Formação: O que mudou no ensino do Turismo com a pandemia?

O impacto da pandemia da Covid-19 no turismo é transversal a todas as atividades e a formação não é exceção. Universidades, institutos e escolas superiores que lecionam cursos ligados ao setor do Turismo também se adaptaram a esta nova realidade, reorganizando-se internamente e apostando em ferramentas digitais como meio para chegar a um fim. Ambitur falou com alguns destes estabelecimentos para perceber como têm vivido estas modificações e que tendências acreditam ser o futuro.

Isabel Freitas

Na Universidade Portucalense, houve a noção de que era necessário alargar novos horizontes, oferecer ou desenvolver novos serviços e implementar novas estratégias de funcionamento que permitissem a flexibilidade da gestão, a mudança fácil e o sucesso e adaptação rápida a novas situações. Isso mesmo explica Isabel Freitas, diretora do Departamento de Turismo, Património e Cultura desta instituição, que frisa que a formação nos dias de hoje passará por “pensar competências como a resiliência, a flexibilidade, a criatividade, a inovação, o empreendedorismo, e especializar profissionais em gestão de crises no âmbito do setor”.

A docente indica ainda que é vital a formação e mais quadros qualificados a nível superior e mais especializados nas áreas do turismo. “É muito importante acompanhar as tendências e as ferramentas mais atualizadas para que a adaptação à mudança se operacionalize nos serviços com mais facilidade”, adianta. Neste momento, a saúde passou para a primeira linha no turismo e é pois essencial que as instituições saibam oferecer segurança nas questões de saúde e higiene, defende.

Além destas preocupações, Isabel Freitas vê na sustentabilidade outra matéria de futuro, não apenas devido à pandemia mas também pelo grande desafio das questões climáticas. Por outro lado, aponta: “é importante que o turismo não esqueça o público interno. No verão passado, o turismo foi, em grande parte, sustentado com os movimentos de turistas internos. Não podemos esquecer os turistas nacionais e apostar em ofertas com grande significado”.

Sérgio Araújo

“Em turismo, continuará a ser o emocional a sobrepor-se ao racional”
Sérgio Araújo, subdiretor da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, não vê que o atual contexto provoque uma mudança estrutural na atividade turística sublinhando que “o paradigma do turismo continuará a ser marcado pela capacidade de diferenciação do intangível”. Para o professor, “em turismo, continuará a ser o emocional a sobrepor-se ao racional”. E não tem dúvidas de que apesar de não haver garantias relativamente à superação definitiva da pandemia, “esta crise pandémica corresponderá a um marco conjuntural que será absorvido pelo sistema, vislumbrando-se uma recuperação relativamente rápida do setor”.

Mas a assunção de que não haverá alterações estruturais nos sistemas turísticos, e de que ainda “não estamos numa fase de pensar numa realização e êxtase turísticos virtuais”, Sérgio Araújo considera contudo necessário “estudar novos modelos de negociação turística, assentes em mercados de proximidade e de turismo alternativo, capazes de superar a massificação, a concentração e a sazonalidade”. O Turismo de Aldeia, o Eco Turismo ou o turismo em espaços de paisagens protegidas, por exemplo, serão ofertas de pequena dimensão com uma predominância de valores autóctones que poderão contribuir para que os territórios e as suas gentes sejam bases culturais atrativas de desenvolvimento.

 

José Alexandre Martins

Repensar e adaptar modelos educativos
José Alexandre Martins, diretor da Escola Superior de Turismo e Hotelaria (ESTH) do Politécnico da Guarda, admite que foram muitas as instituições de ensino a nível mundial a incorporar no processo de ensino e aprendizagem cada vez mais ferramentas digitais nas atividades letivas diárias, tendo o “aumento da digitalização sido completamente acelerado devido à pandemia”. O responsável é apologista de que as instituições deverão ser capazes de compreender e antecipar as necessidades dos estudantes e mobilizar recursos para lhes dar resposta. Pelo que, neste contexto, os estabelecimentos de ensino “têm agora a oportunidade de repensar e adaptar os seus modelos educativos fruto da alteração para soluções de formação à distância de forma acelerada”. Para José Alexandre Martins, esta “transformação educativa” deverá permitir o desenvolvimento de novas abordagens de ensino, promovendo atividades colaborativas entre alunos e professores, com mais flexibilidade para os primeiros e a possibilidade de acederem a gravações para repetição, e uma “tendência reforçada da assunção dos professores com um papel cada vez mais de mentores”. O responsável não nega que a oferta formativa, hoje e no futuro, deverá integrar mais a aplicação de tecnologias, “que estão a tornar-se uma parte vital da indústria do turismo” e preparar e capacitar os estudantes “para encararem a inovação e a sustentabilidade no seu advir profissional”.

Ricardo Guerra

Numa tentativa de antecipar o futuro do desenvolvimento da atividade turística, Ricardo Guerra, subdiretor da ESTH do Politécnico da Guarda, não tem dúvidas da “necessidade urgente de reiniciar o turismo com segurança e de forma sustentável”. É certo que “os académicos não possuem uma bola de cristal”, mas o responsável defende que neste processo dinâmico em que nos encontramos, há espaço para a “reflexão e reorientação estratégica”, e aqui a “aquisição de novas e diversificadas competências pode também ser uma oportunidade para uma restruturada e orientada redefinição dos modelos de desenvolvimento turístico”. Assumindo como missão das instituições de ensino superior, além do ensino e da pesquisa, “serem atores ativos do desenvolvimento por via da geração de conhecimento científico, tecnológico e inovação”, Ricardo Guerra sublinha que este trabalho deve ser feito com as empresas e organizações do setor do turismo para se encontrar, em conjunto “soluções e caminhos para a recuperação sustentada e desejada”.

António Lopes de Almeida

“A transição digital confirmou ser o caminho”
O facto de o turismo ser um dos setores mais afetados pela pandemia veio pois colocar novos desafios às instituições de ensino mas também, assegura António Lopes de Almeida, professor do ISAG – European Business School e coordenador da equipa de investigação de turismo do CICET-FCVC, “um enorme potencial de melhoria”. E, continua, “a transição digital confirmou ser o caminho – não que houvesse dúvidas – e isso implicou uma profunda adaptação de todos os negócios”. Revelando-se as grandes fragilidades do setor em Portugal nesta matéria, as escolas foram convocadas a dar uma resposta rápida e eficaz, e os métodos de ensino foram revistos, desenvolvendo-se cursos exclusivamente online ou em formatos híbridos (b-learning). Estes últimos assumem, de acordo com o docente, uma particular relevância pois ” garantem a flexibilidade que os estudantes procuram, mas também a vertente prática essencial à grande maioria destas formações”. Além disso, o responsável esclarece que “estamos também a fomentar iniciativas ligadas ao empreendedorismo” já que a pandemia veio reanimar alguns nichos de mercado ainda em desenvolvimento. É o caso de oportunidades ligadas ao turismo de natureza e de aventura; à criação de novos produtos turísticos alternativos que respondam às necessidades do novo perfil de viajante, o qual procura experiências exclusivas, seguras e confortáveis; ou ainda à vaga de nómadas digitais que viram no trabalho remoto uma oportunidade para conhecer o mundo, explica.

António Lopes de Almeida considera prematuro avançar com cenários mas prevê uma retoma lenta e que somente no verão de 2022 se possa entrar numa fase de real recuperação. Mas lembra que não basta apenas retomar a atividade, “importa garantir que o setor estará fortalecido na recuperação, para competir com destino de todo o mundo, em pé de igualdade”. E reforça, aqui, o papel “indispensável” das instituições de ensino que ” deverão garantir formação adaptada às reais necessidades do mercado, com elevada qualidade e visão global”.

Benôit-Etienne Domenget

“Adquirir novas competências é fundamental para se manter «empregável»”
No Grupo Sommet Education, com a pandemia desenvolveu-se uma abordagem de aprendizagem flexível e, desde final de julho de 2020, implementou-se o método de ensino Hyflex, que permite que os alunos estudem online quando for mais adequado, ou de forma combinada. O grupo desenvolveu, por exemplo, uma nova solução de estudo combinada de última geração – Glion Connect e Les Roches Connect – para alunos de licenciatura do primeiro semestre em International Hospitality Business na Glion e em Global Hospitality Management na Les Roches, respetivamente. Trata-se de uma “abordagem «phygital» que permite que os novos alunos que não podem viajar para o campus comecem o primeiro semestre remotamente e continuem os seus estudos no campus”, explica Benôit-Etienne Domenget, diretor geral do Grupo Sommet Education.

O responsável não tem dúvidas de que com a tecnologia a renovar permanentemente o local de trabalho e mais colaboradores em situação de transição profissional, “adquirir novas competências é fundamental para se manter «empregável»” e as instituições de ensino são assim levadas a oferecer uma ampla gama de cursos para atender às necessidades diversificadas dos alunos.

Com três escolas – Glion Institute of Higher Education, Les Roches e École Ducasse – nove campus, e uma ampla rede de profissionais influentes no setor através de 28 mil ex-alunos, o grupo Sommet desenvolveu programas específicos nesse sentido. É o caso do mestrado em Estratégia de Hotelaria e Transformação Digital na Les Roches antes da crise, reconhecendo já na época que o negócio da hotelaria estaria a meio de uma transformação digital, admite Benôit-Etienne Domenget. “Num setor muito tradicional, onde a procura por fornecer um serviço excelente, limpeza e eficiência tem sido a mesma para muitas gerações, termos como distribuição online, gestão de canal, análise de dados, chatbots e machine learning tornaram-se o novo desafio de aprendizagem”, frisa, destacando que este programa de mestrado fornece aos alunos as chaves para desbloquear a nova fronteira da hotelaria.