“Nasci com o Turismo nas veias” (I)

Alguns meses depois de ter saído daquele que considera ter sido um dos maiores desafios profissionais da sua vida, a liderança do Turismo de Portugal, Frederico Costa faz um balanço dos primeiros tempos “a bordo” da Visabeira, projecto que abraçou sem hesitar e no qual arregaçou desde logo as mangas para que o Turismo seja uma área com maior expressão neste grupo sedeado em Viseu. Em Lisboa, o empresário abraçou os negócios de Turismo, Imobiliário e Saúde da Visabeira, e garante que saiu do sector público numa altura em que já não sentia motivação para continuar.

Como foi parar ao Turismo?

Eu nasci já com o Turismo nas veias. Desde que me lembro que o Turismo era uma paixão, já desde as viagens e os hotéis, tudo isso já mexia comigo. Na altura estava indeciso entre Relações Internacionais e Turismo. Fiz uma experiência de Direito, odiei Direito, e então fui rapidamente para a área de Hotelaria, que era o que eu gostava, tirar o curso de Gestão Hoteleira no Porto. A partir daí foi natural, toda a evolução natural da minha carreira, entre público e privado, mais público do que privado até talvez, entre o estrangeiro e Portugal. Nunca me vi noutra área, apesar de que hoje em dia penso que poderia ter ido para engenharia mecânica (risos), mas não é o que eu gosto, gosto do que faço e acho que sou útil naquilo que faço.

O que ficou consigo do serviço público?

No serviço público, a verdade é que sou totalmente apologista que a riqueza e o emprego são criados pelas empresas, não pelo Estado, e portanto o Estado serve para criar as melhores condições possíveis para que as empresas possam fazer o seu trabalho bem feito. Apesar de ter trabalhado muito no sector público nunca me esqueci desta máxima, que para mim é verdade todos os dias, ou seja, as empresas criam riqueza e as empresas criam emprego, como tal o Estado tem é de facilitar a vida às empresas. Eu acredito, e ainda acredito, sou talvez das pessoas que ainda acredita na função pública, no serviço público, e acho que a orientação era essa, era um serviço público para beneficiar quem trabalhava, quem ganhava riqueza.

Teve sempre uma afeição enorme por parte dos empresários… isso foi algo que o ajudou ou até poderia ser prejudicial?

Os meus amigos e as pessoas com quem me relaciono no sector do Turismo, tanto estão na pública como na privada. Há uma nova vaga de empresários a aparecer, os grandes grupos financeiros entraram no Turismo, já os conhecia, alguns deles até antes de entrarem no Turismo, portanto é natural a relação. Eu nunca tive problemas nem com o sector público e as entidades públicas, nem com o sector privado, ou seja, foi uma relação sempre natural e saudável. Percebia e entendia quais eram as dificuldades que as empresas tinham, sempre lutei e sempre puxei, aliás, pelo associativismo no sentido de lhes dar força para poderem representar melhor os interesses das empresas a título individual, sempre fiz com que, pelo menos na minha actividade pública, pudesse ajudar a que as empresas criassem mais peso, mais razão, mais conhecimento, mais capacidade e capacitação, para se tornarem autónomas, para fazerem o seu trabalho, não dependentes do Estado, eventualmente quanto menos dependentes do Estado melhor, no sentido de poderem crescer, que é o que nós precisamos, de empresas fortes.

Depois de tanto tempo ligado ao sector público, o que sentiu quando fechou esse ciclo, para já pelo menos…?

Sim, o ciclo da vida pública, na função pública, está fechado, completamente. Foi natural, libertei-me dos desafios com a maior das naturalidades, com muito desprendimento mesmo. O meu ciclo nas funções públicas já estava esgotado e penso que era uma oportunidade, com a mudança de Secretário de Estado, por um lado, aliás coincidente, porque tentei ser o mais fiel possível às pessoas a quem respondia, nomeadamente ao Governo (seja do PS, PSD ou CDS), tentei ser sempre o mais cordial e o mais solidário possível. Mas o meu ciclo de vida e de contributo positivo para a função pública tinha terminado, faltava-me motivação, por um lado; achava também que, não só o Turismo de Portugal precisava de um novo líder para uma nova dinâmica e um refrescamento, uma oxigenação da própria administração, por um lado, como também o próprio Secretário de Estado e o Governo certamente quereriam ver no Turismo de Portugal uma pessoa totalmente dedicada. Não se consegue estar na vida pública, de forma alguma, talvez na privada se consiga, mas na pública não se consegue estar sem motivação completa e absoluta, e sem uma sintonia total com as políticas públicas e a disponibilidade para contribuir para o bem público. Portanto senti que era hora de mudar e estou confiante que agora, com a nova administração do Turismo de Portugal, vai funcionar lindamente.

Ao longo de todos estes anos, houve certamente momentos menos bons, momentos altos…

Memórias boas e más temos todos os dias. A experiência pública que tive foi uma oportunidade fantástica, que tenho que agradecer ao Bernardo Trindade por me ter convidado primeiro para a administração, à Cecília Meireles por me ter convidado para presidente, inclusivamente também ao Adolfo Mesquita Nunes por me ter mantido lá. Portanto, só tenho é que agradecer às pessoas que me convidaram, que apostaram em mim. Não é natural que uma pessoa tenha trabalhado numa administração com um Governo e se tenha mantido para outro, principalmente assumindo a presidência. Respondo julgo eu a isso por estar completamente separado da vida partidária e política, e estar concentrado no meu trabalho técnico, que era o Turismo, e a minha total sintonia com o sector. Portanto, os momentos bons foram todos. Momentos maus, nem me lembro, tive obviamente maiores desafios, menores desafios. Não quer dizer com isto que concordasse sempre com tudo, mas a minha solidariedade com o Governo era total, a sintonia com as prioridades tinham de ser absolutas, caso contrário não era capaz de fazer o meu trabalho.

E agora a passagem para a Visabeira Turismo e Imobiliária…

Conheci um líder fantástico, o Engº Fernando Nunes, presidente do Grupo Visabeira, um homem fantástico, contou talvez para 50% da decisão de ter vindo para cá. E depois o projecto de expansão, natural, de afirmação de um grupo que está muito grande em muitas áreas, mas pequeno no Turismo e na Hotelaria.

Foi uma passagem fácil?

Como todas as outras passagens na minha vida profissional foi sempre muito simples, abandonar ou terminar um ciclo e começar um novo. Tenho isto perfeitamente arrumado na minha cabeça, que tudo na vida é temporário, principalmente o lado profissional. E por isso, com naturalidade larguei o Turismo de Portugal e com naturalidade abracei o grupo Visabeira.

Saudades?

Saudades temos das pessoas, essencialmente, mais do que dos projectos, ou mais do que de funções, isso não me faz confusão nenhuma. Nunca encarei a presidência do Turismo de Portugal como uma peça fundamental da minha vida, ou um sinal de estatuto. Foi uma carreira pública que comecei, há muitos anos atrás, na delegação do ICEP, na altura Casa de Portugal, no Reino Unido, em Londres, e aí era fiel de armazém, enchia pacotes com brochuras. Desde aí fiz tudo, tudo o que é possível fazer na vida pública em termos de carreira pública, no Turismo de Portugal passei por tudo. Ainda bem que apostaram em mim mas senti isso como um degrau natural na minha vida profissional. A partir daí, também foi natural sair porque já não havia mais para fazer, fazer há sempre mas não havia mais nenhum desafio para mim, e portanto com naturalidade abracei a privada e os grandes desafios que se colocam aqui no grupo.

Essa experiência do lado institucional também vai ajudar agora?

Ajudam, certamente, os contactos, as dificuldades, a experiência, uma pessoa não tem noção da dificuldade que é gerir num ambiente público, não se tem noção do que é gerir recursos humanos, equipas, interesses políticos também, influências várias, pesos muito grandes em termos de responsabilidade. Essa experiência toda vai ser certamente útil aqui no Grupo Visabeira.

O que pensa do associativismo turístico em Portugal?

No Turismo penso que ainda não é condicente com o peso do sector, ou seja, é bom, está bem estruturado em termos de sectores – as agências de viagens, a restauração, os hotéis, uma confederação que é a cúpula – mas penso que ainda não há um movimento estável de associativismo, competente, profissional, partilhado, responsabilizado e, ao mesmo tempo, influente, também, na vida do sector. Mas noto um avançar de profissionalismo. Se olhar para o associativismo há 10 ou 20 anos atrás, penso que as estruturas hoje são mais profissionais, mais capazes, mais organizadas. Por outro lado, isso tenho de o dizer, penso que temos estruturas a mais. O país é pequeno e o sector – apesar obviamente das diferenças de região para região, de empresa para empresa – acho que ganhava em ganhar mais peso, e portanto mais peso requer optimização de estruturas. Sei que isso é um processo difícil, mas também será um processo natural, mais do que até diminuir as estruturas acho que tem que haver entendimento entre estruturas. Não faz sentido que, por exemplo, uma associação de hotéis de Portugal e uma do Algarve ou do Norte, não tenham uma política ou estratégia comuns, ou não tenham bem definida a agenda comum da hotelaria nacional.

Há quem diga que o associativismo turístico é frágil demais para uma responsabilidade de partilhar uma agência nacional de promoção turística com o Turismo de Portugal?

Não sei, depende da ambição dessa agência nacional de promoção turística, ou seja, uma agência nacional de promoção turística pode ser algo pequeno ou pode mesmo, no seu expoente máximo, substituir o próprio Turismo de Portugal, portanto, depende da ambição. Mas penso que não cabe às associações gerir uma agência nacional, têm que ser profissionais. O que tem de haver é, por parte das entidades privadas, a motivação, o enquadramento, a sintonia de prioridade, se isso é um instrumento útil para os resultados ou para potenciar os resultados das empresas. Portanto, penso que aí& a questão não é propriamente as associações estarem ou não à altura, é mais as empresas, ou seja, se as empresas querem, se as associações viabilizam e se depois se consegue montar um sistema, seja ele através de uma agência ou de outro organismo qualquer, que seja ambicioso o suficiente para gerir os interesses do que é a promoção turística de Portugal.

Porque nunca funcionou o CEPT?

Depende também do que as pessoas identificam como o papel que o CEPT, que é um conselho estratégico, teve nos últimos anos. Não tinha um poder vinculativo nem executivo, portanto, era um órgão consultivo. Servia para discutir políticas e estratégias. Daí poder ter perdido algum élan relativamente ao passado recente. Na minha opinião, os modelos têm que evoluir, o nosso modelo actual data de 2003-2004, as coisas têm de evoluir, e o conselho estratégico mudou muito de mãos em termos de presidência. Tem muito a ver com a dinâmica que se cria, com os lideres. Penso que o conselho estratégico pode ser mais forte, desde que os privados assim o entendam, mais até que o Secretário de Estado ou o Governo ou o Turismo de Portugal. Cabe a nós, ou à confederação, exigir que haja um conselho estratégico, se é que este modelo vai perdurar, que seja útil, porque aí pode-se de facto discutir toda a estratégia, os objectivos, o que é a promoção turística no país. &Ao nível da promoção externa do país, foi lançado o debate sobre a criação de uma estrutura que juntasse o Turismo de Portugal e os privados, numa espécie de agência.

Não ficou algures esquecido um debate sobre o que se pretende para a promoção externa, concentrando-se o foco no modelo da agência?

Tendo a concordar, penso que se foi um bocadinho longe demais no conceito, apesar de o conceito não estar inventado. Ou seja, falou-se da criação de uma agência nacional sem se dizer o que era a agência nacional e, portanto, subentende-se que para chegar ao conceito de uma agência nacional, qualquer que seja, tem que se falar sobre o modelo de promoção. Penso que o Secretário de Estado deu os passos certos, ou seja, a primeira coisa que fez foi questionar as várias entidades, agências regionais, entidades regionais, confederação, ou seja, os players com interesses na promoção turística, sobre se o modelo servia ou não. A partir daí saltou-se, depressa demais na minha opinião, desta recolha de informação, de posições, de percepções, para o conceito de uma agência nacional de promoção turística como um modelo a seguir. É um facto, mas penso que foi mais até por facilitismo. Agora acho que o processo continua a ser discutido no âmbito da Confederação, onde tem de ser discutido, na minha opinião, e bem, que recolhe informações das suas associadas. O Secretário de Estado está certamente a fazer a sua análise relativamente a esta matéria, ao nível do desenvolvimento regional, das entidades regionais, há um grupo de trabalho que se tem reunido relativamente a esta matéria para delinear prioridades, vamos ver onde é que isto vai dar. Confesso que não sei se a agência nacional vai existir ou não, penso que vale sempre a pena discutir se a promoção está a ser bem feita ou se pode ser melhor sempre. Se viermos a criar um modelo que seja mais eficaz, óptimo, caso contrário temos que melhorar este, o que também óptimo.

Quais os desafios que esta «agência» devia procurar responder? Quais são as máximas que estão a ser colocadas em cima da mesa, tanto pela confederação como pelo Secretário de Estado?

Primeiro, despolitizar a promoção, estamos todos de acordo. Segundo, fugir a ciclos políticos e a interesses políticos, estamos de acordo. Tornar mais profissional a promoção, estamos todos de acordo. Tornar mais acompanhada a promoção por parte da iniciativa privada, nomeadamente pela CTP, estamos todos de acordo. Haver um maior envolvimento dos privados na promoção, estamos todos de acordo. Tornar mais ágil, flexível e oportunista a promoção, estamos todos de acordo. Portanto, estamos todos de acordo em relação a essas máximas. Se conseguirmos que essas máximas se transformem num modelo mais eficaz, seja atrás de uma agência nacional, ou de outra coisa qualquer, seria óptimo.

Concorda então em avançarmos para um modelo assim?

Penso que temos sempre que questionar. Mas acho que atingimos um patamar bastante profissional, podemos não gostar do que criámos, podemos falhar em algumas regiões, podemos não estar à altura de alguns desafios, mas a verdade é que o modelo que criámos, conceptualmente, é talvez o mais evoluído da Europa. Temos comparticipação financeira dos privados, temos comparticipação pública regional, temos comparticipação pública nacional, temos preocupações regionais, temos preocupações nacionais… Temos, em teoria, um concelho estratégico que devia funcionar para ligar todas estas pontas. E portanto é uma parceria público-privada, no verdadeiro sentido da palavra, obviamente com meios mais públicos do que privados, mas é assim também em toda a Europa, tirando alguns casos que são totalmente privados, como a Inglaterra por exemplo.

Falta-lhe alguma coisa, a utilização de fundos comunitários…

Estamos aqui para ver se isso é possível, penso que vai ser muito difícil a promoção aceder a fundos comunitários. Por várias razões. Primeiro porque as grandes empresas estão vedadas ao financiamento comunitário, portanto tudo o que são as grandes empresas que, por sua vez, fazem marca, que vão para os mercados, que abrem mercados e têm capacidade de comercialização forte lá fora, em princípio não têm acesso a verbas comunitárias. Segundo, e essa sim mais preocupante, regiões de não convergência, nomeadamente, Algarve, Madeira e Lisboa, terão poucas verbas comunitárias. Ainda não está fechado o quadro comunitário, vamos ver, eu não acredito que haja grandes novidades relativamente a essa matéria.

Acredita que até ao final do ano temos um novo modelo de promoção?

É o compromisso do Secretário de Estado… Penso que, não até ao final do ano, em 2015 teremos uma evolução do actual modelo. Se é novo ou não, isso já não sei (risos)…