque cada Estado Membro tem as suas “dores” específicas.

Mas vamos encontrar aqui regras comuns para a reabertura de fronteiras. Neste momento, estão-se a desenhar essas estratégias institucionais mas não há uma política europeia de turismo. O que é importante é que haja esta estratégia, que já está bastante definida, mas ainda não estão definidos os critérios para a concretização da reabertura.

Por um lado, a sustentação financeira que leve a um alargamento das medidas e extensão no tempo e rapidez, para que se possa encontrar a recuperação do turismo em cada Estado Membro. A União Europeia é o principal destino turístico do mundo e deve, de facto, ter uma posição concertada. Os dois pilares são estes: o apoio financeiro e uma estratégia concertada para a reabertura dos países europeus às viagens.

Como deve Portugal posicionar-se no curto prazo, antevendo uma retoma da atividade turística? Há, por outro lado, uma necessidade de um trabalho conjunto entre o tecido empresarial?
É fundamental haver três planos e uma correta execução dos mesmos. Um plano de desconfinamento, que vai sendo reajustado. Depois é necessário que o plano de vacinação corra por forma a conseguirmos ter o grosso da população vacinada e imunizada. Neste momento, a aspiração europeia é que toda a população esteja vacinada no fim do verão. E, em terceiro lugar, um plano de promoção – o posicionamento de Portugal tem a ver com isto. Tendo um setor totalmente exposto às viagens internacionais, é fundamental irmos buscar as viagens internacionais para relançar o turismo. O plano de promoção que tem de ser coordenado pelo Turismo de Portugal tem de ser muito assertivo e saber quais são os mercados que este ano vão estar a viajar. Tem de ser um tiro certeiro. Sabemos que as viagens de longo curso não vão ocorrer, nem as transcontinentais, e que o turismo se vai fazer mais a nível interno e regional, dentro das regiões da Europa. Por outro lado, temos de perceber que Portugal tem uma fortíssima condicionante, que são as viagens aéreas: 60% das viagens internacionais são feitas por avião e em Portugal são 90%. Sabemos que os aviões e as companhias aéreas estão ainda todos em terra. O que leva a que este plano de promoção tenha de ser muito assertivo na captação de quais vão ser as primeiras rotas e as primeiras companhias aéreas a descolar. Sabemos da reação imediata quando o Reino Unido anunciou em fevereiro a abertura de fronteiras. Temos que estar aptos a imediatamente captar mercados que já estão, quer pelo grau de vacinação, quer pelas próprias companhias aéreas, aptos a viajar para Portugal. E são estes três planos que vão determinar a reabertura.

O trabalho coletivo do tecido empresarial, e do tecido associativo, é fundamental. É necessária uma conjugação de esforços entre os vários tipos de componentes do turismo, que é uma atividade compósita. Há que compreender que as pessoas não vêm para ficar apenas em hotéis. A animação turística, a cultura, o desporto e da vivência do espaço exige que haja uma integração grande entre as várias empresas.

Quais os entraves que considera ser necessário mitigar para que não haja barreiras a esta retoma da atividade turística no país?
Uma vez que as viagens dependem particularmente da confiança, que vai depender do grau de vacinação e das condições sanitárias que o país oferece, a primeira condição é que haja uma execução do plano de vacinação e do plano de desconfinamento coerentes. Em segundo lugar, a comunicação. Pode haver uma grande barreira à retoma da atividade turística se, efetivamente, a comunicação continuar a acentuar o mal que tem corrido este ou aquele programa, ou atividade. Há uma necessidade de uma comunicação real, verdadeira, mas a olhar para o “copo meio cheio”, para o lado positivo: o que se está a fazer e a passar em Portugal relativamente ao combate à pandemia e à vacinação; termos um país preparado, porque temos as infraestruturas turísticas preparadas para serem vistas como lugares seguros. A comunicação tem que funcionar não como uma barreira mas como uma alavanca para o posicionamento da retoma da atividade turística do país. Estas barreiras de comunicação e de posicionamento só se mitigam se houver uma preocupação grande com o cumprimento do plano e o ajustamento às regras de desconfinamento, conforme indicadores objetivos e claros. A hotelaria não abre as portas de um dia para o outro. Neste momento, temos as nossas atividades turísticas, e os hotéis em particular, maioritariamente encerrados, com quase 100% dos trabalhadores em lay-off. Tem que haver um programa com regras e métricas claras para que se possam planear as atividades a médio prazo. Isso não aconteceu no último confinamento.

Nota: A Ambitur conta, desde março de 2020, com um conjunto de Conselheiros que partilham connosco as suas visões sobre questões da atualidade no setor do Turismo. Os nossos Conselheiros Ambitur são, neste momento: Jorge Rebelo de Almeida (CEO da Vila Galé), José Theotónio ( presidente da comissão executiva do Pestana Hotel Group), Manuel Proença (presidente do Grupo Hoti Hotéis), Miguel Quintas (CEO do Consolidador.com), Frédéric Frère (CEO da Travelstore), Vítor Filipe (presidente da TQ Travel Quality e ex-presidente da APAVT), Raul Martins (presidente da AHP e do conselho de administração do Grupo Altis), Francisco Teixeira (CEO da Melair Cruzeiros), Bernardo Trindade (administrador do PortoBay Hotels & Resorts e ex-secretário de Estado do Turismo), José Lopes (diretor da easyJet em Portugal), Eduardo Jesus (secretário Regional de Turismo e Cultura da Madeira), Francisco Pita (CCO ANA Aeroportos), José Luís Arnaut (presidente-adjunto da Associação Turismo de Lisboa), Cristina Siza Vieira (presidente executiva da AHP), Mafalda Bravo (Country Manager Portugal Ávoris) e Maria João Rocha de Matos (diretora geral FIL e CCL).