Grande Entrevista: “Estamos a visualizar a entrada noutro destino, com parcerias”

Luís Veiga, administrador executivo do Grupo Natura IMB Hotels, esteve à conversa com a Ambitur em mais uma Grande Entrevista, dando-nos a conhecer o seu percurso pelo setor turístico que o conduziu à Covilhã, em 1988. O empresário lidera hoje esta cadeia de cinco unidades hoteleiras no destino Serra da Estrela e assume querer crescer e manter-se competitivo através da aposta em produtos diferenciadores. Do Governo admite que o mesmo não reconhece ainda a importância do turismo no país e defende um plano conjuntural até à Páscoa de 2021, altura em que o setor poderá começar a mexer.

Como se cruza a sua vida com o setor do turismo?
Depois da minha formação no ISCTE e no estrangeiro, comecei a trabalhar em Vale do Lobo, Algarve, na área turística e imobiliária, que era o grande core deste empreendimento na altura, liderado por Sander van Gelder, que tinha acabado de comprar o resort e reforçou a sua dinâmica com o intuito de se atingir clientes de rendimento elevado. A entrada no turismo foi-me inculcada com esta grande experiência, como adjunto da administração. Depois voltei para Lisboa, estive na BDO, na área da consultoria, por empresas na área do turismo, retalho, viagens e imobiliário até vir, por questões familiares, em 1988, para a Covilhã. Nesta altura, a família trabalhava exclusivamente na área têxtil e, com a minha vinda, diversificámos a atividade para o setor imobiliário e turístico. Começámos com o investimento do Covilhã Country Club, que ainda temos, e que foi uma pedrada no charco no interior do país, tendo sofrido uma reclassificação global, no ano passado. De seguida, avançámos para a hotelaria e hoje temos cinco unidades hoteleiras no destino Serra da Estrela, sendo líderes em número de quartos e camas.

Qual o principal desafio que teve de ultrapassar?
Numa fase inicial, com uma concorrência muito ténue, o objetivo foi tornar o destino mais atrativo. Este era, e ainda hoje é, um destino marcado como low cost. Lamentavelmente tem esse estigma, ao contrário de outros, como o Douro e o Alentejo, que se conseguiram impor no mercado nacional. Este não foi um desafio fácil. Eu consideraria que o ponto fraco que leva a esta situação é a ainda atual concessão do turismo e desporto na Serra da Estrela a uma só empresa, que tem um conjunto de obrigações que não estão a ser cumpridas há imensos anos. Esta concessão abrange 40 mil hectares, quase metade do Parque Natural.

Numa fase mais recente, consideraria o aparecimento de novas unidades, com destaque para os últimos dois/três anos, onde o maior desafio foi mantermo-nos competitivos e termos uma diferenciação face a essa oferta. Ainda hoje se mantem este como o maior desafio para qualquer empresa no país, neste mercado: manter-se competitiva a nível global.

Daí termos feito algumas requalificações com upgrades significativos, como foi o caso do Hotel Turismo da Covilhã, totalmente remodelado há quatro anos, que se passou a chamar Puralã-Wool Valley Hotel & Spa, com uma temática forte, que permitiu atingir significativamente outros segmentos de mercado e aumentar o preço médio, a taxa de ocupação e o RevPar. Há dois anos renovámos o Covilhã Park, que está no centro da cidade, com 132 quartos, que passou de duas para três estrelas e hoje se chama Sport Hotel, todo vocacionado para o walking e cycling, oferecendo 103 quartos atualmente. Dentro da unidade, que tem um caráter muito urbano, temos uma área muito grande dedicada a ginásio e spa, numa atmosfera muito lifestyle.

Temos também duas unidades na Guarda, que vão sofrer uma intervenção num curto espaço de tempo. Não podemos ficar parados à espera que a pandemia passe e que o futuro nos diga como vai ser. Temos que criar o nosso próprio futuro e induzir esse futuro. Obviamente temos que planear percebendo o que o mercado vai querer. Sabendo já algo sobre esse novo consumidor, estamos a desenhar desde já uma oferta para o futuro.

Não tem qualquer problema em identificar e colocar o dedo na ferida de algumas questões mais polémicas. Considera que esta é uma marca sua?
Todo o nosso dia a dia é uma ação cívica. A sociedade civil tem que intervir. É verdade que esta hoje não tem um papel determinante, basta ver as limitações que a comunicação social tem hoje. Mas a sociedade civil tem que ser ouvida. Eu e o nosso grupo estamos perfeitamente à vontade para criticar quem quer que seja, quando achamos que temos razão e quando a justiça tem de ser feita.

É verdade que já critiquei o atual presidente da Confederação do Turismo de Portugal por razões óbvias. Na nossa região, as Comunidades Intermunicipais não funcionam bem e têm uma responsabilidade enorme naquilo que é a identidade da região e na sua promoção. Quando critico o presidente da ARPT do Centro, que diz que está tudo bem na Região Centro, faço-o porque, na verdade, esta tem ainda os indicadores turísticos mais baixos de todo o país. Estamos a falar de um RevPar que atinge, em média, os 20 euros. Quem está nesta atividade sabe que um RevPar de 20 a 25 euros é o limiar da subsistência. Também estou envolvido na questão das portagens. Integro uma Plataforma de empresários contra as portagens na A23 e A25, Sindicatos e Comissões de utentes, e conseguimos alguma redução para as viaturas comerciais, o ano passado. Este ano, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, comprometeu-se, em janeiro, com uma redução em descontos de quantidade nas viagens. A mesma responsável governativa afirmou que se demitia se até ao final do 3º trimestre as portagens não fossem reduzidas; estamos expectantes.

Da parte do Governo estamos à espera de um Plano conjuntural, de curtíssimo prazo. A pandemia assim o exige, como aconteceu com o lay off simplificado e com a retoma progressiva. Porque não se suspenderam as portagens até ao final do ano? Porque não se permitiu que se tornasse a deslocação das pessoas mais acessível e se deixasse mais rendimento nos restaurantes, hotéis e comércio local? As portagens representam uma noite de hotel, na deslocação à nossa região.

Temos de ser muito críticos, tanto ao nível da defesa da região, como da defesa do turismo ao nível nacional. Daí a minha convicção de que temos que defender o nosso caminho e não estar muito dependentes no que diz respeito ao poder político. Somos extremamente apolíticos neste aspeto e é assim que vamos continuar a ser.

Esses são temas que também estão relacionados com a especificidade de gerir hotéis distantes das principais zonas urbanas do país…
Devemo-nos questionar porque as pessoas vão a um hotel a 300 quilómetros de distância. Genericamente, há um espaço temporal para se tomar uma decisão fácil, que é o limiar dos 200 quilómetros, em termos europeus, por autoestrada. Quando passamos desta distância outros fatores interferem nas nossas decisões. Em destinos a 260 quilómetros de Lisboa e a 250 do Porto, como é o caso da Covilhã ou da Guarda, para se ter sucesso é preciso ter produtos diferenciadores. Não há aqui outra maneira de olhar para isto e o sucesso não passa por faturar mais, mas por ter maior margem. É por isso que nos batemos: maiores margens, maior valor acrescentado. Quando temos um hotel destino, como é o caso do H2otel, tudo se torna mais fácil. É aqui que temos trabalhado e reforçado o conceito no sentido de manter um hotel destino que já fez 10 anos, no qual fizemos obras de grande envergadura nos dois/três meses em que estivemos encerrados. Temos produtos novos no hotel, renovámos completamente a decoração da unidade. Não estivemos parados, aproveitámos para fazer um investimento. Nas outras unidades hoteleiras, entendemos que devem ser um Hub do destino, ou seja, no sentido de que devem ser hotéis lifestyle, onde as pessoas se sentem bem e têm toda a informação sobre o destino turístico. Quem não tiver este tipo de características nas unidades, dificilmente consegue vingar no mercado nacional ou internacional.

Quem são os proprietários do grupo e que outros interesses económicos têm?
Temos a propriedade e gestão das unidades hoteleiras. Somos um grupo familiar. Neste momento, estamos a visualizar a entrada noutro destino, com parcerias. Vamos eventualmente dar agora o salto mas com parcerias. Ao nível de outras áreas de negócio, estamos presentes no têxtil, com uma unidade fabril, e temos lojas de retalho pelo país. Temos também interesses na área imobiliária.

Pela sua experiência, o que um gestor hoteleiro nunca deve esquecer?
Vamos aqui separar um gestor hoteleiro subcontratado de outro que faz parte da estrutura orgânica ao nível de participações sociais. No primeiro caso, nunca deve esquecer que está dependente dos acionistas, sendo fundamental o retorno destes; este tem de ser o seu primeiro pensamento. Isso passa por saber otimizar muito bem os recursos, sejam financeiros ou humanos. Compete depois à administração ter uma visão mais alargada do que é a estratégia do grupo.

No segundo caso, essa não é a primeira componente, pois esta já existe à partida. Sendo assim, tem de procurar a otimização máxima dos recursos com uma visão de 360º. Se há setor de atividade em que essa visão alargada tem de existir é precisamente na atividade turística. Tem de se conhecer todos os stakeholders que existem para se saber gerir bem uma unidade turística. Uma unidade hoteleira não é algo físico que está parado; há todo um ecossistema que gira à volta dela, e é necessário conhecer todo esse ecossistema. Esquecer-se disso é não se ser gestor.

Porque aceitou liderar a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) e que cunho pessoal ali deixou?
Já tinha alguma experiência associativa. Tenho este “bichinho” pois já tinha sido presidente da Associação Empresarial do Distrito de Castelo Branco. Quando entrei para a direção da AHP, como vice-presidente, antes de sair o Miguel Júdice convidou-me para encabeçar uma lista, e eu aceitei. Tentei dar um cunho pessoal com uma proximidade muito grande. Temos uma excelente presidente executiva, a Cristina Siza Vieira, que na altura já lá estava; Como presidente do Conselho Geral achei que deveria estar a par de todo o trabalho da área executiva. Fazia questão de estar em todas as reuniões, de ter uma atitude muito dinâmica e pró-ativa e dar a cara pela AHP.

Quando me envolvo num projeto, seja ele associativo, empresarial ou outro, faço-o de corpo e alma, não para a fotografia, tentando fazer pontes quando elas são possíveis. Sabemos como é o associativismo turístico em Portugal. Num país tão pequeno assistimos a uma divisão e a um número grande de associações. Essa divisão do movimento associativo acaba por interessar ao poder político.

Foi uma experiência muito interessante, permitiu-me conhecer todos os grandes grupos nacionais. Lembro-me que foi muito interessante uma ligação que fizemos com a ACISO – Associação Empresarial Ourém-Fátima. E faço aqui uma nota referente à situação muito preocupante de Fátima. Se até o Episcopado reagiu com a dispensa de alguns colaboradores, é preocupante a situação das mais de 40 unidades hoteleiras naquela região. Esta foi a região, que há dois anos, com a vinda do Papa, foi a alavanca dos números que a região do Centro teve a nível turístico. É importante que se fale e se olhe para esta região agora, que será aquela que está a ser mais marcada pela crise.

Quando tomou consciência do verdadeiro impacto da pandemia da Covid-19?
Janeiro e fevereiro foram bastante interessantes, foram meses de crescimento, face aos meses homólogos. Em março, começaram os cancelamentos a suceder-se a um ritmo alucinante e tínhamos que tomar decisões. Deixou de haver mercado…

Quais foram as primeiras decisões tomadas?
Não encerrámos duas das unidades, também por estarem em zona urbana. De alguma forma, isso também nos foi pedido pelos centros hospitalares, tanto da Guarda como da Covilhã, para uma situação em que fosse necessário algum apoio. Mantivemos o Sport Hotel aberto, nunca o fechámos, mesmo com taxas de ocupação ridículas, e o Hotel Vanguarda, na Guarda, esteve também sempre aberto. Nunca foi necessária a sua utilização pelas autoridades de saúde, o que foi bom sinal. Este foi um destino onde a pandemia não chegou de forma visível. Nas unidades fechadas, aproveitámos para fazer algum investimento e formação. A formação pretendeu qualificar os nossos colaboradores e mantermos o contacto com os mesmos.

Como vê a evolução do atual contexto?
Temos que reconhecer que, por parte do Governo, sendo o turismo a atividade económica mais importante, a mesma não está claramente evidenciada. Quando uma atividade representa 52% do volume de exportações de serviços, 20% das exportações globais e é a maior atividade exportadora, e não se admite nem se vinca isso publicamente, não ter um roadmap claro, um plano conjuntural bem feito para este tipo de atividade é admitir que o turismo não é assim tão importante. Mas o turismo é mesmo muito importante e percebemos isso através das decisões que vêm de Inglaterra sobre a quarentena, mas não vemos realmente que se admita, por parte do Governo, que essa importância exista. Não assumir que o turismo é a atividade económica mais importante é um erro por parte deste Governo, onde é notória a falta de liderança política.

Há aqui um grande ponto de interrogação sobre o que vai acontecer, mas tenho de admitir que, para além de um plano conjuntural, há uma série de intervenções que têm de ser feitas, sob pena de grande parte das unidades encerrar portas. Há muito que se pode fazer. Há países onde se colocou um IVA super reduzido para a atividade turística, reduziram-se impostos, entre outros. Vou só dar um pequeno exemplo do que se pode fazer: temos gás natural em alguns hotéis, não tivemos consumos em Abril, Maio e Junho, mas pagámos as taxas camarárias de ocupação de subsolo. O imposto sobre os combustíveis fósseis, que é uma brutalidade neste momento, à semelhança do que outros Governos fizeram com as faturas da EDP em que permite que se coloquem várias taxas na fatura do gás. Este ano aumentou brutalmente o imposto sobre os combustíveis fósseis e andámos a pagar impostos sobre valores que não consumimos. Há uma série de componentes e custos que podem ser reduzidos nesta fase e que não estão a ser reduzidos ou suspensos.

Depois, tem de haver um plano de médio e longo prazo, claramente, e que tem de contar com os cerca de 40 mil milhões do Plano de Recuperação Pós-Covid-19, que foi decidido pela Comissão Europeia. Sabemos que Espanha está a trabalhar nesse Plano e vai apresentá-lo no mês de outubro e nós temos que nos questionar quando teremos um plano. E desses 40 mil milhões, num contexto em que é preciso repensar, reestruturar e ajudar o setor a voltar ao de cima, gostaríamos de saber qual a verba que calhará ao setor e à atividade turística. Isto para além de um Plano Conjuntural até à Páscoa do ano que vem. Este é o timing correto para se definir já, porque o turismo só começará eventualmente a mexer após a Páscoa de 2021.

O Turismo de Portugal também já deve estar a pensar como iremos entrar de novo no mercado, isto porque o MICE não irá funcionar na época de outono e inverno. Mais um aspeto negativo com que nos vamos ter de confrontar. Por outro lado, quando passar esta fase, iremos assistir a uma super competitividade entre destinos, que será algo do outro mundo, ou seja, vai haver investimentos brutais em termos de promoção também ao nível de apoio a companhias aéreas… Quando a Ryanair diz que vai ter de repensar o destino Portugal, está a enviar-nos um recado no sentido de que se lhe dermos mais dinheiro, irá continuar a voar para Portugal. Espanha tem 170 mil milhões de euros do pacote financeiro da Comissão Europeia. Teremos também o dumping da Turquia com o apoio brutal que o Governo dá ao nível turístico tendo baixado a taxa do IVA para 1%. Temos que pensar que vai existir uma super competitividade dos vários destinos turísticos mundiais, que vão tentar retirar quota de mercado a Portugal. Temos de ser mais criativos e apostar muito na digitalização e sobretudo por essa via continuar a tentar ser o melhor destino.

Têm projetos em carteira?
Temos algumas parcerias previstas em outros destinos. Não posso agora pormenorizar, mas quero dizer não estamos parados. Temos confiança no know how que temos ao nível de mercado, temos confiança em nós próprios e temos confiança de que a retoma será bastante positiva e há destinos em Portugal que são icónicos, onde se justifica haver investimentos diferenciadores.

Como vê o grupo daqui a 10 anos?
Vejo o grupo no mínimo com o dobro das unidades que temos hoje, mas tudo bem planeado, ou seja, não queremos crescer por crescer, mas de uma forma ordenada, não com uma fobia de abrir unidades hoteleiras em tudo o que é sitio e com rentabilidades muito duvidosas, evitando lançar unidades estandardizadas.

Como seria o hotel dos seus sonhos? É o H2otel?
O H2otel é um hotel único, a sua singularidade leva a que este tenha um nível de atratividade grande e que tenha um grupo de fãs que, mesmo no confinamento ligavam para saberem como estávamos, preocupados com os nossos colaboradores. Um dos elementos de sucesso antes da pandemia era a socialização, agora temos o distanciamento físico. Costumo dizer que mesmo sorrindo por baixo da máscara, os olhos dizem tudo.

Temos um ou dois projetos em carteira que podem ser tão bons, ao nível de sucesso, como o H2otel. Não no destino Serra da Estrela, mas que podem ser marcos de diferenciação em outras regiões. Não há uma unidade hoteleira que seja “o sonho”, mas há vários sonhos em simultâneo.