“O sector tem tudo a ganhar com a sua despolitização” (I)

Adolfo Mesquita Nunes abriu as portas do seu escritório no Ministério da Economia para desvendar à Ambitur como tem sido a sua experiência à frente da secretaria de Estado do Turismo. Liberal assumido, explicou como pensa estar a ser útil ao sector e a sua opção por dar mais poder aos privados. Por outro lado, admitiu ter encontrado um sector atomizado, sobretudo a nível associativo, e defende que todo o sector ganharia se houvesse consenso relativamente às políticas públicas. Esta é a primeira parte da entrevista.

A resiliência da actividade turística nacional surpreendeu-o em 2013? Esperava maiores ou menores dificuldades quando tomou posse para o negócio turístico?

A resiliência dos empresários do sector não me surpreendeu porque me parece que nos últimos anos tem sido confirmada sistematicamente, mesmo quando os anos turísticos foram muito piores do que o que vivemos este ano houve um dinamismo e uma competitividade do sector do turismo que permitiu que do ponto de vista global o turismo crescesse enquanto actividade económica e contribuísse cada vez mais para a economia do país. Se esperava maiores dificuldades este ano, dir-lhe-ia que as estimativas do PENT previam crescimento. Do ponto de vista das receitas do turismo, atingimos o objectivo de forma pontual, superámo-lo, mas quer do ponto de vista de dormidas, quer do ponto de vista de turistas estrangeiros, o número foi consideravelmente superior ao que estava previsto no Plano Estratégico Nacional para o Turismo. Não é uma questão de ser surpresa, confirmou-se a competitividade e a qualidade do nosso destino.

Já fez um ano que tomou posse, o que tentou trazer o sector?

Não sei o que o sector ficou a ganhar comigo, tendo em conta o meu currículo e o meu passado. Estou orgulhoso do que fiz até agora mas isso não tem a ver com o meu currículo anterior. Quando o secretário de estado é do sector deve-se tirar partido dessa circunstância o máximo possível. Quando o secretário de estado não é do sector, deve-se tirar partido dessa circunstância o máximo possível. O meu objectivo neste mandato é permitir que a circunstância de eu não ser do sector tenha sido aproveitada o melhor possível para mudar as coisas de uma forma que só alguém que não fosse do sector tem sensibilidade para perceber.

Dar mais poder à iniciativa privada tem sido um dos seus lemas desde que tomou posse. Tem sido fácil este desafio?

É um sector que tem uma componente privada muito forte e é visível que muito do sector privado já começou a assumir funções que anteriormente estavam apenas concedidas ao estado. Muitos grupos e hotéis tratam hoje da sua própria promoção e têm um caminho autónomo. É preciso generalizar do ponto de vista das políticas públicas maior participação dos privados. Esse é sempre um processo que não é fácil porque a actividade económica adapta-se ao modelo de estado que tem. Se o modelo de estado que teve até ao momento foi um, ela está adaptada a esse modelo. É preciso fazer um processo de adaptação. Parece-me sim que é caminho certo, e o que sector privado do turismo tem capacidade para começar a exercer mais competências do que as que tem exercido até aqui.

Sempre teve o “bichinho” da política por ter um político na família (avô materno)?

O meu avô materno só esporadicamente teve na política, foi secretário de estado dos Governos provisórios, era do Partido Socialista, e depois fez toda a carreira na área do Turismo. Foi professor de Turismo, tem várias obras publicadas, infelizmente não me pôde ver nesta qualidade, nem pôde ver a ler e estudar os livros dele. Se a política me corre nas veias… tenho para mim que a política não deve ser uma actividade profissional. Independentemente de ela me correr nas veias ou não, tenciono a regressar à minha vida profissional quando terminar estas funções.

Quando foi convidado para assumir a secretaria de Estado do Turismo hesitou?

Aceitei com entusiasmo. &Vinha de fora do sector mas já o acompanhava de alguma forma?Tinha um conhecimento relevante do ponto de vista do enquadramento legislativo porque como advogado trabalhei em matérias que se tocavam com o Turismo mas do ponto de vista das políticas públicas não. &A sua antecessora, Cecília Meireles, teve um papel importante nesta transição?Teve. Sou amigo da Cecília e tenho alguma dificuldade em expressar amizade em entrevistas jornalísticas…

Quais os desafios que desde logo teve que enfrentar quando assumiu a sua pasta, nos primeiros meses do mandato?

Os primeiros desafios que tive foram aqueles que estavam pendentes e precisavam de decisão. Tínhamos o PENT e tínhamos a Lei das Entidades Regionais de Turismo para esclarecer a questão da promoção externa. Foram estas duas questões que tive de tratar logo no primeiro mês. Depois a outra questão era alinhar aquelas que deviam ser as linhas do meu mandato, porque me pareceu importante que ficassem definidas desde o princípio. E são três: regulamentar e liberalizar; financiamento; e promoção. E tentar enquadrar as políticas públicas que queria fazer nestas três linhas. O primeiro desafio que não herdei foi o de definir essas três linhas que tenho procurado seguir ao longo do mandato.

Como homem de direita, o que pensa trazer de mais-valia para o sector do turismo?

A distinção direita/esquerda faz sentido, mas para mim não é uma distinção muito importante. Para mim a distinção importante é entre liberais e socialistas. Porque há muita direita que não é liberal. Disse logo na minha primeira intervenção pública que era liberal e que nem tudo era mau. O que pretendo trazer é, usando um exemplo, num regime liberal qualquer socialista pode fazer uma cooperativa e viver em cooperativa; num regime socialista um liberal não vive em liberdade. O que procuro trazer é criar condições para que o sector se organize como quer e possa tomar as suas decisões. Não é um processo imediato nem fácil, e por isso digo sempre criar condições para e não fazer com que… e por isso esse contributo permitirá devolver mais liberdade ao sector. Se o sector faz com essa liberdade aquilo que eu acho que deve fazer, é uma coisa diferente e na qual eu também não tenho que interferir, desde que se respeite a lei.

Disse há pouco que nem tudo era mau, por ser liberal…

Quando se chega de novo a um lugar em que as expectativas existem, e onde a circunstância de não ser do sector é sempre pesada, ou se aproveita a primeira oportunidade para se chamar a atenção do que se está a dizer, ou então perde-se essa oportunidade. Essa frase teve como objectivo prender as pessoas ao discurso.

Sentiu esse peso de não estar no sector desde logo?

Senti que era um assunto, para mim não, e tinha que o abordar. E não podia fingir que sabia imenso e que sempre tinha tido ligações ao sector. Preferi assumir que não era do sector, e mais, disse que não queria ser…&E continua a pensar assim?Continuo, gosto muito do sector mas ao sector o que é do sector… Acho que o sector tem tudo a ganhar com a sua despolitização, parece-me importante que não tendo eu tradição no sector, e não sendo a minha área de actividade, assim que termine as minhas funções, tenho todo o gosto em contactar com o sector mas não é algo que me veja a fazer… é um sector muito interessante…

Assumindo muitas vezes que não é político, e que não gosta de um discurso político, o seu primeiro discurso é algo que acaba por marcar, é diferente, facilitou a sua entrada junto dos empresários turísticos?

É um discurso ideológico, o que penso que deveria ser feito no sector só seria compreendido se tivesse este enquadramento, se pudesse explicar porque é que penso assim e quais são os problemas dos anteriores não terem pensado assim. Se facilitou ou não, não sei… Teve pelo menos uma vantagem, permitiu criar referências a quem me ouviu e perceber o que eu pensava. Teve um segundo efeito, mais desvantajoso, é que por tudo e por nada, vem a questão do liberalismo. É um epíteto que eu não rejeito portanto não me incomoda.

Desconfia do Estado porque é liberal?

Eu comecei por desconfiar do Estado e depois é que me percebi liberal. Desconfio do Estado no sentido em que me parece que há uma incapacidade do Estado em conseguir perceber a realidade. Porque é impossível a um grupo de pessoas, seja ele qual for, como também desconfiaria se essas funções estivessem cometidas a um instituto privado, a capacidade de perceber os milhões de interacções que existem na economia. E perceber qual deve ser o caminho que deve ser seguido. Portanto desconfio do Estado nesse sentido. Quanto mais democratizado e liberalizado estiver o processo de decisão, quanto mais dermos espaço aos empresários para arriscarem e menos os condicionarmos, maiores possibilidades de conseguirmos ter sucesso. Não é uma desconfiança relativamente aos funcionários públicos ou aos institutos públicos. É uma incapacidade que é genética. Costumo dizer que muitas vezes quando se critica o discurso liberal, dizendo que o Estado porque é imparcial consegue ver melhor com independência e decidir melhor, pergunto-me: um funcionário privado no dia em que entra para o Estado muda de natureza? Deixa de ter simpatias, preferências, ideias, opções? Isto não tem que ver com as pessoas, e acho que o Turismo de Portugal tem conseguido responder muito bem, e com bastante competência, aos desafios que lhe tenho lançado no sentido de desregulamentarmos e permitirmos que a actividade económica possa fluir com menor intervenção do Turismo de Portugal.

Como encontrou os empresários portugueses do sector?

Acho que no meu primeiro discurso falei na atomização do sector, quer empresarial, quer associativa. Esse problema não se resolve de um ano para o outro, e não é susceptível de ser resolvido por políticas meramente públicas. Parece-me que esta constatação que faço, de que é um sector muito atomizado do ponto de vista empresarial e associativo, mantenho-a. No caso empresarial parece-me que existe um certo consenso hoje de que isso é uma realidade. Há que encontrar agora formas de resolver esse problema, se é que o sector quer resolvê-lo. E pode passar por experiências de concentração empresarial, de cooperação ou outras. Do ponto de vista associativo continuo a achar que temos no ramo da actividade do turismo mais do que uma associação, e agora até vamos ter uma associação de associações. O que significa que o juízo que eu faço da atomização associativa do sector não teve correspondência com o sector, ou seja, o sector nesse caso, pelos vistos, não teve a mesma opinião.

Quais as são as grandes mais-valias de Portugal como destino turístico?

Quando me pedem para comentar os resultados deste ano e explicar o porquê, digo sempre, o primeiro motivo é porque o destino é bom. O segundo é porque os empresários do sector são bons. E o terceiro é porque há entidades públicas e privadas que conseguiram perceber que o destino era bom e podia ser transformado num produto turístico. Somos um país cheio de recursos, nem todos são produtos turísticos. Soubemos transformar alguns em produtos, perdemos oportunidades em transformar outros, mas do ponto de vista global penso que aquilo que é a mais-valia que temos é o destino que é bom e tem recursos. A diversidade concentrada permite de facto criar muitos produtos turísticos. Saibamos nós fazer esse trabalho. Mais do que os empresários, mais do que os trabalhadores do sector do turismo e mais do que a promoção que temos andado a fazer, o sucesso desta área de actividade existe porque o destino é bom.

E dificuldades/problemas do país?

Há vários. Este crescimento que estamos a ter vem amparado por um contexto global de crescimento, o turismo no mundo está a crescer, e nós estamos a crescer um pouco mais do que a média mediterrânica mas estamos enquadrados neste contexto. Significa que estamos a saber captar este crescimento mas isto não nos garante que num contexto de quebra de turistas estejamos melhor preparados do que outros para resistir a essa quebra. Onde é que penso que estão os desafios que o sector tem para enfrentar? Em primeiro lugar, estamos apoiados num sector que fez investimentos muito pesados nas últimas décadas e que ainda não os amortizou e precisa de apoio para fazer sobreviver esses projectos. Muitas vezes a nossa preocupação é que projectos viáveis não sejam colocados em causa devido a problemas conjunturais e não estruturais. Este é um desafio que o sector tem e que se reflecte também do ponto de vista dos preços. Hoje fala-se muito da questão do preço, e acho que se deve falar, apesar de termos tido um bom crescimento de revPar e superior ao crescimento da taxa de ocupação, o que significa que foi um crescimento do ponto de vista turístico que não foi à custa de baixa de preços, parte do problema dos preços pela importância que o preço hoje tem para quem fez investimentos que ainda não conseguiu amortizar e que tem menor capacidade de poder variar de acordo com aquilo que a procura está a determinar. Um desafio é o de garantir a sustentabilidade financeira das empresas do sector do turismo. Para permitir poder ter no preço um factor de competitividade e não um ónus. Temos depois a questão da sazonalidade que é um problema que temos pela frente. E o de criar condições para que o sector possa ser mais competitivo. Isso implica matéria fiscal, mas também criar condições para que as empresas possam criar os seus projectos com maior grau de liberdade e inovação e criatividade para poder estar sempre na capacidade de responder àquilo que a procura quer. Do ponto de vista da promoção… hoje a viagem democratizou-se, qualquer pessoa tem mais facilidade em viajar e aceder à informação. Isso cria dificuldades mas lança oportunidades. Podemos hoje colocar maior número de informação com menor custo do que anteriormente, quando competimos com os nossos concorrentes. Mas isso implica uma actualização tecnológica grande, investimentos para conhecer a procura – e nós ainda não a conhecemos devidamente – e portanto do ponto de vista da promoção já estamos a fazer um bom trabalho no sentido de a adaptar às novas tecnologias, aos novos centros de decisão, e já estamos a aproveitar a democratização que as novas tecnologias permitem e porque o produto é bom, mas ainda temos de conseguir orientar-nos mais para a procura. Nunca aceito a explicação que o turista não percebeu o nosso destino. Nós é que não percebemos o que o turista quer.

Onde é que se vê daqui a 10 anos?

Feliz… e felicidade e política na mesma frase não combinam muito… pelo menos durante muito tempo…

A Ambitur.pt tem vindo a publicar parte das Grandes Entrevistas que tem realizado nas suas edições impressas, com alguns excertos inéditos.

Esta entrevista foi dada em Março de 2014.