O setor do turismo está a retomar, gradualmente, alguma da sua atividade. Ambitur.pt quis saber, junto dos Conselheiros Ambitur, que alterações se podem prever no que diz respeito ao produto turístico e à distribuição, bem como quais as oportunidades com que o mercado se depara no atual contexto. Frédéric Frère, CEO da Travelstore, partilha connosco a sua visão.
Que mudanças pode trazer o atual contexto na distribuição/ comercialização do produto turístico em Portugal?
Julgo que vamos assistir a mudanças bastante significativas no setor da distribuição do produto turístico em Portugal. Penso que, com o tempo, os níveis e padrões de consumo irão progressivamente voltar aos valores pré-Covid mas esse tempo vai ser bastante mais longo do que se poderia inicialmente imaginar. Como para um computador, as empresas estão atualmente em modo standby, ou seja, vivendo de algumas reservas de tesouraria e beneficiando de apoios que lhes permitem sobreviver durante uns tempos, consumindo a energia mínima. Mas ,a certa altura, quando a atividade comercial recomeçar, irão ter que voltar a pressionar o botão “on” e, nessa altura, vão perceber que as vendas estarão muito aquém do que eram em 2019 mas com uma estrutura de custos não dimensionada para essa nova realidade. O risco de fragilidade sistémica de muitas das empresas do setor irá, em princípio, levá-las a procurar soluções de todo o tipo que deverão mexer com a sua estrutura acionista para evitar o risco de falência ou de debilidade crónica.
Há oportunidades para consolidações no mercado?
Penso que a consolidação é incontornável e que muitas empresas serão vendidas ou irão fundir-se entre elas. Julgo que os próprios parceiros financeiros das empresas (bancos) terão todo o interesse em encorajar esses movimentos que tipicamente permitem libertar sinergias que contribuem para otimizar a rentabilidade das empresas e reforçar as suas contas. Mas apesar destes movimentos obrigarem à diluição do capital detido pelos acionistas ou sócios gerentes, eles terão efeitos de longo prazo positivos, tornando as empresas mais sólidas e mais competitivas, contribuindo assim para a valorização acionista de longo prazo.
Este é um momento que pode ser encarado para um maior profissionalismo na gestão das empresas?
Isso é para mim uma certeza! Quando tudo corre bem, tendemos a nos acomodar e a criar gorduras mas a adversidade e os obstáculos obrigam-nos a redobrar a imaginação (foi o caso durante a crise financeira que acabou por ser benéfica para o país…) e a procurar maior eficiência. Estou convicto de que muitas empresas têm estado a repensar os seus negócio (pelo menos têm tido tempo para isso…), a sua proposta de valor, os seus processos internos, a sua relação com os stake holders, a começar pelos colaboradores e obviamente os clientes. Todos os ciclos económicos recessivos têm dado origem à reengenharia dos negócios acabando por ter efeitos de longo prazo positivos.
O que não ficará como dantes?
Se deveria nomear um só aspeto que acho não ficará mais como dantes é o do formato de trabalho, pelo menos para um conjunto de profissões. Até à crise Covid, muitas empresas desconfiavam do teletrabalho achando que o trabalhador à vista produz mais e melhor do que o trabalhador longe da vista. O teletrabalho forçado (e em condições particularmente difíceis com toda a família em casa, filhos pequenos barulhentos, etc..) terá acabado de vez com esse tabu, demonstrando que nos é possível trabalhar com qualidade e produtividade em casa, desde que aplicando algumas regras básicas. No caso do grupo Travelstore, há já cerca de cinco anos que praticamos extensivamente esse formato pelo que, para nós, será mais uma acentuação e afinação do modelo do que uma mudança. De resto, acho que iremos assistir à acentuação de algumas tendências mas não verdadeiramente a uma revolução e à mudança radical nos padrões de consumo.
De que mudanças ao nível internacional se apercebeu e considera que poderão ter impacto em Portugal, na distribuição/comercialização turística?
Considero esta crise como mais uma oportunidade para Portugal se destacar pela positiva e conquistar quota de mercado. Como sabemos, Portugal já vinha beneficiando de uma imagem internacional positiva nos últimos anos e esta reforçou-se, de alguma forma, através de uma gestão bem sucedida durante o que chamo a primeira etapa da crise Covid. Sublinho este aspeto da primeira etapa porque, infelizmente, a crise Covid não terminou e agora compete ao país demonstrar consistência nas suas atuações e, no meu entender, continuar a apostar na maximização da segurança sanitária. Seria um erro enorme sacrificar a segurança sanitária em nome do interesse económico da indústria do turismo porque, caso as coisas corram mal, todo o capital de confiança que teremos adquirido se irá evaporar tão rapidamente como a epidemia se instalou. Concretamente, isso significa, por exemplo, que devemos harmonizar os procedimentos de entrada dos visitantes internacionais (não residentes) e seguir o exemplo da Madeira que obriga ao rastreio do vírus à chegada dos viajantes. O ideal seria, naturalmente, que isso se faça na partida mas com a condição de todos os países aplicarem essa norma e de Portugal recusar visitantes oriundos de países que não o façam. Outro aspeto que julgo merecia ser bem refletido nesta conjuntura disruptiva é o de acentuar o posicionamento de Portugal como um destino “high end”, orientado para um consumidor que valoriza segurança, fraca densidade turística, autenticidade e genuinidade, simpatia e disponibilidade e que está disposto a pagar por isso.