Covilhã: A herança da lã em cada esquina

Há quanto tempo não vai à Covilhã? Não de passagem a caminho da Serra para ir ver a neve, mas ir e ficar – há quanto tempo? Se a sua resposta for “há mais 10 anos”, aceite a nossa sugestão e vá conhecer o mosaico de arte urbana espalhado pelas paredes do centro histórico. Visite o património industrial transformado em espaços de cultura e, sim, dê um salto à Serra da Estrela para a ver com outras cores e refrescar-se nas lagoas.

O bando de andorinhões que Pantónio pintou na lateral de um prédio na Rua Direita, na Covilhã, no âmbito do Wool Fest em 2016, é mais que uma colorida decoração mural. Dizem-nos da organização do festival que o artista açoriano foi buscar “inspiração sonora” à curta-metragem documental “Da meia-noite pro’ dia”, da então estudante de cinema da Universidade da Beira Interior (UBI), Vanessa Duarte.

O doc aborda o abandono da indústria têxtil na Covilhã e o som estridente dos andorinhões – diferentes da andorinhas – que na primavera e verão invade a cidade, é uma constante em todo o filme.

Constante também, onde quer que se vá, é o passado da cidade ligado ao fabrico da lã. A Covilhã chegou a ter 200 fábricas a funcionar em simultâneo, hoje são apenas duas ou três. A partir dos anos 90 a crise ditou a falência da indústria e durante muitos tempo estes espaços permaneceram ao abandono, como lembrança edificada.

A primeira instituição a dar uso às fábricas vazias foi a UBI, que as aproveitou para aí instalar polos da universidade e também o Museu de Lanifícios. Esta é, aliás, uma visita a não perder para quem quiser aprofundar o conhecimento sobre esta industria têxtil na região.

Depois disso outros usos foram sendo encontrados. Na fábrica António Estrela nasceu em 2013 o New Hand Lab, que é um laboratório criativo e galeria que acolhe artistas cujo trabalho está ligado de alguma forma à lã. Há projetos para converter outras fábricas em residências universitárias mas há, sem dúvida, muitos espaços vazios à espera de novas ideias e investimento.

Como quase tudo na cidade, também o local onde nos hospedamos, o Sport Hotel, tem raízes na indústria têxtil. O apelido Brancal é célebre na cidade. Apesar de manter a atividade industrial e mais de 30 lojas de fios de tricot por todo o país, quando a atividade começou a decair, Manuel Brancal, agora com 91 anos, quis diversificar os seus negócios e voltou-se para o imobiliário e o turismo, explica Ana Morais, da direção comercial do grupo. Assim nasceu a Imobiliário Manuel Brancal que hoje está transformada no grupo Natura IMB Hotels, com cinco unidades na Beira Interior e uma forte componente de bem-estar.

O Sport Hotel é uma dessas unidades. Nasceu da transformação do antigo Covilhã Parque Hotel, abriu as portas em 2018 com 132 quartos e a piscar o olho aos desportistas. Um ginásio completo, SPA, alternativas saudáveis ao pequeno-almoço e várias experiências físicas estão disponíveis para os hóspedes.

Experimentamos uma aula de Pilates logo de manhã, que nos preparou para a caminhada da tarde. Os mais audaciosos (e bem-preparados) podem aceitar o desafio Walk or Run Up e subir as escadas do hotel até ao 11º piso, a andar ou a correr, ficando o ranking disponível numa aplicação no lobby do hotel.

A sustentabilidade é algo a que o grupo hoteleiro dá muita atenção. Todos hotéis (dois na Guarda, dois da Covilhã e um em Unhais da Serra) têm reciclagem e carregamento para veículos eléctricos gratuito para os clientes. Organizam periodicamente ações de apanha de lixo e de reflorestação que envolvem colaboradores, clientes e também a população. O Hotel Lusitânia, na Guarda, tem uma horta biológica com mais 1000m2 que abastece todas os hotéis com frescos bio.

O primeiro investimento do grupo IMB foi o Clube de Campo da Covilhã, com campos de ténis, squash, piscina e o restaurante Dabeira. Este continua a ser um com local para experimentar as especialidades da terra, como o cabrito assado. Uma boa notícia para os hóspedes dos hotéis na cidade é que podem usar esta piscina à vontade.
Para fugir das altas temperaturas da Covilhã, a 600 m de altitude, outra alternativa é subir à Serra, que nesta altura do ano é “outra serra”, de cor e vida. O guia de montanha Nuno Adriano percorre os caminhos da Serra da Estrela desde os dois anos, quando se mudou de Lisboa para a Covilhã, a terra dos pais.

Guia-nos por entre os imponentes blocos colunares, uma paisagem geológica que não existe noutro lugar em Portugal, chamando a atenção para a vegetação resistente e as flores da estação. Do promontório granítico a que chamam Cântaro Raso podemos ver o vale glaciar do Zêzere que, no máximo da glaciação, atingiu 13 km e uma espessura máxima de 300 metros, números que são difíceis de visualizar quando olhamos para o imenso vale agora verde. “Era a maior língua glaciária da Serra da Estrela”, explica o guia com entusiasmo.

Passamos pelas Salgadeiras, que são um conjunto de charcos pouco profundos que no pico do verão acabam por secar. Mas neste momento vibram de vida com os coaxados das rãs e relas. Na serra da estrela todas as lagoas permanentes estão acima dos 1500 metros de altitude. São cerca de 12. A Lagoa Chafariz d’El Rei formou-se entre maciços rochosos devido à ação dos glaciares durante a última era do gelo. Guarda as águas da chuva e do degelos e as água são cristalinas e, sim, muito frescas.

Perante a informação largada por Nuno Adriano de que “2050 é a data expectável para o fim da neve em Portugal” é inevitável ficar a pensar, enquanto voltamos de carro à cidade, que mudanças poderá esse fenómeno trazer à paisagem e, já agora, à economia local.

Impacto na paisagem, urbana neste caso, provocou sem dúvida o Wool Fest, que este ano assinala já dez anos. O roteiro de arte urbana alcançado ao fim de uma década é já muito apetecível: são mais de 30 obras em grande formato e uma dezena de pequenas dimensões, de artistas portugueses e estrangeiros. Os murais tornaram-se uma atração na cidade e um marco para os fãs de arte urbana.

Quanto à temática dos trabalhos, Pedro Seixo Rodrigues, arquiteto e membro da equipa do Wool Fest, explica que é pedido aos artistas que tenham em atenção a história da cidade, a cultura, as suas gentes. Então, é uma lição de história da Covilhã que obtemos quando fazemos o passeio devidamente acompanhados. Se tiver interesse, pode contatar a organização através das redes sociais e agendar a visita.

A edição deste ano arranca no dia 24 e vai até 4 de julho. Com um programa alargado à música, exposições, residências artísticas e ações comunitárias, o Wool convidou desta vez o português Daniel Eime, a espanhola Marta Lapeña e The Cave para deixar as suas impressões nas paredes da Covilhã. Do Uruguai vai chegar também a dupla Colectivo Licuado, que recebeu o desafio de trabalhar o tema da 1.ª Expedição Científica à Serra da Estrela, em agosto de 1881, organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa.

Acha que vale a pena esperar pela neve para ir à Covilhã?