Conselheiro Ambitur: “A saída desta crise deverá ser um processo progressivo e diferente em cada país”

A Ambitur está a ouvir os Conselheiros Ambitur sobre a possibilidade de uma retoma já nos próximos meses. Frédéric Frère, CEO da Travelstore, fala-nos também do impacto do atual contexto no setor da distribuição e das alterações que podemos esperar ao nível do consumidor.

A evolução do atual contexto pandémico em Portugal, onde a vacinação está a ser implementada e já se verifica uma diminuição do número de infetados, poderá levar a uma previsão de retoma da atividade turística a partir de maio/junho deste ano? Será esta uma retoma homogénea na Europa?
Com toda a franqueza, esta crise veio reforçar a obrigação que todos nós temos em manter uma postura humilde perante fatores que não controlamos. Eu sou bastante otimista relativamente ao regresso à normalidade dentro de algum tempo mas sinceramente não me arrisco a fazer previsões sobre quando isso irá acontecer. Acho sim que, ao contrário do que acontece no final de uma guerra, em que a paz é decretada e todos vão para a rua festejar, a saída desta crise deverá ser um processo progressivo e diferente em cada país. A Europa poderá finalmente promover procedimentos homogéneos relativamente a regras sanitárias para a indústria do turismo e das viagens mas os resultados deverão ser diferentes de país para país porque entrará em linha de conta a gestão que cada um terá feito da epidemia.

No momento de recomeçarem a viajar, os consumidores irão observar os indicadores da epidemia nos seus destinos de eleição e, se estes não mostrarem uma situação controlada ou próxima de o estar, então os viajantes irão escolher outras alternativas. Isto, no meu entender, significa que a retoma será tímida nos primeiros meses – espero que a partir de meados de maio, início de junho – para se intensificar nos meses seguintes. O que também me parece é que iremos, durante muitos mais meses ainda, continuar a respeitar medidas de segurança sanitária, como o uso de máscaras em recintos fechados e distanciamento fisico, até conseguirmos recuperar a nossa forma de vida anterior à pandemia.

É, por isso, muito importante que Portugal consiga demonstrar que tem a crise controlada ou, pelo menos, com níveis marginais de incidências, mesmo que isso signifique manter algum sacrifício de curto prazo. Na altura da retoma, não são as campanhas de comunicação – a não ser para se partilhar indicadores positivos – que irão repor os viajantes nos aviões – seja para entrarem em Portugal ou viajar para fora – mas sim exclusivamente os indicadores da epidemia que cada um pode facilmente consultar.

Que impactos se anteveem no setor da distribuição turística mundial e nacional? Que dúvidas e certezas existem no atual momento?
Como todos sabemos, esta crise tem um impacto calamitoso sobre todas as empresas da indústria do turismo e quanto mais tempo ela durar, maior será a probabilidade de assistirmos a alterações significativas no setor. De momento, penso que temos por um lado as empresas que se colocaram em modo de hibernação, reduzindo os custos ao máximo e sobrevivendo graças às ajudas estatais e moratórias de todo o tipo – isto em vários países – à espera que se assinale o fim do intervalo para reativarem o seu negócio. Arrisco-me a dizer que o acordar poderá ser difícil porque, no momento da retoma, serão várias as exigências com que se vão confrontar estas empresas: exigências de tesouraria que poderá não estar disponível, exigências de competitividade e alterações de tendências dos consumidores que só a transformação digital irá permitir endereçar.

Por outro lado, temos empresas de maior dimensão que não têm outra alternativa senão investir na sua capacidade de sair da crise mais fortes, seja por via de processos de M&A, de reinvenção do negócio, de aceleração da sua transformação digital e de adaptação às novas exigências dos consumidores. Paralelamente, julgo que vamos também assistir a uma aceleração no alcance da maturidade de várias startups cuja conjuntura extremamente disruptiva vai potenciar os seus respetivos modelos de negócio.

Relativamente a dúvidas, diria que uma das principais é as empresas saberem se vão poder continuar a contar com a ajuda dos seus parceiros – Estado incluído – porque as ajudas existentes não devem desaparecer mal se notar a retoma da atividade mas sim durante muitos mais meses após a mesma, e isto porque os verdadeiros desafios irão surgir nessa altura, na altura em que terão que voltar a recrutar, a dispor de tesouraria suficiente para suportar a atividade, a voltar a investir no marketing para reconquistar os seus clientes.

Que alterações podem ser esperadas ao nível do consumidor?
Penso que temos que forçosamente distinguir os vários tipos de consumidor que intervêm na industria do turismo com T grande. Para resumir vejo assim: a) um consumidor de lazer que vai procurar experiências mais autênticas, mais “artesanais” vs “industriais” – um dos lados positivos desta crise é que nos devolveu alguns valores de base que andavam esquecidos, a importância da família, da amizade, da solidariedade, da natureza e dos prazeres simples da vida. b) um consumidor de viagens de negócio cuja empresa irá questionar o investimento numa viagem para uma reunião presencial vs uma reunião digital, naturalmente sai sempre muito mais barata assim com menos nociva para o meio ambiente. A reação que imagino a estas tendências é, por exemplo, de companhias aéreas que irão, a prazo, investir numa melhoria significativa da experiência da viagem para atrair os viajantes, assim como de uma mais rápida transição para energias limpas e combustíveis muito menos poluidores, desativando assim o argumento meio ambiental das empresas. Penso que os hotéis irão também preocupar-se muito com a boa experiência de um viajante de negócio um pouco mais raro, a quem convém lembrar que viajar é também viver. c) um consumidor de eventos que vai exigir fazer tudo o que a covid lhe impedia de fazer, socializar presencialmente e com o menor distanciamento possível.

Nota: A Ambitur conta, desde março de 2020, com um conjunto de Conselheiros que partilham connosco as suas visões sobre questões da atualidade no setor do Turismo. Os nossos Conselheiros Ambitur são, neste momento: Jorge Rebelo de Almeida (CEO da Vila Galé), José Theotónio ( presidente da comissão executiva do Pestana Hotel Group), Manuel Proença (presidente do Grupo Hoti Hotéis), Miguel Quintas (CEO do Consolidador.com), Frédéric Frère (CEO da Travelstore), Vítor Filipe (presidente da TQ Travel Quality e ex-presidente da APAVT), Raul Martins (presidente da AHP e do conselho de administração do Grupo Altis), Francisco Teixeira (CEO da Melair Cruzeiros), Bernardo Trindade (administrador do PortoBay Hotels & Resorts e ex-secretário de Estado do Turismo), José Lopes (diretor da easyJet em Portugal), Eduardo Jesus (secretário Regional de Turismo e Cultura da Madeira), Francisco Pita (CCO ANA Aeroportos), José Luís Arnaut (presidente-adjunto da Associação Turismo de Lisboa), Cristina Siza Vieira (presidente executiva da AHP), Mafalda Bravo (Country Manager Portugal Ávoris) e Maria João Rocha de Matos (diretora geral FIL e CCL).