“Há um caminho longo a percorrer e as euforias são perigosas”

José Castelão Costa, presidente das Pousadas de Portugal, foi capa da Ambitur em Maio. Está há quase duas décadas no Grupo Pestana, onde hoje lidera as Pousadas de Portugal, um desafio que reconhece ter sido um dos mais difíceis da sua vida. Por isso mesmo, conhece como ninguém os “segredos” desta grande cadeia hoteleira portuguesa. A Ambitur esteve à conversa com José Castelão Costa, nos escritórios do grupo em Lisboa. Ambicioso q.b., admite estar preparado para dar lugar aos mais novos, quando chegar o momento certo, e fala sem pudores do desenvolvimento do sector nos últimos anos, sublinhando que o negócio da hotelaria “hoje está bem entregue”.

2013 foi um bom ano para o turismo nacional. 2014 promete ser ainda melhor. Mas não se está a entrar numa certa euforia ou estes são números sustentáveis a prazo?

Temos que fazer uma separação dos dados. Estes resultados positivos não se estão a sentir de uma forma homogénea no país. Está a ser melhor para uns do que para outros. Sobretudo está a ser melhor comparativamente com anos anteriores porque o mercado nacional, apesar de tudo, está a reagir. Há mais clientes portugueses nos hotéis. Agora não está a ser uniforme, porque nas regiões turísticas nacionais – Algarve, Lisboa e Madeira – tem havido um crescimento no lazer, mas no chamado turismo de negócios, que está muito dependente, do que é actividade económica os resultados não têm sido tão bons.Mas continuamos a ter em Portugal uma oferta instalada hoteleira que só é utilizada em 50%. Isto significa que Portugal tem uma capacidade que é o dobro da que é utilizada, com a agravante de esta ser sazonal. Há motivos para que as pessoas estejam mais satisfeitas face há dois anos atrás, mas há um grande caminho a percorrer. Uma das áreas é precisamente ao nível da promoção e venda, há esse caminho a percorrer. Até porque o país tem uma boa imagem em termos internacionais.Quanto ao resto, o Governo tem razões para estar satisfeito com o que se tem passado ao nível do turismo, a maior parte dos empresários tem condições para estar relativamente satisfeita com a melhoria que se verifica, mas euforia não. Há um caminho longo a percorrer e as euforias são perigosas, porque fazem esquecer o essencial. Para além da promoção e vendas penso que há também um caminho a percorrer, sensível, ao nível das envolventes dos empreendimentos e zonas turísticas, e de alguns problemas que afligem os empresários, um deles são as taxas de audiovisuais. Depois não nos podemos esquecer que as câmaras querem colocar taxas turísticas, o Governo ainda há pouco tempo propôs avançar com uma taxa turística para a recuperação do património cultural e histórico… quer dizer… não é possível estas ameaças, ainda para mais com o nível de impostos a que estamos sujeitos.Todos percebemos que o país está como está e tem que se ir buscar receita a algum lado, agora é preciso não estragar o que existe, senão começam a haver outros problemas.

Como avalia a hipotética Agência Nacional do Turismo?

«Quem paga manda» é uma máxima que existe no país e não só. Ou seja, o problema é como é que os privados terão neste contexto uma palavra determinante se tiverem que entrar com financiamento. Só haverá um salto qualitativo no processo se os empresários tiverem uma voz determinante.

Que análise faz do trajecto das Pousadas sob a gestão do Grupo Pestana? Já referiu que foi um dos seus desafios mais duros…

Muito duro. Fui um dos negociadores do Grupo Pestana no processo de privatização da Pousadas. Obviamente que o Grupo Pestana ganhou neste processo em várias vertentes, uma delas estar na gestão de uma marca «especial». Só que esta marca, quase propriedade do povo, passa a ter uma gestão privada, obviamente com grandes condicionalismos públicos, que tem que se mover num caminho de grandes compromissos. Com uma agravante, tomo conta das Pousadas em 2007, quando começamos a ter resultados positivos, depois de um processo de reestruturação, e vem a crise económica em 2008, estando nós dependentes do mercado interno. Ou seja, tenho o accionista a ter prejuízos avultados constantes, o que não é agradável para ninguém. Duro é tudo o que se tem de fazer num contexto destes. Tentar mais mercado internacional, racionalizar mais os custos, com as consequências que têm sempre, tentando prejudicar sempre o menos possível o cliente, mas tudo isto é um processo duríssimo. Foram quatro anos de preocupação, a dormir mal…No entanto o saldo é positivo. Ninguém na hotelaria em Portugal tinha «cabedal» para fazer o que ali fizemos. Sem este processo de privatização não sei qual seria a viabilidade financeira das Pousadas, tendo em conta o contexto que passámos. Tenho a felicidade de ter um acionista que tem também a capacidade ter capital paciência. “Se este ano correu menos bem, o próximo vai correr melhor, por isso paciência!” Ou seja, é este o capital paciência e a capacidade para o ter.Este é um projecto em que o Grupo Pestana não está satisfeito com os resultados financeiros, porque não corresponderam às expectativas. Também nunca pensámos que as Pousadas fossem um negócio que desse milhões e sempre tivemos a noção que fomos um pouco além no processo da privatização, do que nos aconselharia uma perspectiva estritamente economicista, mas sabíamos que poderíamos tirar partido de outras vantagens.Mas estou convencido que nestes quatro anos de interregno, onde se aprendeu muita coisa, marcarão uma nova fase. Este será um ano de viragem nos resultados. A prioridade que se segue será a consolidação destes resultados e a abertura da unidade no Terreiro do Paço, que será um marco, pois assistiremos à consolidação de uma nova geração de Pousadas, com uma localização única, espaço e produto diferente.

Há espaço para mais Pousadas em Portugal?

Eu disse há pouco tempo que há Pousadas a mais em Portugal. Eventualmente há Pousadas que seriam melhor geridas, mesmo com a marca Pousadas, por pessoas locais, com conhecimento da zona, com as tradições. Já fizemos isso com Bragança, Alijó, Açores. Estamos a fazer testes, para ver se é possível, mantendo os padrões da marca, subconcessionar mais unidades. Dentro desta lógica pode haver espaço para cedermos alguns equipamentos e em contrapartida fazer outras unidades no país, até com outro fôlego financeiro.

Como olha para o desenvolvimento da hotelaria nacional nos últimos 30 anos?

Ao longo destes 30 anos muita coisa evoluiu de forma positiva. Por exemplo, na maneira como a banca encara o negócio da hotelaria. Quando cheguei ao Fundo do Turismo o sistema financeiro financiava hotéis de raíz com empréstimos entre os 4 a 6 anos, sem períodos de carência. Isto queria dizer que em 80 a 90% destes projectos ou os empresários tinham dinheiro de lado que podiam colmatar ou entravam em mal parado. Não era possível recuperar investimentos neste espaço temporal. Falamos em taxas de juro que nesta altura atingiam os 20% ao ano. O sistema financeiro punha-se a jeito para que as coisas corressem mal nos investimentos hoteleiros. Houve aqui uma grande evolução. Na área do apoio financeiro ao investimento houve grandes mudanças, o que não quer dizer que sejam perfeitas.No que diz respeito à natureza do empresário, houve também uma grande melhoria. Naquela altura muitos dos projectos que eram lançados, eram de empreiteiros que não se comercializavam e reciclavam-nos para a hotelaria, estavam muito mal preparados. Hoje isto deixou de acontecer de uma forma genérica. No que diz respeito aos profissionais, hoje Portugal tem excelentes profissionais na hotelaria, o que prova os muitos que trabalham no estrangeiro neste ramo, em mercados competitivos e de grande exigência. Hoje o negócio da hotelaria está bem entregue. Acho que por vezes as pessoas ainda não têm os pés assentes na terra no que diz respeito ao nível dos preços médios de venda, custos dos preços de exploração e recuperação do investimento. Ainda há algumas pessoas que lançam investimentos com perspectivas de negócio sem fazerem o seu trabalho de casa, um benchmark. Não é possível pensar que Lisboa pode vender quartos ao mesmo preço que Londres, Paris ou Nova Iorque. Há muitas unidades hoje que passam dificuldades e em que os proprietários pensam que têm na mão um valor que efectivamente não o têm.Não há verdadeiramente um mercado de transacção de hotéis em Portugal, derivado dessa realidade. Admito que haja o interesse por parte de vários empresários pelo mercado de Lisboa, só que esse mercado não funciona porque os projectos estão sobrevalorizados sem qualquer justificação objectiva. O que existe nesse mercado está distorcido porque os projectos estão pendurados na banca porque esta não quer assumir perdas financeiras, ou seja, se esta vende os projectos ao valor justo vai ter que reflectir no seu balanço imparidades. Do outro lado, estão os empresários que estão convencidos que estão montados em cima de grandes investimentos que não os são, porque os valores do negócio não dão para os valores que pensam.Isto foi provocado na minha opinião pela especulação imobiliária, o preço que os terrenos atingiram em Lisboa, que não é compatível com a rentabilidade associada. Há aqui um desfasamento relativamente a esta realidade.

Esta é parte da entrevista que pode ser lida na íntegra na edição de Ambitur de Maio, nº 271