Foi com vista para o futuro Porto Bay Liberdade, em Lisboa, num escritório “improvisado e emprestado”, que Bernardo Trindade, administrador do Grupo Porto Bay e ex-secretário de Estado do Turismo, recebeu a Ambitur para uma conversa descontraída e alongada que abordou o seu percurso no sector do turismo e a sua visão sobre determinadas temáticas actuais. Sempre disponível para responder a questões, o empresário admitiu que a política acaba por fazer parte da sua vida, sobretudo por ter sempre vontade de contribuir para o sector, fazendo-o agora por via associativa e não partidária.
O que releva da sua experiência como secretário de Estado do Turismo e o que valoriza da sua actuação?
Não fazendo uma avaliação desse tempo, há coisas de que me orgulho bastante. Orgulho-me de ter contribuído para a criação da Autoridade Turística Nacional, o Turismo de Portugal; de ter contribuído para um novo desenho das Entidades Regionais do Turismo, eram mais de 30 quando iniciámos funções, e deixámo-la com 11, cinco entidades, mais seis pólos de desenvolvimento. O actual Governo terminou bem esse processo. Hoje as cinco Entidades Regionais do Turismo, coincidindo geograficamente com as NUTSII, dão uma ideia de uma geografia que é aquela que deve ser transportada para a actividade turística. Orgulho-me de ter contribuído para a estabilização do edifício legislativo, por exemplo, com a Lei dos Empreendimentos Turísticos, que na altura foi de facto uma pequena revolução no quadro da oferta turística nacional, não esquecendo o sector da restauração e bebidas, agências de viagens, animação turística e operadores marítimo-turísticos. Isso foram diplomas em que sentimos que contribuímos bem, porquanto esta actividade, no fundo, tornou-se, em primeiro lugar, mais fácil de aceder e em que a intervenção do Estado como entidade reguladora e os diversos agentes ficou mais clarificado. Orgulho-me de ter lançado a «iniciativa.pt», com mais de cem rotas aéreas criadas numa altura em que sobretudo o paradigma do transporte aéreo tinha sido alterado e portanto era fundamental que autoridades aeroportuárias e Turismo de Portugal trabalhassem conjuntamente. Orgulho-me também de termos melhorado substancialmente a nossa oferta formativa, com as escolas de Lisboa, Porto, Caldas da Rainha, Óbidos, Viana, Portalegre, só para citar alguns exemplos. De realçar, a circunstância de integrarmos também a formação “on the job”, em que hoje se lecciona a parte escolar, mas também uma formação em contexto real de trabalho.
Lançou também o PENT…
Contribui para aprovarmos o primeiro Plano Estratégico do sector, que resultou não daquilo que o Governo ou o secretário de Estado pensavam, mas de um amplo debate que gerámos em torno do sector, com grandes contributos, e que este Governo também teve a oportunidade de actualizar, não destruindo a sua génese. & Olhando para trás, teria feito alguma coisa diferente?& Na vida decidimos em função do conhecimento que temos no momento de um conjunto vasto de matérias. Hoje em função destas duplas vivências públicas e empresariais, como é evidente olho para determinadas matérias se calhar com um conhecimento mais aprofundado, o que teria levado eventualmente a outras decisões.
Como vê a actuação da actual tutela do turismo?
O turismo é uma actividade privada, fortemente exposta ao exterior, cumpre ao responsável por esta área procurar, dentro da Lei, remover todos os obstáculos ao normal funcionamento da actividade. Essa tem sido uma preocupação dos responsáveis o sector. Isso é positivo.
Poder-se-ia ter ido mais longe em algumas áreas?
Há matérias que mais do que ir mais longe deveriam merecer uma atenção especial. Estou a lembrar-me da Iniciativa.pt. Hoje não há tanta necessidade de criação de novas rotas aéreas, mas isto não determina que as autoridades aeroportuárias, nomeadamente a ANA, não se relacione mais com o Turismo de Portugal no cumprimento de objectivos que têm a ver com o transporte de passageiros mas também com o desenvolvimento da actividade turística. Gostava de ver a Iniciativa.pt com uma nova formulação, mais relacionada com a consolidação das rotas aéreas já existentes, e com uma resposta mais eficaz a momentos de longa sazonalidade mais acentuada.
O Turismo de Portugal corresponde hoje à matriz da sua criação?
Mais importante do que a opinião de cada um é a forma como o exterior olha para o Turismo de Portugal. Este tem ganho prémios a nível internacional pela forma como conseguiu agregar a qualificação da oferta, a promoção turística do país, a formação e uma componente de financiamento tão importante como os jogos. Agora, este organismo não deve perder os seus braços, não deve ser amputado das suas áreas de intervenção e foi com particular agrado que percebi que o Governo recuou na ideia da criação da Agência do Turismo cujo objectivo era tirar a componente da promoção do Turismo de Portugal e passá-la para o sector empresarial. Tenho muito respeito por aquilo que são dinheiros públicos e devem ser geridos obviamente com parcimónia. É importante que se faça a intervenção privada, mas na exacta medida de que os contributos financeiros possam pelo menos ser de igual montante aos contributos públicos. Não havendo essa possibilidade o que hoje se faz contratualizando o Turismo de Portugal com as Agências Regionais de Promoção Turística onde convivem actores públicos e privados regionais é a forma correcta que o sector privado tem de poder participar activamente neste processo. & O que era manifesto é que se estava a amputar o Turismo de Portugal de uma área absolutamente essencial e onde o organismo tem mostrado provas. Amputá-lo dessa componente era um erro que não só configurava desconhecimento, arbitrariedade na gestão e sobretudo adensava uma nebulosa que não valorizava o sector.
Temos uma estratégia de desenvolvimento turístico?
Com a criação do Turismo de Portugal, com a contratualização da promoção externa, fazendo conviver actores públicos e privados regionais num modelo de contratação com o Turismo de Portugal, tendo um documento orientador recentemente revisto, o Plano Estratégico Nacional do Turismo, penso que temos essa linha. Obviamente que é sempre possível ir evoluindo em função das dinâmicas de mercado e da procura internacional, mas dizer que não há um modelo assente nesta arquitectura, assim como uma proposta de valor, parece-me excessivo.
O sector é muito politizado?
Mais do que discutir a intervenção pública, o importante é discutir a intervenção associativa. Essa deve ser uma preocupação permanente de todos os nossos dirigentes associativos, incluindo a Confederação do Turismo de Portugal, no sentido de que a sua importância associativa acompanhe a importância que o turismo vai tendo na economia portuguesa. Isto convoca-nos, todos os responsáveis associativos, a podermos ser no fundo cada vez melhores, com uma mensagem abrangente do ponto de vista sectorial, que valorize muito a nossa identidade enquanto indústria.
Qual deve ser o papel da CTP e das associações turísticas?
A CTP é um órgão de cúpula do sector, muitíssimo importante, integra por mérito próprio o Conselho de Concertação Social, e portanto é uma voz que é ouvida no país quando se trata das questões fundamentais que transversalmente o percorrem. O que é importante é que as associações que compõem a Confederação do Turismo Português possam no fundo elas próprias municiar a CTP para que ela possa transmitir uma mensagem que envolva o sector nas suas diferenças áreas. Hoje o turismo representa 11% da riqueza gerada directamente, um pouco mais se associarmos factores indirectos, é importante agora que no plano político, associativo, essa importância tenha essa correspondência.
Como vê o crescimento da actividade turística nacional desde meados do ano passado?
Três factores concorrem para esse aspecto. A visibilidade do nosso país que é perfeitamente notória. Outro aspecto, que não é menos importante, a circunstância de hoje termos com facilidade ligações aéreas basicamente a todos os mercados de afluxo de turistas. Agora é importante que este movimento, quer de turistas tenha reflexo ao nível da rentabilidade do sector. Aí, se olharmos para preços médios ou Revpar (rendimento por quarto disponível) de 2013, nomeadamente, eles são comparáveis com 2008. Significa isto portanto que há que fazer este esforço, procurar garantir que um maior receita global corresponda a um nível de rentabilidade maior por unidade. Que haja uma relação causa-efeito. O desafio futuro é garantir que em determinadas regiões do país, com forte apetência e capacidade para serem ganhadoras possam no fundo ter simultaneamente preços consentâneos com a sua qualidade.
A Ambitur.pt tem vindo a publicar parte das Grandes Entrevistas que tem realizado nas suas edições impressas, com alguns excertos inéditos.