Ambitur esteve à conversa com Raul Martins, que preside à AHP – Associação da Hotelaria de Portugal e ao Conselho de Administração do Grupo Altis para conhecer melhor a realidade do setor hoteleiro numa altura tão desafiante. O empresário alerta que o principal problema das empresas é a tesouraria e que a hotelaria merece um apoio específico, pelo que a AHP apresentou, já este ano, ao Governo, o Plano SOS Hotelaria para permitir a sobrevivência das empresas hoteleiras.
Como descreveria a situação das empresas hoteleiras nacionais? É homogénea?
No verão passado, houve algumas zonas que tiveram mais procura do que outras, concretamente o Algarve que, apesar de ter tido uma quebra grande, teve mais ocupação do que Lisboa ou Porto, e as zonas do interior, onde as pessoas puderam ter opções de férias com menos aglomerações. Há hotéis pequenos e no interior, fora dos grandes centros, que melhoraram a sua operação, apesar de, segundo as estatísticas do INE, o número de noites dos turistas residentes ter quebrado 35%. Mas acabaram por representar uma percentagem maior, embora em valor absoluto tenham reduzido devido às várias situações que tivemos de não nos podermos deslocar. No caso dos hotéis, inicialmente quem tivesse reserva num hotel poderia deslocar-se entre concelhos, mas isso acabou por ser anulado, o que prejudicou bastante a situação. Os hotéis reabriram em julho e agosto, em Lisboa, e voltaram a fechar em novembro e dezembro. E outros fecharam a partir de janeiro. Portanto, houve hotéis que terão até aumentado a sua ocupação, os mais pequenos e no interior, enquanto que nos grandes centros, reduziram substancialmente as operações.
Quais os problemas que o setor enfrenta de maior gravidade?
São os problemas de tesouraria. Os apoios que existiram no princípio da pandemia foram bem desenhados. As empresas de hotelaria ficaram bem apoiadas. Se bem que se pensava que a retoma iria ocorrer passados três meses. Depois disso, para a hotelaria, não veio a ser aprovado pelo Governo nenhum apoio específico. Ou seja, para o turismo foram definidas várias situações mas nenhuma delas tinha em atenção a terceira vaga, pois ainda não tinha chegado. As medidas apresentadas em 18 de janeiro deste ano foram definidas sem se saber que viria aí uma terceira vaga, para uma retoma progressiva. Em Lisboa, no final de dezembro, os hotéis tinham reservas para os meses de fevereiro, março ou abril e, de um momento para o outro, deixaram de ter. A situação das empresas, sobretudo das grandes e médias – que são a maior parte da hotelaria, já que as micro e pequenas têm tido apoios razoáveis – caracteriza-se por só terem tido apoios para manter o emprego. Foi por isso que a AHP apresentou ao Governo, em fevereiro, o Plano SOS Hotelaria que propõe dois eixos imprescindíveis à sobrevivência das empresas hoteleiras: um fiscal e outro financeiro. Entre outras medidas, estão a isenção da TSU e a criação de linhas de crédito específicas para a hotelaria. Posteriormente o Governo apresentou novas medidas de apoio, mas que apesar de serem bem-vindas são insuficientes e ainda não estão disponíveis
O Governo quer agradar aos seus parceiros e temos a economia de mercado completamente distorcida. As grandes e médias empresas, que mais contribuem para o PIB, são aquelas que não são apoiadas. E as empresas, a partir do momento que não faturam, não têm capacidade para pagar os seus custos fixos. Não estamos a falar apenas da TSU ou do IRS, mas da água, eletricidade, seguros… Tudo isso é quase tanto como os ordenados de uma empresa. E esta situação está a criar imensas dificuldades às empresas que, de um momento para o outro, vão deixar de conseguir cumprir os seus compromissos. Já há empresas hoteleiras com ordenados em atraso por força desta circunstância. E o aumento dos despedimentos em janeiro disparou.
Quando fala em tesouraria está a abranger os encargos fixos…
Não há fornecedores de produtos, porque não há consumo. Até a situação da restauração dentro dos hotéis foi anulada nestes meses. Os hotéis que estão abertos têm uma situação mais ou menos equilibrada. Mas o que me preocupa mais são os custos fixos, como a TSU, IRS, seguro multirriscos, água, eletricidade, que têm sempre as taxas.
E as autarquias também poderiam ter feito mais em relação a “taxas e taxinhas”?
Ao longo deste tempo enviámos várias propostas às autarquias e à Associação Nacional de Municípios. Pensamos que a situação do IMI referente a 2020 seria mais do que óbvio não ser pago em 2021 nos hotéis que estão fechados. Mas não temos, até à data, reflexo nenhum dessa situação. Temos uma primeira Câmara que tomou iniciativas próprias, e bem, a de Fátima, que subsidia uma noite a quem estiver mais de três noites; consoante for 3, 4 ou 5 estrelas, o hotel tem apoios. Pensamos que Lisboa e Porto deveriam fazer algo similar. Outros países fazem o mesmo. No recomeço, Lisboa e Porto vão ficar em segunda escolha. Quem vem de férias, até a situação da pandemia estar ultrapassada, praticamente todo este ano, na melhor das hipóteses até setembro, os turistas não vão escolher Lisboa e Porto, as cidades vão ficar para trás. O Algarve, na altura de férias será preferido, mas também novamente todo o interior e as zonas menos massificadas. Portanto Lisboa e Porto ou têm alguma iniciativa de incentivar a escolha, ou então vão ficar para trás.
O que esperam, a curto prazo, que possa ser implementado para apoiar este setor de atividade?
O que queremos é que as nossas propostas sejam consideradas. O pacote de novas medidas de apoio à economia e ao emprego anunciado a meio de março não contempla linhas de crédito específicas para a hotelaria e a linha de 300 milhões de euros, do Programa APOIAR, pode não ser suficiente para salvar o Turismo, que se encontra numa situação dramática. A título de exemplo, a linha criada para as empresas exportadoras – e que, à última hora, a CTP conseguiu que fosse aberta a porta para o turismo, e bem, porque o turismo é exportador na sua grande parte – só tem garantia de 20% do Estado. Ou seja, um banco empresta 100% mas só 20% estão garantidos. Quando os bancos estão a escolher preferem escolher uma atividade com uma redução de 20% ou 30%, enquanto que o turismo tem 70% a 80%. E o banco prefere assim emprestar a outro setor, deixando o turismo para trás. Por isso é que insistimos em que houvesse uma linha fechada para o turismo. É também essencial o prolongamento da linha de apoio à retoma progressiva até 30 de junho de 2022.
Outra questão são as moratórias que estão em vigor até setembro, mas o Governo tem de encontrar uma solução para que sejam prolongadas.. Este ano, na hotelaria, de uma forma geral, se for um ano que dê zero, é bom. O ano passado deu um prejuízo enorme e, este ano, a nossa expectativa é que dê zero. E se assim for, não temos meios libertos para pagar empréstimos. As linhas de Covid têm de ficar para ser pagas em 2022 e 2023. E em 2024 então começar a pagar o longo prazo. Houve muitos hotéis que abriram nestes últimos cinco anos, têm endividamento elevado, e não vão ter capacidade para passar a pagar. Se tudo correr bem, em 2024, estaremos ao nível de 2019.
Também, na parte fiscal, gostaríamos que houvesse uma medida de incentivo ao turismo interno, em que as despesas dos residentes em Portugal pudessem ser descontadas no seu IRS, pelo menos o IVA.
Estas são as medidas de curto prazo. Depois temos uma série de medidas de estímulo ao turismo e à economia do turismo.
Isto significa que só em 2023/24 as empresas turísticas entrarão no seu “normal”…
Em Portugal, no final de setembro poderemos ter a imunidade de grupo. Pensamos que 2022 vai ser um ano já positivo, pode ser algo como 50% a 60% de 2019. A partir daí poderemos ter lucros, que permitirão solver os compromissos desta pandemia. Depois de 2023, devemos estar próximos dos níveis de 2019. A parte das viagens de negócios, o MICE, que tinha um peso importante em Portugal, em 2021 não vai praticamente existir. Esse será o segmento que mais se irá atrasar, e só deverá retomar a partir de 2024. Em 2023 estaremos talvez a 80% de 2019. E acredito que em 2024 estaremos ao nível de 2019. Pensava-se que este ano a retoma começava mais cedo, por força da terceira vaga isso não foi possível, vai retomar mais tarde, mas julgamos que possa ser mais robusta do que aquilo que estava previsto e que 2022 será um bom ano .
Será uma retoma homogénea a nível europeu?
Nesta primeira fase, sabemos que os europeus vão preferir a Europa, porque fora da Europa o risco é maior. Os analistas dizem que Espanha, Portugal e Grécia serão os países com maior incremento de turismo. Esta situação irá criar um fluxo este ano interessante.
Quais deverão ser os pilares assegurados pelo Governo e União Europeia a nível da retoma do turismo?
Há uma situação que é essencial para a retoma das viagens: o Certificado Verde Digital. Quando viajamos para alguns países da África ou Ásia, por exemplo, também temos de ter a caderneta de vacinação em dia. A Comissão Europeia já apresentou a proposta legislativa e aguardamos a sua concretização.
Por outro lado, não sendo da União Europa, o Reino Unido conta muito e aquilo que aí se passar impacta muito no turismo, nomeadamente em Portugal. Para Portugal é muito importante o regresso das viagens internacionais de e para o Reino Unido, que está previsto para o dia 17 de maio. Entretanto, também os turistas dos Estados Unidos da América e do Canadá começarão a viajar.
Está hoje o tecido empresarial hoteleiro português preparado para esta retoma? Quais as principais debilidades para encarar o futuro?
Vamo-nos preparar. Acreditamos que o próximo verão já será melhor do que o anterior. Sabemos que 30% dos hotéis que estão encerrados ainda não sabem se irão reabrir até ao final do ano. Mas não são hotéis grandes, são unidades mais pequenas. A capacidade hoteleira em Portugal vai ser reduzida por força das dificuldades de alguns hotéis que não vão conseguir reabrir. Mas pensamos que é uma pequena percentagem.
Esta é uma altura crítica para a hotelaria nacional, em que muitas unidades hoteleiras, e até mesmo grupos, poderão ser adquiridos por empresas internacionais? É um cenário que poderá alterar o panorama da hotelaria portuguesa nos próximos meses?
A situação das moratórias foi muito útil para isso não acontecer. Na última crise os bancos estavam numa situação complicada, de excesso de crédito e com rácios de solvabilidade desadequados, e empurravam as empresas para venderem os seus ativos. Hoje, os bancos têm uma estrutura de solvabilidade muito mais sólida e, portanto, esta situação das moratórias permite dar fôlego aos grupos nacionais para se manterem na posse dos seus ativos. Pode ser que numa ou outra situação isso venha a acontecer, fusões ou grupos portugueses que se fundam… Mas não temos conhecimento de nenhuma situação concreta de venda de ativos.
O que espera deste desconfinamento?
Os hotéis são locais seguros, demos provas disso na primeira fase do desconfinamento. Não merecíamos esta exclusão de não poder servir as refeições nos locais próprios, o que fez com que os hotéis tivessem mais uma quebra de receitas porque, por um lado, os hóspedes não querem ir para um hotel para ficarem no quarto e, por outro, porque muitos não tinham capacidade para servir os pequenos-almoços ou almoços nos quartos.
A AHP pediu ao Governo que o plano de desconfinamento fosse claro e objetivo e que permitisse às empresas trabalhar a médio prazo e é o que está a acontecer, no entanto para a hotelaria o impacto só se começou a sentir a partir de dia 5 de abril com o levantamento da proibição de circulação entre concelhos; a abertura das esplanadas; dos ginásios; e das piscinas. Esta terceira fase trará a abertura dos espaços interiores dos restaurantes dos hotéis. O nosso inverno foi um desastre.
Seria importante, através da SET, haver um plano para a retoma progressiva da atividade turística em Portugal?
A promoção está nas mãos do Turismo de Portugal. Penso que o Turismo de Portugal o está a fazer e as regiões de turismo também. Foi preparada uma campanha, em conjunto com a AHP, em que o Turismo de Portugal contribuía com uma parte do desconto: os hotéis têm um preço e fazem um desconto; metade desse desconto é pago pelo Turismo de Portugal. Esse plano estava para sair no final de 2020, mas foi adiado devido ao novo confinamento. Essa campanha de promoção é muito importante e tem de ser lançada a tempo. Cabe ao Turismo de Portugal fazer o relançamento de Portugal. Entretanto, também demos nota à Senhora Secretária de Estado do Turismo da nossa intenção em participar ativamente no plano de retoma que esta governante anunciou estar a ser preparado e esperamos, a benefício de todos, que este nosso envolvimento seja efetivado.
Poderá antever-se uma luta feroz por vários destinos nossos concorrentes no sentido de captar o mesmo mercado de turistas que Portugal procura? Como poderemos diferenciar-nos neste contexto?
Temos recebido vários prémios que nos diferenciam, para lá de todo o reconhecimento que temos tido na imprensa internacional. Esses prémios continuam a ser válidos. A reputação de Portugal no aspeto de qualidade turística não está nada beliscada. Somos o melhor destino da Europa.