“É importante as pessoas participarem na vida associativa”

A liderar a direção executiva da Associação da Hotelaria de Portugal desde 2010, Cristina Siza Vieira assume que o desempenho da entidade neste momento está conseguido e os hotéis reconhecem o valor de estarem na AHP. Em entrevista, a jurista é categórica: “é importante que as pessoas considerem a vida associativa como uma parte do dever cívico”. Sobre as expetativas para a tutela atual, a mensagem também é clara: “É urgente intervir na matéria do alojamento local, Portugal tem vindo, e continua, a negar o problema”.

Como olhava para o setor associativo turístico antes de entrar para a AHP?
Não tinha ideias preconcebidas, era um setor novo para mim e um desafio.

Cristina siza vieiraO que esperava encontrar na AHP, aquando da sua entrada. Qual o primeiro desafio?
De facto esperava o que encontrei, muito potencial, mas uma associação muito apagada. Havia um projeto pensado, que era o TTT, muito interessante teoricamente, ainda pouco estruturado e ausente de suporte financeiro associado e esse foi o maior desafio. Foi muito duro, em um ano e meio, pôr de pé um projeto que em termos de conceito era interessante mas sem pés, sem realidade, não tinha adesão. Era um projeto que precisava de parceiros e a forma interessante de o mostrar, foi explicar que era um projeto que permitiria estar no terreno, fazer formação, partilhar conhecimento, captar o interesse de outros setores que interagem com a hotelaria e sensibilizar estudantes e professores.
O TTT facultou isto mesmo e ainda nos dotou de competências tecnológicas. Hoje é um projeto claramente ganho. Apesar de já não estar a ser suportado por apoio comunitário, continua bem vivo. Só no ano passado tivemos mais de 300 aderentes à plataforma e no nosso Knowledge Center temos mais de 2000 documentos.

Que outras realidades encarou a AHP até hoje?
Acho que o desempenho da associação, o seu entrosamento e enraizamento, neste momento está conseguido, os hotéis reconhecem o valor de estarem na associação. Este é um desafio difícil porque as pessoas em Portugal têm de facto pouco espírito associativo quando com outros países, quer de matriz anglo-saxónica, quer de matriz mais românica.
É importante as pessoas participarem na vida associativa, é uma forma de estar na rés pública sem ser, por exemplo, através de um partido político e isto é relevante.

Cristina siza vieiraOlhando para as diferentes tutelas com que teve de lidar, o que ficou de cada uma delas?
É minha convicção pessoal que o exercício de funções públicas é sempre digno de registo e de agradecimento. Trabalhei com uns mais proximamente, como o Eng. Correia da Silva, profundo conhecedor da área; o Dr. Alexandre Relvas que trouxe profundas alterações quer no regimente de financiamento ao turismo e na criação de instrumentos típicos da banca neste setor aproveitando muito bem a primeira vaga de verbas comunitárias, quer na ligação a cultuura, quer finalmente no processo de licenciamento dos empreendimentos turísticos. Aqui, foi uma verdadeira revolução administrativa/burocrática: a descentralização para as câmaras municipais das competências de licenciamento e libertar a Direção Geral do Turismo de várias tarefas burocráticas. Outra grande revolução foi preparada pelo Eng. Luís Correia da Silva e foi concretizada pelo Dr. Bernardo Trindade que foi o turismo residencial. Estes momentos são marcantes. No caso de Bernardo Trindade, a secretaria de Estado conseguiu mexer em várias áreas, não apenas na hotelaria, mas nas agências de viagens, na animação turística, numa ligação ao território muito profunda, portanto, foi também dessa perspetiva uma secretaria de Estado marcante.

Como é/deverá ser a relação da AHP com as outras associações turísticas e com a CTP? Para onde estas relações deveriam caminhar?
Neste momento há um pressuposto que já está ganho, todas as associações consideram que a CTP é a casa comum e tem uma função de concertação de interesses e de representação. Uma confederação não é uma associação, não deve ser representante nem negociar por um interesse particular, deve efetivamente procurar um bom entendimento entre os vários subsetores que representa e que o papel institucional e de representação lhe caiba por direito, não ocupando nem tentando diminuir o papel que as associações têm e a CTP tem-no sabido fazer bem.
Quanto às associações setoriais, as nossas relações são cordiais. A meu ver, devia-se ganhar algumas sinergias, entre as associações nacionais e as regionais, por um lado, e por outro, entre as que trabalham subsetores específicos. Creio que poderíamos ganhar algumas sinergias se tivéssemos mais presente o que é o objeto de cada um, uma melhor definição do nosso espaço de intervenção e o que é melhor trabalhado pela AHP enquanto associação nacional.

Cristina siza vieiraQuais as expetativas para a tutela atual? O que precisa o setor da tutela?
Sou suspeita, mas ao mesmo tempo somos todos. Temos expetativas muito elevadas porque estamos a lidar com uma pessoa com uma experiência profissional grande. Há pouco falava das três secretarias de Estado mais marcantes por razões que têm a ver com experiência, competência profissional e conhecimento da área. Os que não conhecem a área, podem trazer uma forma diferente de olhar, que até valoriza o seu trabalho, mas nunca intervêm em profundidade. Com a Dra. Ana Mendes Godinho temos várias circunstâncias, é uma pessoa conhecedora de diversas áreas, passou pela DGT, trabalhou na Inspeção do Trabalho, foi vice-presidente do Turismo de Portugal, das Sociedades de Capital de Risco, esteve no gabinete do Dr. Bernardo Trindade, portanto, conhece tudo quanto são os setores e subsetores, conhece muito bem o território, ou seja, diria que se alguma coisa lhe faltasse, e eu não considero que falte, era ser empresária, como outros foram
É urgente intervir na matéria do alojamento local, Portugal continua a negar o problema, todas as outras cidades europeias, já estão a implementar soluções. Portanto, a primeira expectativa é que, com equilíbrio, mas sem medos, se olhe para a área do alojamento turístico em Portugal, primeiro do alojamento local e depois também no RJET. A AHP lamenta profundamente que as propostas que tenha feito não tenham visto a luz do dia, as alterações que a lei teve são até antieconómicas, foi uma lei que se fechou à inovação. Para nós diretamente, pensando na hotelaria, estes são dois desafios que a secretária de Estado tem que abraçar.
Cristina siza vieiraO outro desafio, que já começou, é a questão de fazer chegar financiamento a áreas do país onde os financiamentos comunitários não chegam e tentar perceber o que queremos fazer. Tem-se dito muito que não vamos intervir nem apoiar a construção, mas cuidado, apoiar construção não, mas nem tudo pode ser só reabilitação. Neste momento está tudo a apostar na reabilitação, mas a reabilitação é sobretudo urbana (…).

Leia a entrevista na íntegra na Edição Nº290 da Ambitur.