Entrevista I: “É tempo de colocarmos a economia alinhada com o tempo da política e democracia”

Perceber quais os principais desafios que o setor da hotelaria em Portugal enfrenta e terá pela frente, num futuro próximo, foi o mote da Grande Entrevista da edição 340 da Ambitur a Bernardo Trindade, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). O dirigente associativo, e ex-secretário de Estado do Turismo, admite cautela nas previsões dos resultados do setor, apesar de admitir que a confiança do cliente regressou. Reconhecendo que as medidas do Governo durante a pandemia evitaram “uma catástrofe nacional”, o empresário hoteleiro alerta que este apoio tem de continuar no atual contexto, e que é fundamental “alinhar o tempo da política com o da economia”. Leia aqui a 1ª parte desta entrevista, que será publicada integralmente nos próximos dias.

 

Quais as previsões para a hotelaria no ano em curso, existindo já previsões consolidadas para os meses que faltam?

Este representa um ano de confiança dos nossos clientes. Mais rapidamente do que prevíamos e estamos em algumas regiões do país a bater recordes de proveitos, de dormidas e hóspedes. Mas não nos iludamos. Para prestar este serviço, um serviço reconhecidamente de qualidade, tudo está mais caro – a eletricidade e o gás, a cadeia alimentar, as diversas prestações de serviços, recursos humanos. Não é possível, neste momento, dizer categoricamente que o resultado das empresas, a última linha da demonstração de resultados, será positivo. Ver-se-á no fim, com cautela e muita prudência.

Outro aspeto importante: foram dois anos de pandemia que destruíram, em alguns dos nossos associados, a sua estrutura patrimonial e balanços. O ponto de partida para este ano era profundamente frágil, as estruturas patrimoniais das empresas hoteleiras, por serem de capital intensivo, eram muitíssimo frágeis, agravadas por dois anos praticamente sem nenhuma atividade.

Tem insistido que o Banco de Fomento, ou até à sua operacionalização a Caixa Geral de Depósitos (CGD) enquanto instrumento de política pública que visa a capitalização das empresas, deverá ter um papel de intervenção ao nível das despesas patrimoniais e balanços das empresas. O que se pretende em concreto?

O Banco de Fomento é um instrumento importante de política pública, com objetivos claros, em que exaltaria o olhar e observar e, em função de uma avaliação, capitalizar as empresas. O problema é que o tempo da política e da burocracia não está alinhado com o tempo da economia. O Banco de Fomento ainda não funciona. As pessoas que estão indigitadas para a liderança do Banco de Fomento ainda não têm autorização do Banco de Portugal para poderem exercer essa função. Por seu lado, a CGD é um banco que funciona em condições de mercado, detido a 100% pelo Estado português e é, por isso, também um instrumento de política pública.

Enquanto dirigente associativo interessa-me olhar para esta questão realisticamente e dizer duas coisas. A primeira é que a CGD, até que o Banco de Fomento possa cumprir o seu propósito, pode ser de facto um elemento que auxilie – em função da sua experiência, da sua expertise, da sua condição de banco estruturalmente bem capitalizado – a trazer um músculo às empresas do setor do turismo. Mas dizemos também outra coisa do ponto de vista estratégico e a longo prazo. Entendo também que a CGD e o Banco de Fomento, dois instrumentos de política pública, bem capitalizados, podem juntar-se neste objetivo. O juntarem-se neste objetivo pode passar pela entrada no capital do Banco de Fomento da CGD. Nada disto pode constituir de facto obstáculo, nada disto pode pôr em causa as questões de concorrência, por quanto toda a outra banca privada não tem instrumentos de capitalização das próprias empresas.

É tempo de colocarmos a economia alinhada com o tempo da política e democracia.

Urge essa resolução…

As empresas do setor do turístico têm graus de autonomia financeira, o rácio que relaciona capitais próprios com ativos, ou seja, são empresas alavancadas com presença de endividamento em excesso. Para termos empresas saudáveis, é preciso reequilibrar esta estrutura de capitais e o Banco de Fomento cumpre esse objetivo. Agora é importante que o Banco de Fomento nasça, renasça, que seja rapidamente colocado em prática. Porque nós não podemos perder mais tempo.

Estamos a ter um ano de 2022 muito bom, um ano de recuperação da confiança dos nossos clientes, mas nada nos diz que, para o futuro próximo, já para 2023, possamos manter estes níveis de crescimento. Ora, por essa razão, impõe-se a normalização destes instrumentos.

O vice-presidente do BCP afirmou, na VI Cimeira do Turismo Português, que o setor chegou a ter 4,2 mil milhões de euros de moratórias em abril de 2020, tendo recuperado totalmente, e no final de 2021 só teria 83 milhões de euros de moratórias (8% do total das empresas), hoje regularizadas. Acrescenta que este é um setor que já chegou a ter 4% de crédito vencido, em 2020 tinha 1,6%, hoje tem 1,2%. Que comentários lhe merecem este comentário?

Eu também venho do setor financeiro, de uma instituição de crédito, estas são profundamente pró-cíclicas, ou seja, procuram apoiar um conjunto de setores que, do seu ponto de vista, lhes parecem mais rentáveis. A banca não está para perder dinheiro, tem a confiança dos seus depositantes e tem a obrigação de fazer operações que façam sentido. Esses números demonstram uma recuperação fantástica que passou essencialmente por limpar uma carteira de crédito vencido que tinham nos seus balanços e, sobretudo e de alguma maneira, perceber como seria a evolução este ano. Essa indicação reforça a convicção que temos de que a CGD, sendo um instrumento de política pública, com um esforço muito grande no sentido de poder apoiar o setor do turismo, pode trabalhar em parceria com o Banco de Fomento de forma a suprir algumas das lacunas de uma instituição que está a nascer, num trabalho conjunto.

Quando acredita que poderá ver essa realidade, tendo em conta o contexto político do país e já tendo feito parte de um Governo, enquanto secretário de Estado do Turismo?

Com o meu percurso tenho de facto a vantagem de perceber como funcionam as instituições e estas têm um ritmo que não se compadece com o ritmo da economia e das necessidades das empresas. Por isso nós, de forma muito ponderada, reforçamos esta ideia.

Não sabemos o que vai acontecer em 2023, todas as perspetivas internacionais apontam alterações dos cenários registados este ano. Há um conjunto de incertezas que pairam no ar e obviamente que temos de agir.

Por Pedro Chenrim. Fotos de Raquel Wise.

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