Entrevista III: “O Aeroporto da Portela precisa das obras para ontem”

Perceber quais os principais desafios que o setor da hotelaria em Portugal enfrenta e terá pela frente, num futuro próximo, foi o mote da Grande Entrevista da edição 340 da Ambitur a Bernardo Trindade, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Esta é a 3ª e última parte desta entrevista.

Já foi secretário de Estado do Turismo, num Governo que também teve como missão encontrar uma solução para o Aeroporto de Lisboa. É melhor seguirmos o conselho da atual secretária de Estado do Turismo e pensar como podemos potencializar os outros aeroportos do país?

Compreendo perfeitamente a posição da secretária de Estado do Turismo, também já o disse anteriormente aquando da perda dos slots da TAP no Aeroporto de Lisboa, que estes poderiam ser reaproveitados em outras infraestruturas aeroportuárias nacionais. Isso é uma matéria que a TAP deve estudar numa análise muito criteriosa; estive na TAP e sei bem que custa muito dinheiro colocar um avião no ar. Estando a TAP sobre forte escrutínio, isto tem de ser feito com muita cautela.

O Aeroporto de Lisboa como hub da TAP e como infraestrutura aeroportuária mais importante do país, não serve só Lisboa. Serve outras regiões do país e o negócio das companhias legacy, de bandeira. A TAP tem o hub em Lisboa, mas outras companhias de bandeira também fazem deste aeroporto as ligações ao seu hub, porque é nesta plataforma que elas conseguem fazer a redistribuição dos seus clientes.

Diria que devemos aproveitar as disponibilidades existentes nas outras infraestruturas aeroportuárias, mas digo também que o Aeroporto da Portela precisa das obras para ontem. O Aeroporto da Portela precisa de obras para poder ter mais estacionamentos, para poder assegurar uma melhor prestação de serviços a quem está a prestar serviços naquela infraestrutura, para os clientes que hoje são efetivamente mais exigentes. Este plano é do conhecimento do Governo desde há algum tempo, aquilo que exortamos é que concessionário e concedente se coloquem de acordo para avançarmos o quanto antes com essas obras.

Tendo participado (como secretário de Estado do Turismo) na reorganização institucional do Turismo, sob a égide do Turismo de Portugal, gostaria de um comentário seu sobre de que forma este poderia evoluir…

Em primeiro lugar, o sucesso do Turismo de Portugal deve ser atribuído aos seus colaboradores. Em segundo lugar, tínhamos bem a noção de que a reorganização que fizemos com a criação do Turismo de Portugal e com o terminar de instituições como o INFTUR, Inspeção Geral de Jogos, Direção Geral do Turismo e Instituto de Turismo de Portugal, juntando quatro culturas de organização e organizacionais de administração numa só, era um exercício ciclópico. Mas é das coisas que mais gosto de perceber é que, quer em termos nacionais, quer em termos internacionais, o Turismo de Portugal é considerado um exemplo. Juntámos na “casa comum do Turismo” um conjunto de culturas, práticas e objetivos que, de alguma maneira, muito contribuem para o sucesso do Turismo em Portugal.

Várias personalidades referem que o turismo interno no próximo ano não terá um suporte como o demonstrado este ano. A reação dos mercados alemão e inglês também levanta dúvidas. Há “nuvens negras” no horizonte em termos de mercados, como refere Jorge Rebelo de Almeida?

O ano de 2023 é ainda uma incógnita. Os sinais que nos chegam dos mercados emissores são, por um lado, positivos relativamente aos mercados dos EUA, canadiano e brasileiro, de outro modo, no caso da Europa, que como continente é o nosso principal mercado emissor, os sinais são mais contraditórios, mais prudentes. O mercado alemão, que é muito importante para regiões como o Algarve e Madeira, tarda em recuperar porque considera que há uma imprevisibilidade muito grande relativamente aquilo que vai acontecer na Ucrânia.

Considera que esta será a melhor altura (no momento de incerteza total) para privatizar a TAP? O que deve ficar salvaguardado?

A TAP é um instrumento vital para a economia nacional e para a economia do turismo. É uma companhia que foi fortemente escrutinada pelo Estado português, sofreu um plano de reestruturação muito duro, que culminou com a saída de 1600 pessoas. Tenho sido um defensor público da nossa companhia de bandeira. A circunstância de se poder estar a falar de uma reprivatização, num prazo tão curto, significa bem a importância e o interesse que a TAP tem enquanto companhia aérea, porque se ela não tivesse interesse nenhum, seguramente as manifestações de interesse num processo de aquisição não existiriam. Trabalhou-se de uma forma muito séria relativamente à companhia aérea nos últimos anos, porque o Estado português quis salvar a sua companhia de bandeira. Muitas opiniões aconteceram, muitas de forma ligeira e mal preparada pronunciavam-se sobre a empresa, nomeadamente vinculando que se fechava a empresa hoje para abrir amanhã, que poderia ser substituída por outra companhia qualquer. Nada disso. A TAP é hoje um instrumento de política para a economia do país e do Turismo, mas é também um instrumento de soberania na nossa relação com as regiões autónomas, com a diáspora. E há um aspeto absolutamente fundamental a manter num qualquer processo de privatização, que o hub da TAP se mantenha em Portugal e em Lisboa.

A ambição do setor da hotelaria e turismo em recrutar recursos humanos em outros países obriga a uma maior responsabilidade social das empresas, face a um passado? A própria secretária de Estado do Turismo refere que a hotelaria tem que considerar o alojamento destas pessoas.

O Turismo é o instrumento de coesão económico e social mais importante do nosso país. Olhemos para a quantidade de unidades hoteleiras, todas as formas de empreendimentos turísticos que existem, estes resultam do arrojo dos empresários e da vontade de investir em sítios onde provavelmente ninguém investiria. A questão da responsabilidade social está aí muito bem vincada. A atividade turística e a atividade hoteleira são também de mão-de-obra intensiva.

Estamos, neste momento, a fazer tudo o que é possível para manter as nossas estruturas de recursos humanos a funcionar. O tema da escassez de recursos humanos não é apenas português, é um tema à escala global. Há cadeias hoteleiras a operarem no estrangeiro que estão com 1/3 do seu número habitual de recursos humanos. O mercado do emprego em Portugal está pujante, temos cerca de mais 175 mil registos na segurança social e, durante este tempo da pandemia, o setor hoteleiro e turístico perdeu 45 mil. Temos de recuperar esses números. Estamos a fazê-lo a vários níveis. Por um lado, e os números já apontam nesse sentido, o setor turístico e hoteleiro lideram as taxas de crescimento das remunerações do fator trabalho, essa é a prova evidente que os empresários estão disponíveis para fazer face a essa necessidade. Mas temos de encontrar outras soluções. Foi por isso que exortámos e saudámos o Governo no sentido da retificação do acordo com a CPLP, porque vai trazer pessoas que falam a nossa língua a trabalhar em Portugal, este simplex atribui um visto imediato para uma pessoa que queira trabalhar em Portugal. Entendemos que isto não chega, porque estas pessoas chegam a Portugal com deficiências ao nível da prestação de serviços. Por isso, temos de ter um trabalho integrado, envolvendo os hoteleiros e o Instituto de Emprego e Formação Profissional, para suprir estas lacunas.

Por Pedro Chenrim. Fotos de Raquel Wise.

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