Entrevista II: A dinâmica dos apoios do Governo “não pode parar”

Perceber quais os principais desafios que o setor da hotelaria em Portugal enfrenta e terá pela frente, num futuro próximo, foi o mote da Grande Entrevista da edição 340 da Ambitur a Bernardo Trindade, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Esta é a 2ª parte dessa entrevista.

Os resultados da hotelaria este ano serão atendidos devido a um grande aumento de rentabilidade. Ou que outros fatores lhe poderão ser atribuídos?

Na generalidade das regiões do país temos conseguido passar para o cliente o aumento de custos que tivemos na nossa estrutura de criação de valor. Isso é obviamente muito positivo. Significa que Portugal fez, ao longo dos últimos anos, um caminho que merece receber essa confiança. Mas atenção que ainda estamos a meio do percurso, ainda não integrámos toda uma estrutura de preços associada a uma prestação de serviços. Relativamente aos resultados finais das empresas, não de receitas, mas finais, esperaria mais algum tempo para me pronunciar.

Dionísio Pestana (na VI Cimeira do Turismo Português) diz que “de há um ano para cá, convertemos 70% da nossa divida, a longo prazo, a 15 anos, a uma taxa fixa de 2/3%”. As taxas de juro serão o grande problema da hotelaria ao nível dos balanços?

A questão do aumento das taxas de juro tem que ver com a vontade das instituições internacionais, dos Bancos Centrais, no fundo, conterem o efeito inflacionista. Sendo a inflação uma desvalorização monetária, utilizo a taxa de juro para poder normalizar algum efeito inflacionista. Acreditando nas instituições internacionais estas preveem, já para 2023, uma queda do valor da inflação.

Fazendo um comentário ao que o Dr. Dionísio Pestana disse, assistimos a um ato de gestão muito ponderado. No fundo, o Grupo Pestana tem mais de uma centena de hotéis, uma exposição no mercado imobiliário, que pode ser alavancada, e manda a prudência que possamos fazer duas coisas: por um lado, aumentar maturidades, por outro, estabilizar taxas de juro.

Nós não temos capacidade de prever o futuro mas o conjunto de informações que nos chegam de instituições internacionais credíveis diz-nos que a inflação no próximo ano possa retomar uma trajetória de decréscimo.

A dimensão dos grupos hoteleiros nacionais não permite medidas com esta racionalidade, até pela pouca dimensão internacional…

Excelente pergunta. O que está a dizer é que, não tendo a generalidade dos nossos associados, pequenas e médias empresas, acesso a instrumentos de financiamento como os grupos de maior dimensão têm, se impõe a presença de um Banco de Fomento capitalizado, CGD, Turismo de Portugal, no que diz respeito ao programa APOIAR, em que existe uma promessa do Governo relativamente ao seu prolongamento e à capacidade de converter parte dos empréstimos em montantes a fundo perdido em função de prémios de desempenho. São várias as dimensões que impõem de facto uma ação.

A economia no atual Governo tem capacidade para mostrar a agilidade que mostrou durante a pandemia?

É unânime, e estaria a ser extremamente injusto não reconhecer, que não fora o Governo em medidas como o Lay-Off Simplicado, Apoio à Retoma e o Apoiar para as PME’s, isto tinha sido uma catástrofe. Porque as empresas do setor manterem atividade com os hotéis fechados e com uma estrutura de despesa elevadíssima, senão tivéssemos tido os apoios, teria sido de facto uma catástrofe nacional.

Feito o reconhecimento, a nossa expectativa é que esta dinâmica não possa parar. Passámos a COVID mas temos hoje uma guerra na Ucrânia com implicações na nossa estrutura de despesa, temos balanços desequilibrados e precisamos do apoio do Governo.

Conheço muito bem a forma de funcionamento das instituições públicas, agora é fundamental que quem tem responsabilidade política cimeira possa, no fundo, alinhar o tempo da política com o da economia.

Alerta Augusto Mateus (VI Cimeira do Turismo Português) que continua a não existir (o existente é uma percentagem pequena) uma separação clara entre gestão dos ativos imobiliários e gestão do negócio hoteleiro. Como analisa esta questão?

O setor do turismo é profundamente atomizado. Mesmo o Grupo Pestana e o Grupo Vila Galé, com a dimensão que têm, têm percentagens de camas face ao todo nacional relativamente pequenas. Como é evidente, para se ganhar escala e ter dimensão que nos permita ser market makers ou ter alguma liderança no mercado, precisamos de escala. Essa questão da separação da gestão da componente do património inaugura uma abordagem que já tem alguns exemplos em Portugal, mas precisamos de mais. Este é um fator que está dependente quer do alargamento do negócio no espaço nacional, quer de estratégias de desenvolvimento de internacionalização, obviamente que isto se faz mais facilmente com escala.

Espero que esse tema seja discutido no nosso próprio Congresso.

Por Pedro Chenrim. Fotos Raquel Wise.

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