Grande Entrevista: “O Turismo pode ser um acelerador do processo de «rejuvenescimento» da população em idade laboral em Portugal”

O envelhecimento da população e, consequentemente, a diminuição do número de pessoas em idade laboral é uma preocupação em Portugal. E o setor do turismo, que já se debate com dificuldades de recrutamento, é um dos grandes afetados. Mas poderá ser também uma alavanca para contrariar este envelhecimento, atraindo jovens imigrantes ao nosso país e também contribuindo para reter os jovens portugueses. João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve, entrevista Vasco Malta, Chefe de Missão em Portugal da OIM (Organização Internacional para as Migrações) numa conversa que aborda as questões da migração laboral e o papel de um turismo mais sustentável na construção de um “mundo melhor”.

Com a esperança média de vida a aumentar, os jovens a emigrarem e a natalidade a diminuir, em 2080 Portugal terá apenas 7,5 milhões de cidadãos, estima o INE. A população portuguesa está cada vez mais reduzida e mais envelhecida. Por contraponto, o Algarve, a principal região turística nacional, é a NUTII que mais população ganhou entre 2011 e 2021 (Censos 2021), sendo que grande parte deste aumento se deve ao crescimento da população estrangeira (69 mil pessoas em 2011 para 105 mil pessoas em 2021 – SEF Estatísticas). Que papel poderá ter a imigração e o setor do Turismo para o rejuvenescimento da pirâmide etária do nosso país?

A imigração pode, sem dúvida, jogar um papel importante a mitigar a atual crise demográfica que vivemos um pouco por todos os países ocidentais, e em particular em Portugal. Não será a única solução, pois isso exigiria um aumento dos fluxos de outras proporções, mas é sem dúvida um elemento que deve ser tido em conta numa estratégia que aponte a inverter a atual tendência de envelhecimento do país.

Nos últimos cinco anos, temos assistido a um aumento da imigração que veio equilibrar o saldo da balança migratória, tornando-o inclusive positivo a partir do ano 2019. Se analisarmos o perfil da imigração podemos ver que a população estrangeira residente é tendencialmente mais jovem que a população portuguesa, concentrando-se nos grupos etários em idades ativas e férteis. Segundo dados do Observatório das Migrações de 2019, cerca de 60,6% da população estrangeira concentra-se nas idades ativas entre os 20-49 anos, enquanto a população de nacionalidade portuguesa nesse mesmo intervalo concentra apenas 36,6% dos seus cidadãos. Por outro lado, apenas 9,5% dos estrangeiros residentes tem 65 ou mais anos, enquanto os residentes de nacionalidade portuguesa nesse grupo etário atingem os 22,9%. Se olharmos também para o número de nascimentos, os dados mais recentes da PORDATA da Fundação Manuel Rodrigues dos Santos refletem que em 2021 cerca de 14% dos nascimentos em Portugal foram de mãe estrangeira o que mostra um peso superior em termos de nascimentos à proporção de imigrantes em relação ao total de residentes em Portugal (que é menos de 8%).

Este aumento do número de pessoas em idade laboral é também fundamental para a sustentabilidade do nosso sistema de segurança social. Segundo dados do Observatório das Migrações, em 2021, as contribuições dos estrangeiros para a segurança social corresponderam a quase 1300 milhões de euros (Cerca de 10% do total das contribuições), um valor muito superior às prestações sociais que receberam de cerca de 325 milhões, deixando um saldo positivo de quase 970 milhões.

Se olharmos para o Turismo como um setor económico particularmente dinâmico, vemos que este pode também ser um acelerador deste processo de “rejuvenescimento”. A sua capacidade de criar postos de trabalho, não só em empregos menos qualificados, mas também em funções mais qualificadas, está já a atrair inúmeros imigrantes para o setor. A sua capacidade de se transformar e de se tornar mais atrativo do ponto de vista laboral o que implica melhores salários, maiores perspetivas de crescimento profissional e um melhor equilíbrio com a vida pessoal será fundamental para atrair e reter não só os jovens imigrantes, mas também os jovens portugueses, dando as condições para o seu desenvolvimento profissional, pessoal e familiar.

O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações afirmou recentemente que “em Portugal, um dos setores carenciados de mão-de-obra é desde sempre o do turismo”. O Turismo do Algarve esteve envolvido no desenvolvimento de programas de migração laboral, no sentido de responder rapidamente à procura de mão-de-obra qualificada para este setor, tendo participado numa missão da Organização Internacional das Migrações no âmbito do projeto “Promoção de uma boa gestão da migração laboral para Portugal”. Que balanço faz deste projeto piloto?

Faço um balanço muito positivo deste projeto. Para quem não conhece, esta é uma intervenção da OIM em conjunto com parceiros estatais (Instituto do Emprego e Formação Profissional – IEFP e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras- SEF) e parceiros a nível local (Região de Turismo do Algarve e a Associação dos Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur – AHSA) financiado pelo Fundo Asilo, Migração e Integração da União Europeia. O seu objetivo final é definir um Plano para a implementação de mecanismos de gestão da migração laboral para Portugal, centrando-se em dois setores económicos que têm registado uma crescente falta-de-mão de obra – Agricultura e Turismo – onde os trabalhadores estrangeiros são aqueles que têm colmatado essa carência.

Nesse sentido, temos vindo a trabalhar com as instituições centrais do Estado, poder local, setor privado e imigrantes. Isso implicou analisar os mecanismos institucionais existentes que favorecem a migração laboral, mas também perceber quais as reais necessidades do setor privado assim como as expectativas e experiências dos trabalhadores migrantes. No fundo, tentamos perceber como se dá o processo de migração laboral desde o recrutamento no país de origem até à integração destes trabalhadores migrantes em Portugal, identificando as principais dificuldades ao longo do processo, mas também as oportunidades para melhorar e criar um sistema que funcione para todos. Até ao momento, há algumas aprendizagens que me parecem importante destacar. Por um lado, a colaboração público-privada que estabelecemos e que permitiu entender o fenómeno desde várias perspetivas, procurando soluções que implicam mudanças, tanto na esfera do estado, como na esfera das empresas. Há toda uma série de respostas que devem ser dadas desde a política pública e do Estado para responder a este incremento e diversidade dos fluxos migratórios atuais, mas os empregadores também têm responsabilidade na forma como recrutam estes trabalhadores e na integração destes nas empresas e nas suas comunidades de destino. Por outro lado, destaco a colaboração com determinados países de origem com quem Portugal assinou Acordos Bilaterais de Mobilidade, nomeadamente a Índia, Marrocos e Cabo Verde. Tivemos a oportunidade de visitar estes países e de nos reunir com variadas Instituições Publicas e privadas, o que nos ajudou a entender as diferentes realidades e as suas prioridades em termos migratórios. Estas missões possibilitaram também melhorar os mecanismos de colaboração interinstitucional entre países, que entendemos serem fundamentais para assegurar processos regulares e seguros que beneficiem os migrantes e simultaneamente os países de origem e destino. Por último, gostaria de destacar o trabalho feito a nível local: com os nossos parceiros locais e em particular com as empresas dos dois setores através de ações de sensibilização e capacitação para o estabelecimento de processos de recrutamento ético, mecanismos de auscultação e proteção dos seus trabalhadores; e com os migrantes, com quem estamos neste momento a realizar uma série de grupos focais para melhor entender a sua experiência migratória, bem como as principais barreiras que eles identificam à sua integração nas comunidades locais.

Em conclusão, parece-me que esta iniciativa tem contribuído a um melhor entendimento da problemática, ajudando a gerar um ambiente favorável à discussão e à criação das sinergias necessárias para a implementação de mecanismos que permitam uma melhor gestão da migração laboral que fomente a integração dos migrantes no nosso país. Como Organização Internacional das Nações Unidas, acho que a OIM está numa boa posição para facilitar este processo, aproveitando não só a nossa experiência na temática, as nossas parecerias, assim como a nossa rede de escritórios e profissionais que estão espalhados por todo o mundo e que nos ajudam a ver o fenómeno migratório desde vários prismas.

O Turismo, também conhecido como a Indústria da Paz, é uma atividade que se prepara para bem receber visitantes de diferentes nacionalidades, línguas, culturas, religiões ou orientações sexuais. Quais os impactos sociais nos residentes desta hospitalidade?

Os impactos serão certamente positivos uma vez que o contacto com outras culturas facilita sempre um melhor entendimento do “outro”. O facto de Portugal ser considerado um destino que recebe bem pessoas de diferentes nacionalidades, religiões ou orientações sexuais fala bem da nossa sociedade. Queremos acreditar que isso demonstra uma abertura e sensibilidade da sociedade que esperemos favorecerá a integração de trabalhadores migrantes que, e isto é importante dizer, não têm necessariamente o poder económico dos turistas estrangeiros.

Assistimos ao drama dos refugiados no Mediterrâneo à procura de melhores condições de vida na Europa e, em fevereiro de 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, à vinda de milhares de refugiados ucranianos, que foi aliás acolhida de braços abertos por diversos responsáveis do setor do turismo em Portugal. Apesar de Portugal ser repetidamente reconhecido internacionalmente como um dos países mais seguros, que melhores relações estabelece com outras nações e que melhor acolhe imigrantes (ex: “Portugal is the 3rd most peaceful country in the world” – Global Peace Index 2020; “Portugal is the world´s Friendliest Country in InterNations 2018 Survey” – Forbes 2018; Portugal ranks #1 of “10 countries that are most welcoming to expats” – Business Insider 2018), têm vindo à luz do dia alguns casos de desrespeito pelos direitos a imigrantes em Portugal. Existe um Pacto Global para as Migrações Seguras e Portugal aprovou o respetivo Plano Nacional de Implementação em 2019. Como garantir a segurança e a integração destas comunidades no nosso país? Falta-nos ainda uma abordagem mais humanista às migrações?

Portugal tem sido um exemplo a nível Global no que diz respeito à receção e integração de imigrantes. Somos um dos Países Campeões do Pacto Global e fomos dos primeiros no mundo a aprovar um Plano Nacional para a sua Implementação. Vemos que existe uma narrativa positiva em torno à migração, e que como bem menciona, no caso dos refugiados ucranianos se traduziu numa rápida resposta por parte do Estado e da sociedade em geral, ante a catástrofe humanitária que está a sofrer o povo ucraniano.

No entanto, também temos visto essas situações de maior vulnerabilidade com preocupação. Uma abordagem humanista implicará perceber que os migrantes são pessoas como nós, que procuram uma vida melhor e que isso passa por terem acesso e poderem gozar dos mesmos direitos que nós. Isso implica um compromisso como sociedade. Não se trata unicamente de terem a sua situação migratória regularizada ou de terem um trabalho formal “dentro da lei”. Sem dúvida, isso é uma condição de base fundamental para reduzir a sua vulnerabilidade e diminuir o espaço de ação das redes ilegais, mas não é suficiente. Implica perceber que ao serem pessoas que vêm de outros países necessitam de respostas adequadas a essa realidade.

Primeiro que tudo precisam de respostas que devem ser dadas desde a política pública, com serviços eficientes que lhes permitam ter a documentação que possibilite o gozo dos seus direitos como educação ou saúde. Depois a questão do acesso à habitação, que sabemos que é um problema “nacional” e que se exacerba no caso dos imigrantes. A questão da habitação é realmente central em toda esta equação, não só pelo direito a uma habitação digna dos trabalhadores migrantes, mas também para que estes possam trazer as suas famílias e contribuir para mitigar a crise demográfica que vivemos. Enquanto essa situação não se resolver, dificilmente um migrante quererá ou poderá trazer a sua família para Portugal.

Outra resposta importante tem a ver com a questão cultural e idiomática. Os fluxos migratórios de hoje são diversos e de variadas origens. Se no passado, a esmagadora maioria dos imigrantes eram provenientes de países de língua oficial portuguesa, hoje temos fluxos de dezenas de países diferentes. A língua continua a ser uma barreira importante à integração e por isso é tão importante que o Estado continue a apostar nos cursos de Português. Acrescentaria ainda a figura dos mediadores interculturais que são fundamentais, assim como a promoção de atividades que aproximam as populações locais e as novas comunidades de imigrantes. Por último, gostaria de deixar uma nota em relação à importância de criar espaços de participação e diálogo nas empresas, mas também participação cívica e “politica” dos imigrantes, especialmente na construção de planos e estratégias que impactarão as suas vidas. A organização e participação dos imigrantes na “vida pública” será certamente um passo importante para, por um lado, visibilizar estes grupos e as suas necessidades tornando-os voz ativa na procura de soluções e, por outro, melhorar o desenho e a eficácia das políticas públicas de integração.

Vários economistas retratam o Turismo como uma das principais oportunidades de transferência de riqueza de países ricos para países pobres. A Assembleia Geral da ONU consagrou recentemente o dia 17 de fevereiro como o Dia Global da Resiliência do Turismo. Segundo as Nações Unidas, em muitos países em desenvolvimento o turismo é a grande fonte de renda, de ganhos em moedas estrangeiras e de receitas de impostos e emprego. Qual o papel que um Turismo Sustentável pode desempenhar na construção de um “Mundo melhor”?

O turismo é, sem sombra de dúvidas, uma força que pode e deve contribuir a essa construção. É um setor essencial em muitos países, incluindo Portugal, com um contributo económico e de criação de postos de trabalho inegável. No entanto, hoje esse contributo à economia deve ser equilibrado e ter em conta os impactos ambientais e sociais que gera nas suas comunidades.

Como tantos outros setores, também o turismo tem um imperativo ético de fazer “negócio” de uma forma sustentável e tem cada vez mais consumidores que procuram opções de turismo sustentável. Reconhecemos que o setor tem percorrido um caminho de forma a tornar-se mais sustentável, e que tem hoje preocupações que não tinha há umas décadas.

Um exemplo claro dos esforços do setor, é a chamada Hospitality Sustainable Alliance, uma aliança que congrega vários dos principais grupos hoteleiros do mundo e que procura que o setor gere impactos positivos não só a nível global como nas comunidades locais.

Esta aliança, dá um contributo desde o setor privado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, trabalhando áreas como Ação Climática orientada à redução de emissões e eficiência no uso de água, promoção de emprego jovem e proteção dos direitos humanos dos trabalhadores em toda a sua cadeia de valor. Sobre a questão do recrutamento de trabalhadores migrantes, é de destacar a parceria da Hospitality Sustainable Alliance com a OIM e a sua iniciativa IRIS – Sistema para a Integridade do Recrutamento Internacional – para a promoção do recrutamento ético e a proteção de trabalhadores migrantes na indústria do turismo.

*Publicado na edição 343 da Ambitur.