Conselheiro Ambitur: “Se não for o Estado e a Comissão Europeia a proteger o nosso turismo quem é que o há-de fazer?”

Manuel Proença, presidente do Grupo Hoti Hoteis, volta a marcar presença na Ambitur.pt enquanto Conselheiro Ambitur. Aqui ficam os seus comentários.

De acordo com o seu conhecimento, quão complexa é hoje a realidade das empresas turísticas nacionais, seis meses depois após o confinamento e com o findar dos meses de verão?
O momento do setor turístico é extraordinariamente complexo e o mais desafiante da sua história. Pela dimensão e pela sua importância na economia portuguesa o impacto no setor foi brutal, tornando a atual situação num verdadeiro desafio para todos: empresários, gestores, trabalhadores e o próprio governo.

A indústria do turismo está baseada na mobilidade e na confiança dos clientes, dois requisitos que foram profundamente afetados pela pandemia, agora com níveis de transmissão alarmantes em todo o mundo. Os requisitos de distanciamento social e a incerteza sobre o vírus, fizeram com que o mercado tivesse entrado em colapso.

Neste contexto, a hotelaria e outras atividades do setor viram-se na necessidade de repensar o negócio e o serviço a prestar, com a implementação de procedimentos inovadores, para garantir a redução do contacto social – reduzindo ao mínimo o contacto entre o staff e os hóspedes – ao contrário do que era anteriormente praticado.

Ao nível da tesouraria e gestão, qual o impacto já quantificável provocado pela pandemia e o que pode significar para o futuro das empresas?
Afortunadamente a queda das receitas do Grupo Hoti Hoteis foi menor do que a média do setor, porque temos pouca exposição ao turismo de sol e praia.

Em termos de gestão financeira o presente exercício está a ser extremamente exigente, uma vez que a indústria hoteleira apresenta uma estrutura de custos predominantemente fixa. A agilidade e flexibilidade são críticas para garantir a sobrevivência das empresas. O esforço de reduzir ao mínimo os custos operacionais, proteger a caixa, para garantir liquidez para cumprir com as responsabilidades, sem colocar em causa a nossa credibilidade, são agora críticos.

Não podemos destruir o capital e o emprego que a indústria conseguiu criar e que posicionou Portugal como um país de eleição no setor do turismo. Temos que aguentar a capacidade instalada para respondermos mais tarde à retoma. Reconhecidamente temos vantagens competitivas e poderemos rapidamente recuperar, ultrapassada a crise sanitária. Acredito que o nosso turismo terá sempre um grande futuro.

O que antecipa relativamente aos próximos meses no negócio?
A incerteza e a imprevisibilidade sobre a evolução do mercado é total. Temos um inverno pela frente com índices de procura equiparáveis ao lock-down do 2° trimestre deste ano. Fazer planos a mais de uma semana é um desafio. Acreditamos que a situação tocará no fundo, até surgir a vacina para a COVID-19. Depois teremos uma recuperação muito difícil, lenta e dolorosa, que necessitará de tempo e de dedicação, com grande espirito de sacrifício dos agentes do setor para recuperar a confiança dos consumidores. Temos que nos preparar para o pior, esperando o melhor.

O que é imprescindível que seja feito ao nível do Quadro Legislativo e Financiamento por parte do Governo?
Se não for o Estado e a Comissão Europeia a apoiar o nosso turismo quem é que o há-de fazer?

Depois da hecatombe do turismo, precisamos de recuperar o setor com o esforço de todos. O governo tem tido um papel fundamental e positivo no combate a esta crise pandémica. A importância deste setor para recuperação económica e social do nosso País é relevantíssima.

O mecanismo de Lay-off simplificado foi um excelente instrumento de proteção do emprego e da capacidade “produtiva” instalada, pelo que é muito importante a sua reposição antes da próxima época IATA de inverno. A manutenção dos postos de trabalho vai estar muito dependente deste instrumento de apoio.

A WTTC acaba de lançar um plano coordenador para salvar o turismo e proteger milhões de postos de trabalho – agora ameaçados – antes de meados de outubro. Precisamos de medidas idênticas para evitar o desemprego massivo.

As linhas de apoio à tesouraria “COVID-19”, garantidas pelas Sociedades de Garantia Mútua (SGM) foram importantes para manter o funcionamento da economia. Deverá ser monitorizada a necessidade de reforçar este mecanismo até final do ano.

As moratórias bancárias estão a ser vitais para garantir a sustentabilidade do sistema financeiro e para proteger o tecido produtivo. É preciso prolongar por mais alguns meses o período das moratórias, uma vez que a retoma não vai ser concretizada como inicialmente previsto.

No âmbito do Orçamento de Estado Retificativo, aprovado em julho passado, na Assembleia da República, foi aprovada a suspensão do pagamento das rendas percentuais sobre as vendas com mínimos garantidos, nos estabelecimentos comerciais e de restauração, localizados em Centros Comerciais. Este benefício deveria ser alargado às empresas de hotelaria, durante o período de vigência das moratórias. E sem isso, muitas delas não resistirão à falência no próximo ano.

Um conjunto de medidas de apoio foram apresentadas pela CTP, salientando, o Plano de Retoma do Turismo Português, o Apoio à Retoma Progressiva, o Sistema de Apoio ao Emprego e Empreendedorismo, o Plano de Sustentabilidade para o Turismo 2020-2030, e a Visão Estratégica para Portugal incluíndo o turismo na proposta do Prof. Costa e Silva, esperando-se agora a sua implementação.

O nosso turismo tem que voltar a ser um motor da nossa economia. Para isso, é preciso uma boa cooperação e cumplicidade entre o Estado e o setor do turismo.

Nota: A Ambitur conta, desde março de 2020, com um conjunto de Conselheiros que partilham connosco as suas visões sobre questões da atualidade no setor do Turismo. Os nossos Conselheiros Ambitur são, neste momento: Jorge Rebelo de Almeida (CEO da Vila Galé), José Theotónio ( presidente da comissão executiva do Pestana Hotel Group), Manuel Proença (presidente do Grupo Hoti Hotéis), Miguel Quintas (CEO do Consolidador.com), Frédéric Frère (CEO da Travelstore), Vítor Filipe (presidente da TQ Travel Quality e ex-presidente da APAVT), Raul Martins (presidente da AHP e do conselho de administração do Grupo Altis), Francisco Teixeira (CEO da Melair Cruzeiros), Luís Alves de Sousa (sócio gerente do Hotel Britania e ex-presidente da AHP), Bernardo Trindade (administrador do PortoBay Hotels & Resorts e ex-secretário de Estado do Turismo), José Lopes (diretor da easyJet em Portugal) e Eduardo Jesus (secretário Regional de Turismo e Cultura da Madeira). Em breve irão juntar-se a este painel mais um conjunto seleto de Conselheiros.