Entrevista: “O nosso objetivo é «fazer!»”

Na edição 340 da Ambitur, foi Pedro Costa Ferreira, presidente da APAVT e diretor-convidado da Ambitur, a fazer a Grande Entrevista a José Manuel Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores. Numa altura em que o Orçamento de Estado para 2023 ainda não tinha sido aprovado, e antes do debate na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre as propostas de plano e orçamento para 2023, e respetivas aprovações, o governante abordou a estratégia turística para o destino, o regresso à ATA e a reestruturação da SATA. O objetivo é que o turismo continue a crescer nos Açores, de uma forma sustentável.

Parece-me óbvio que este Governo tem uma Estratégia para o Turismo, quais os traços mais definidores desta estratégia?
A preceder esta estratégia há uma convicção que é objetiva, os Açores são um elemento e paradigma de desenvolvimento sustentável. O plano estratégico do nosso desenvolvimento turístico assenta, assim, no turismo sustentável, em toda a sua plenitude, associado ao ambiente, à economia, e à sustentabilidade da sociedade que recebe o fluxo turístico. Por isso, toda a estratégia corresponde a um reconhecimento da necessidade de incremento, com um verdadeiro horizonte e limitação quanto à condição de sustentabilidade turística.

Não embarcam, no entanto, nas ideias mais radicais de que deveremos começar a limitar turistas nos Açores?
Não, nem é este o estado da arte do turismo nos Açores. Estamos, agora sim, a desenvolver-nos enquanto destino turístico. Em função do elemento mais decisivo do nosso prestígio e da nossa capacidade de atração, que é a natureza, temos elementos de notoriedade reconhecida internacionalmente que muito nos dignificam e, obviamente, dão valor acrescentado à definição da estratégia. Também reconhecemos que estamos longe de qualquer limite e, portanto, de turismo a mais. Pelo contrário, temos ainda turismo a menos e os dados estatísticos revelam essa necessidade de incrementar a nossa capacidade instalada. Exatamente porque temos um reconhecimento absoluto de que não há um excesso turístico, não embarcamos nessa tese, antes procuramos uma distribuição pelas nove ilhas.

Sempre que falamos em turismo, nos Açores, o número nove é o mais importante de tudo, certo?
Sem dúvida. Nós entendemos os Açores como um todo de diversidade e de oportunidades a multiplicar por nove. A nossa estratégia também passa por sermos uma plataforma de acolhimento multiplicada por nove espaços. Não rejeitam turistas, do meu lado fico muito feliz por isso, mas por outro lado temos que crescer e gerir a pressão turística, isto significa com toda a certeza atrair um turismo de mais alto valor acrescentado. Este turismo exige sobretudo oferta mais qualificada, quer ao nível das infraestruturas, quer ao nível dos serviços.

Como pensa o Governo Regional contribuir para este progresso na oferta?
A nossa mensagem política também é muito importante na pedagogia dirigida ao investimento privado e ao sentido global da estratégia do nosso desenvolvimento e por isso mesmo os planos que estamos a desenvolver – Plano Estratégico de Marketing do Turismo dos Açores e Plano de Ordenamento Turístico – apontam para esta exigência e recomendação de uma clarificação pela excelência do acolhimento no domínio da hotelaria, quer na estruturação, quer na capacidade dos serviços e na qualificação, pela diferenciação, dos nossos recursos humanos. O nosso objetivo é «fazer!». No ano de 2022, na hotelaria, já atingimos um crescimento de receitas mais do que proporcional ao crescimento dos turistas. Agora queremos garantir mais rendimento a toda a cadeia de valor do negócio turístico. Isso passa pela exigência de qualidade na capacidade instalada, em todos os seus domínios: infraestrutural, serviço e oportunidades de experiência qualificada.

Tem alguma ideia da data de lançamento dos planos estratégicos que abordou?
Como dizem os anglo-saxónicos, «first things first». Por isso consideramos que devemos ter primeiro o Plano Estratégico de Marketing do Turismo dos Açores, cuja elaboração já está em contratação. Contamos tê-lo até ao final do primeiro semestre de 2023. Em sequência imediata teremos o Plano Regional do Ordenamento Turístico (PROT). Nesta fase estamos a viver e conviver com o Plano, que teve validade até 2021, mas que se enquadra com o atual estado da arte da Região enquanto destino turístico, não resultando problemas da extensão da sua utilização. Queremos fazer a reavaliação do PROT dos Açores já ancorado na estratégia de marketing que pretendemos.

Registo, ainda, a nota que não consideramos ter turismo a mais, tendo a noção que temos ainda turismo a menos, desde logo na definição da sua distribuição replicada pelas nove ilhas, mas também temos a clara noção de que precisamos de criar soluções de acolhimento que não sejam massificadoras, pretendemos ofertas de alojamento mais enquadradas no turismo de natureza e turismo rural e que sejam compatíveis com a ambiência urbanística e sustentabilidade ambiental.

A boa notícia é que o Governo está de regresso à ATA. O que é que este regresso vai significar na dinâmica da Associação, o que podemos esperar?
Por orientação estratégica e seguindo, igualmente, aquelas que são as regras de cofinanciamento nacional, comunitário e até no quadro do Turismo de Portugal é necessário que a Região seja membro de uma instituição associativa.

A ATA – Associação de Turismo dos Açores – deixou de incluir, por decisão do anterior Governo, a Região entre os seus associados, o que aconteceu devido a vários problemas na sua gestão.

Estamos a fazer uma avaliação criteriosa e rigorosa quanto ao estado da ATA, que conhecemos, pois temos vindo a acompanhar as suas assembleias gerais. Porque importa ter características mais ligadas com o futuro do que com o arrastamento do passado a ATA vai mudar os seus estatutos e o seu nome. Dessa alteração resultará a admissibilidade da Região Autónoma dos Açores enquanto associado.

Ajuda a virar a página…
Exatamente. Este é um assunto que está em estudo, não há uma decisão ainda tomada porque os próprios associados estão a fazer esta evolução e a apresentar contas. O Governo, perante essa evolução estatutária, a boa prestação de contas, e uma redefinição do próprio posicionamento da nova entidade que surgirá da aprovação dos seus estatutos, apontando para a admissibilidade da entrada da Região, terá de assumir uma disponibilidade para ser o autor de uma estratégia inteligente, racional e verdadeiramente abrangente sob o ponto de vista da característica regional, obviamente, com a auscultação de todos os stakeholders numa definição de estratégia participada. É essa a minha característica de governação. Estamos para integrar a ATA, mas não é ainda uma decisão.

Existe alguma ideia de quando é que podemos pensar ter trajeto concluído e termos um novo organismo a funcionar normalmente, com o Governo integrado e os restantes stakeholders?
Gostaria, o que seria sinónimo de sucesso, que fosse o mais depressa possível. Seria muito útil, associado à definição do Plano Estratégico de Marketing de Turismo dos Açores, termos já uma solução associativa para depois dar corpo e concretização ao mesmo. Portanto é meu objetivo e do Governo, oxalá que com estas redefinições da antiga ATA, que estão em curso, do seu saneamento, digamos assim, e de viragem de uma página de um passado menos feliz para a abertura de um futuro virtuoso, podermos fazer parte desta solução.

A visão da APAVT, relativamente ao histórico recente da SATA, não pode ser mais positiva – recuperação económica, credibilização da operação, relacionamento absolutamente transparente com as agências de viagens, isso é algo que nos apraz de uma forma especial. Há quem defenda que um dos trunfos de toda esta evolução, além da qualidade de gestão, esteve também na capacidade de independência desta administração face ao poder político e há até quem atribua o mérito deste último facto ao senhor Presidente. Quer comentar?
Comento com gosto e com orgulho. Era decisivo, no nosso entendimento, que a SATA, no seu conjunto e por isso também no negócio da Air Açores, fosse sustentável e não continuasse no risco em que ficou, ameaçada por exigências comunitárias, dada a falta de cumprimento das leis da concorrência, e de uma gestão danosa de um passado recente. Com o plano de reestruturação, com credibilidade, quer por parte do acionista Região, quer por parte do Conselho de Administração da Empresa, junto da Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia, abriu-se um horizonte para cumprir a aposta de salvar a SATA. O plano de reestruturação está em curso. Estão a ser demonstradas evidências do seu cumprimento progressivo no calendário de execução determinado pela própria Comissão Europeia.

Estamos a trabalhar arduamente e com grande zelo na concretização das ações previstas no plano de reestruturação, nomeadamente numa, que é para nós decisiva: acertar a nova orgânica societária do Grupo SATA, isto é, separar as áreas de negócio. Ver as que são efetivamente sustentáveis e aquelas que estão submetidas a cumprimento de obrigações de serviço público compatíveis com subvenção pública indemnizatória do défice de exploração, como a que recebe a SATA Air Açores pelas ligações inter-ilhas, em transparência máxima e através de um concurso internacional ao qual concorreu e o qual ganhou.

A Região, ao contrário do passado, está a fazer um enorme esforço para cumprir o pagamento a tempo e horas das devidas compensações indemnizatórias relativas ao cumprimento das obrigações de serviço público por parte da SATA Air Açores. O Grupo SATA, como se sabe, inclui, para além da SATA Air Açores, a SATA Azores Airlines, que faz as ligações dos Açores ao exterior, quer com o Continente português, quer com a Madeira, quer também com o estrangeiro no contexto da União Europeia e fora da mesma, e a SATA Gestão de Aeródromos, que gere Aeródromos em diversas ilhas dos Açores. A atividade de assistência em escala será, no quadro da reestruturação em curso, autonomizada. O negócio da SATA Azores Airlines também envolve atualmente obrigações de serviço público territoriais nas rotas não liberalizadas, cujo défice de exploração o Estado (Governo central) assumiu o compromisso de compensar com indemnização de valor ajustado. Estamos a trabalhar, desde logo com o Governo da República, para garantir uma previsão no Orçamento de Estado para 2023, cuja proposta já abriga uma rúbrica para esse efeito, embora de valor insuficiente. Creio que as negociações políticas que decorrem chegarão a bom termo. Sabemos que temos já propostas dos deputados à Assembleia da República, a votar no momento da discussão na especialidade, no sentido do reforço desta verba. Posso deixar a
nota, que é animadora, que há uma proposta do Partido Socialista, o que dá logo garantia de aprovação para 9 milhões, que representa uma subida muito significativa; o PSD apresenta uma proposta para 10 milhões. Estávamos em 3,5 milhões.

O progresso é assinalável…
Sem dúvida. Isto não se trata de uma dádiva, trata-se de compensar com justiça e racionalidade aquele que é o valor correspondente ao défice de exploração de rotas que têm um histórico, portanto está demonstrável, não se trata sequer de uma intuição relativamente à necessidade desta compensação indemnizatória. Estou satisfeito nessa matéria. A SATA é importante para que a acessibilidade aos Açores, enquanto destino turístico, esteja assegurada também e para além dessa componente de serviço público.

Para responder à segunda parte da pergunta, faço nota de que uma gestão mais eficiente e mais racional tem sido com essa garantia. Não se trata de um mérito meu, trata-se da obrigação do bom funcionamento da democracia e do cumprimento do Estado de Direito. A verdade é que a Região é acionista a 100% da SATA, mas nomeia um Conselho de Administração para ser responsável pelos resultados da gestão e cumprir os objetivos. Aqueles que são no âmbito de obrigações de serviço público, estão muito bem delineados e apresentados nos cadernos de encargos, bem assertivos, dos concursos internacionais a que são sujeitos os operadores que se candidatam à prestação desses serviços. Definidas as obrigações de serviço público, fixadas as condições da sua prestação e estabelecida a compensação indemnizatória tudo fica, de início, transparente.

O que é preciso é que o acionista e o político se afastem da gestão para não só ser, com ética meritória, exigente no pedido de resultados e responsabilização e, por outro lado, não sabendo do negócio, também não se imiscuir, naquela que é uma tarefa que está atribuída a profissionais altamente qualificados; esse é o papel e o dever do Conselho de Administração.

O que quer dizer que sim, do ponto de vista político, que o mérito é seu…
(Sorrisos) É do governo.

Entrevista a Jose Manuel Bolieiro por Pedro Costa Ferreira, Hotel D Pedro, em Lisboa.

Está otimista relativamente ao processo de privatização? Pode levantar a ponta do véu relativamente ao modelo que vai seguir?
É exatamente porque o político não se deve antecipar ao estudo do trabalho técnico e à expertise de quem sabe do negócio, que não adiantarei muito a não ser esta perceção. Tudo o que puder ser antecipado independentemente da cronologia definida no plano de reestruturação é nosso entendimento que o deve ser, no sentido de uma vantagem. O plano de reestruturação diz que no mínimo são 51% a privatizar. Ora o nosso entendimento é que o que for melhor para a sustentabilidade do negócio é o que será colocado ao mercado; não colocaremos linhas vermelhas de imposição pública enquanto, atualmente, acionista a 100%. Pelo contrário, queremos criar uma solução que permita, a oferta ao mercado, que não sabemos qual será, ser suficientemente atrativa para o melhor negócio considerando a sustentabilidade futura da SATA e o retorno para a Região, enquanto acionista e proprietária daquele ativo. Em vez de criarmos soluções administrativas, queremos deixar funcionar o mercado, sendo que o nosso grande objetivo é a defesa da SATA, da sua sustentabilidade e libertar a região do peso da constante subvenção pública ao prejuízo, como ocorreu ao longo destes anos, o que era insustentável.

Existe alguma expetativa para o início deste processo de privatização?
A nossa proposta de Orçamento, submetida ao Parlamento da Região, aponta já soluções e definições legais no Decreto Legislativo que aprova o Orçamento Regional, para que possamos estar em condições de, a partir de janeiro de 2023, iniciar o processo de privatização, começando a trabalhar o caderno de encargos e todas as peças do concurso internacional que é necessário, bem como a criação de uma comissão de acompanhamento.

O governo tem estado dependente de um quadro de apoio complexo e instável, que, apesar disso, se tem mantido. É açoriano com paciência de chinês?
(Risos) Tendo em conta a geometria variável de votações, a política é isso, a arte do consenso, a arte das escolhas. Eu sou, sobretudo, um democrata e a minha paciência é a paciência de um democrata. Sou um
democrata que não se sente dono da verdade, que considera que o debate traz luz e enriquece as decisões. Muitas vezes os destinatários das decisões, sendo parte das escolhas políticas, também serão muito mais recetivos a uma boa execução das mesmas.

Além do diálogo com os parceiros políticos, para a preparação responsável do Plano e Orçamento para 2023, fizemos uma intensa auscultação dos parceiros sociais que, aliás, deram parecer positivo à proposta. Ganhámos, portanto, lastro de concordância, porque nestas coisas nunca existe um Orçamento perfeito nem unanimismo. Há sempre alguma concordância com uma parte e uma discordância com outra parte e vice-versa. O que importa é termos um rumo que corresponde ao essencial do consenso.

Estamos às portas de mais um congresso da APAVT (entrevista realizada em novembro), qual a importância, na estratégia delineada para o setor, deste congresso?
Em primeiro lugar, uma palavra de felicitação à APAVT por ter, já não pela primeira vez, esta visão estratégica e compreensão da integralidade territorial do país, fruto da experiência principalmente, mas igualmente do estudo e capacidade intelectual acima da média. As escolhas que a APAVT tem feito para realizar os seus congressos demonstram uma tendência descentralizadora e uma visão inteira do País que somos.

A outra é uma expressão de orgulho enquanto destino, porque nos sentimos orgulhosos de receber um congresso de uma associação tão relevante e importante no País, para a nossa economia e no negócio turístico em particular. Olhar para nós como um espaço onde pode ser realizado um evento desta dimensão, também exige de nós capacidade de bom acolhimento, de organização, de logística e estimula-nos a melhorar a nossa performance nessa matéria. A realização destes eventos e as reflexões que podem ser produzidas também no ambiente açoriano, de um arquipélago que se está a desenvolver enquanto destino turístico, que tem como grande lema estratégico o desenvolvimento sustentável, dá uma mensagem universal da APAVT, creio que muito compatível com o entendimento das novas gerações e com o entendimento dos turistas cada vez mais formados e exigentes no que diz respeito a estas matérias. Para a APAVT, nas conclusões do seu Congresso, distinguir este elemento, que é, por racionalidade estratégia própria, também uma demonstração de uma evidência num espaço que é bom exemplo nessa matéria, diria que a APAVT acaba por fazer cumprir um lema que também sigo,
«liderando pelo exemplo», e isso é fundamental.

*Entrevista publicada na edição 341 da Ambitur. Fotos de Raquel Wise.