Covid-19 e o Setor dos Vinhos: “Temos que nos reinventar todos os dias”

Os efeitos que a pandemia causada pela Covid-19 estão a ter são à escala global. E é precisamente neste quadro de incertezas que a Católica-Lisbon e a Escola Superior de Biotecnologia do Porto (UCP) promoveram, esta quinta-feira, um debate sobre a “Covid-19: Impacto e Futuro no Setor dos Vinhos”.

O cenário traçado pelo presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, Gilberto Igrejas, é de que, neste quadro epidemiológico, não é possível prever o futuro, visto que o impacto é enorme: “Todos os agentes económicos foram devastados” numa primeira fase, faltando “mecanismos” para “responder ao quadro” em que a atual conjuntura se encontra. Além disso, a “confiança” dos mercados e do próprio setor do vinho é uma questão que também preocupa todos os setores: “As previsões não eram e não são otimistas”, afirma o responsável, realçando que foram várias as “mutações imprevisíveis” que o mundo não estava preparado e “não tinha respostas no imediato” para dar.

Gilberto Igrejas

Neste quadro de incertezas, Gilberto Igrejas destaca a necessidade de se pensar sobre o futuro deste setor e de outros, assim como os “pressupostos” sobre quais as “melhores estratégias” para “debelar este quadro pandémico” naquilo que diz respeito à “economia do mercado”. 

E num panorama de “imprevisibilidade” como é que o setor dos vinhos reagiu? Gilberto Igrejas começa por destacar as “live” que decorreram com grande frequência nas redes sociais, as “atualizações de websites” de várias marcas, a “utilização das plataformas existentes para entrega e vendas”, o “acesso gratuito à informação” e o reforço na realização de “webinars” de forma a transmitir “proximidade” entre os vários agentes e potenciais consumidores.

E num tecido fundiário na região do Douro que é marcado por pequenas e médias empresas, o responsável realça que o cenário é ainda mais preocupante: “Os vinhos do Douro estão dependentes do mercado nacional. E se este mercado teve uma forte quebra no canal HORECA é indicativo que estes vinhos vão ter uma maior quebra quando comparado com o vinho do Porto, onde os principais mercados são de exportação”. As quebras são ainda mais significativas para os pequenos produtores: “Não têm a resiliência de ter mercados muito próprios de nível internacional”.

No que diz respeito às tendências, aquelas que parecem ter um forte dinamismo e que continuam a evidenciar relevância, prendem-se com a  questão da “sustentabilidade”, principalmente a ambiental e a social, o “data intelligence e Business intelligence, a “vulgarização das ferramentas digitais” que se revelaram “essenciais” na estratégias de relacionamento com os consumidores e a “globalização da culinária” onde se associou o “mercado do vinho com a gastronomia”, refere. Nestas tendências, as exigências do consumidor devem ser tidas em conta. Gilberto Igrejas começa por realçar a “higienização” que obrigou à implementação de novas estratégias, como o selo “Clean & Safe” que tem como foco “atrair um novo turismo à região”, sendo as “pessoas” as principais responsáveis pela “dinamização do território”. Um fator que também pode vir a estar associado ao comportamento do consumidor prende-se com o “menor poder de compra” associado a “compras menos impulsivas” e a “compra de produtos mais baratos”, diz. Já a “diminuição de viagens” é visto pelo responsável como um fator que em muito tem contribuído para o “decréscimo de toda a cadeia de valor que nós queremos potenciar desde a vinha ao copo”.

A perda de peso dos Vinhos Premium, a perda de peso do canal HORECA, menos turistas, menos visitas, menos viagens de promoção, feiras e concursos e as dificuldades de exportação são as principais ameaças que o setor do vinho se depara daqui em diante. No entanto, Gilberto Igrejas realça que num cenário de crise, há igualmente oportunidades, destacando desde logo a necessidade da “criação de um novo modelo de enoturismo”, o “reforço do consumo em casa” das “vendas online” ou de “vendas em garrafeiras de confiança”. Assim, “definir um novo caminho para o setor do vinho” é algo que deve ser debatido, até porque, “a humanidade vai continuar e nós vamos ter uma resolução para este problema”, sustenta. 

Adaptação a uma nova realidade

George Sandeman

Na visão do administrador da Sogrape Vinhos, George Sandeman, o setor vitivinícola é muito importante a vários níveis, sendo um impulsionador de vários postos de emprego e ao nível das exportações e que m

uito se deve ao trabalho feito nos vinhos portugueses: “Hoje, temos alternativas ao vinho do Porto”, dando como exemplo o vinho do Douro, do Alentejo ou o Verde.

Para além da Covid-19 ter sido um fator de aceleração de muitas áreas, nomeadamente da tecnologia, George Sandeman realça também aquele que será o novo normal nos mercados, destacando desde logo, os “entraves da abertura em muito países da União Europeia”, limitando ainda mais o canal HORECA, ou a retoma “ténue” do turismo. Mas, dentro deste novo normal, a Covid-19 está a acelerar outros problemas de acesso aos mercados-chave: “O Brexit (no Reino Unido) vai acontecer numa saída sem acordo; nos Estados Unidos da América, a disputa das tarifas entre a Airbus e a Boeing é só o princípio de muitas outras; na China, o mercado fechado e de acesso difícil vai prejudicar as exportações; na Rússia, uma nova legislação que pode criar uma grande barreira em exportação dos vinhos da Europa; e no Brasil, as barreiras não tarifárias”.

Além da aceleração, George Sandeman acredita que a Covid-19 expôs uma série de condições existentes –  algumas positivas e outras menos positivas – mas que “exigem que o setor do vinho na Europa e em Portugal resolva as suas diferenças e trabalhe em conjunto nos seus problemas comuns”, sendo vital  este “adaptar-se a uma nova realidade” com os “líderes do setor a liderar”.

“Criação de valor e internacionalização e promoção nos mercados externos”

Bernardo Gouvêa

Bernardo Gouvêa, presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), não tem dúvidas que o atual contexto está a criar “enormes dificuldades” aos produtores e às empresas, acreditando que se agravará para os vitivinicultores. Segundo o responsável, o fator de incerteza agravou-se, para o setor, entre maio e junho, devido à imprevisibilidade no combate à pandemia em Portugal e no mundo, em paralelo com fatores imprevisíveis de interdependências de mercados e das expectativas dos agentes económicos, quanto à situação económica e previsão, não havendo um “carter fiável da presente campanha”, realça.

Esta imprevisibilidade, faz com que o IVV continue a “ajustar todos os instrumentos de apoio ao setor e todas as decisões administrativas necessárias para fazer face aos efeitos” da Covid-19, tendo em linha de conta que “as circunstâncias são muito dinâmicas do fenômeno económico-social”, afirma.

No que concerne aos pontos de maior preocupação, o responsável sublinha que é fundamental “manter a estratégia de criação de valor para viticultura e indústria” criando “condições favoráveis a que o preço da matéria-prima não desvalorize” em face de uma campanha com custos acrescidos. Além disso, e de igual importância, é “manter a estratégia de reforço da competitividade dos agentes económicos” com especial destaque para a “internacionalização” garantindo o “reforço e aumentando a flexibilidade dos apoios à promoção”, refere.

Sendo um momento de mudança de muitos paradigmas, o responsável destaca que no que diz respeito ao nível dos vinhos já se assiste a várias transformações: “O IVV está em linha com o que se passa na indústria, na agricultura e no mercado, procurando adaptar todos os nossos recursos na salvaguarda da criação de valor e a defesa da nossa internacionalização e promoção nos mercados externos”.

“Portugal tem um consumo per capita enorme e muito se deve ao turismo”

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, começou por salientar as quebras “expectáveis” no mercado nacional. As “pequenas empresas” foram as que sofreram o maior impacto, uma vez que “muitas não vendem nas grandes superfícies” e os seus canais de venda principais – Canal HORECA e venda à porta – foram reduzidos. Embora as vendas online tivessem sido uma reação positiva, o responsável diz que “não compensou nem de perto nem de longe as grandes quebras”.

Algo que parece bastante claro para Frederico Falcão é a grande dependência do turismo no setor dos vinhos: “Portugal tem um consumo per capita enorme e muito se deve ao turismo”. 

A promoção do setor em 2020 é algo que merece preocupação por parte da ViniPortugal: “Temos que nos reinventar todos os dias”, sublinha o responsável, destacando as várias limitações que agora o setor se depara. A “forma tradicional de promover” que passavam pelas “provas ou feiras”, implicando “presença física” de pessoas é algo que já não é possível acontecer, refere, destacando que “ainda que seja possível juntar pessoas”, há sempre um “sentimento de desconfiança” de quem visita, além de que, pode tornar-se num “risco” promover ações que se “tornem focos de infeção”. Também as “barreiras e restrições na circulação de pessoas” originando “menos voos e menos cargas aéreas”, limitam várias ações, refere, exemplificando o cancelamento de grande eventos e feiras. De forma a manter “presença nos mercados estratégicos”, a ViniPortugal tem reformulado todos os eventos, quer em webinars, quer nas provas com envio de garrafas para casa, por exemplo.

Em jeito de conclusão, o presidente da ViniPortugal realça igualmente a necessidade de aumentar “flexibilidade dos apoios à promoção”, esperando que em “2021 voltemos a uma certa normalidade e que consigamos ter grandes crescimentos nas exportações dos vinhos portugueses”.