Grande Entrevista: “Sou uma pessoa de projetos e de pessoas”

O cenário não poderia ser melhor para mais uma Grande Entrevista da Ambitur. Fernando Maia abriu-nos as portas do emblemático Olissippo Lapa Palace – do qual é diretor geral há 10 anos, cargo que acumula com a direção geral de Operações dos Olissippo Hotels há já 16 anos – para nos desvendar momentos da sua intensa carreira na hotelaria. Assumindo que dirigir o Lapa Palace foi um dos maiores desafios da sua vida profissional (mas não o único), fala-nos desta sua paixão pelos hotéis e de como o setor tem evoluído ao longo dos anos.

 

Como veio parar ao Turismo e, concretamente, à Hotelaria?
Vim parar à hotelaria por influência de um amigo do meu pai. Acabei por fazer formação em Ciências da Educação e fui professor do 1º Ciclo durante três anos, mas nunca deixei a hotelaria que, para mim, é uma paixão.  Posteriormente acabei por fazer formação na Escola de Hotelaria, pois queria singrar na atividade. Fiz Gestão na mesma escola e, mais tarde, Direção Hoteleira.

Considero que na minha vida profissional a grande oportunidade que me foi dada foi no Hotel Alfa Lisboa (atual Corinthia), onde progredi. Tive o cuidado de me preparar antecipadamente, mas foi este hotel que me proporcionou a carreira.

Recuando um pouco mais, por onde começou?
Comecei por trabalhar no Hotel Embaixador e depois no Lutécia. Em termos de carreira no Alfa, comecei em 1985 como diretor de Front Office e, passado um ano, assumi a direção de Alojamentos. Saí em 1988 para a abertura do Hotel Continental (atual Holiday Inn), mas acabei por regressar ao Alfa a convite da Occidental Hoteles, aí com uma responsabilidade mais alargada, já como diretor de Operações. Quando a Occidental saiu, assumi a direção geral do hotel. Mas a dada altura senti necessidade de ter uma experiência fora da hotelaria e fui para a Horwath Consulting, como diretor de projetos. Foi uma boa experiência profissional … Quando trabalhamos só em hotéis temos uma visão um pouco deficitária, vemos os hotéis de dentro para fora, e eu precisava de ver os hotéis de fora para dentro.

Mas como o “bichinho” se mantinha, entrei em setembro de 96 no projeto do Hotel Metropolitan. Deram-me seis meses para preparar a abertura da unidade, um desafio grande que correu bem. Conseguimos uma rentabilidade muito boa e a gestão foi reconhecida. O sucesso da operação no Metropolitan ditou o insucesso da sociedade e os sócios acabaram por seguir caminhos diferentes. O Sr. Nazir Din ficou com o hotel, foi dos primeiros a partir dos quais estruturou o império que hoje tem. Eu acompanhei a família Seoane, que me desafiou para criar os hotéis Olissippo. São cinco hotéis: em 2003, abrimos o Castelo; em 2005 montámos a sede na Avenida da República; em 2006 o Oriente; dois anos depois comecei a estudar a operação do Lapa Palace e dei assim o meu contributo ao processo de aquisição, foi comprado em 2009, e fiquei a dirigir esta unidade até aos dias de hoje; em 2013 abrimos o Saldanha; o único que existia era o Marquês de Sá que sofreu um processo de ampliação e remodelação em 2010. Portanto, com o grupo estou desde 2003, há 16 anos. Sou bastante conservador. Dedico-me às empresas. Sou uma pessoa de projetos e de pessoas.

Qual considera ter sido o maior desafio da sua carreira?
Tive vários. O primeiro foi o assumir a direção do Alfa que, na altura, enfrentava muitas dificuldades financeiras. Mas foi nessa época que o processo de criatividade acabou por ser mais estimulante. O segundo grande desafio foi o Lapa Palace. Entrei nesta unidade num ciclo económico muito mau e os primeiros três anos foram particularmente difíceis. Mas valeu a pena. Foi muito trabalho, muita sorte e sobretudo por estar rodeado de uma boa equipa.

Na sua visão, o que nunca mudou na Hotelaria ao longo destes anos?
O que nunca mudou foi esta característica típica dos portugueses de saber receber, de sermos hospitaleiros, com muita vontade de aprender e de fazer melhor. E vejo isso nos jovens.  Por outro lado, houve tanta coisa que mudou. Mudou o universo da oferta. Lembro-me que no início da década de 70 havia o Ritz, o Avenida Palace, o Dom Carlos, o Roma, o Lutécia, mais tarde o Sheraton, e pouco mais… Hoje é totalmente diferente, e não é mau, porque quando a oferta aumenta tanto assim, é porque existe procura. Não sendo pessimista, houve alturas da minha vida em que tive dúvidas. Questionava-me sobre se a procura iria aumentar para sustentar todo o investimento. Felizmente sim. E há várias razões para que assim seja.

Em 2001, a cidade de Lisboa tinha 84 hotéis e 20.223 camas. Passados 10 anos, esse número subiu para 132 hotéis e 30.260 camas. Este ano vamos ficar com 226 hotéis e 46.727 camas. Identifiquei, como aberturas que poderão acontecer nos próximos três anos, mais 26 hotéis e mais 6.462 camas. Depois temos um concorrente de peso, a Airbnb. Das 46.727 camas da cidade de Lisboa podemos compará-las com 59.300 camas do Airbnb. E isto muda as regras do jogo. Quando falamos em hotelaria clássica, temos que nos reinventar. Quando a oferta aumenta, julgo que o caminho correto será segmentar e diversificar. Cada um vai especializar-se num nicho. Os projetos que procuram ser inovadores têm um objetivo: dar resposta ao que o consumidor pede. Porque hoje as pessoas mais do que ficarem num hotel, pretendem ter experiências, e a experiência é que motiva a escolha de um hotel.

Quais são os pilares da gestão hoteleira?
Na minha visão, qualquer pessoa que desempenhe funções de responsabilidade numa empresa tem que saber antecipar, planificar, dirigir, controlar e rodear-se de elementos que sejam válidos para cumprir a sua missão. A par disso, tem que conhecer muito bem os mercados, o seu cliente, e estar atento aos sinais que o mercado lhe dá. Temos que ter o controlo da operação. Se não soubermos usar as ferramentas que temos à nossa disposição, não conseguimos os resultados a que nos propusemos.

Em termos de reconhecimento das profissões hoteleiras, qual o caminho?
Hoje a geração de profissionais que nos chega vem mais bem preparada a nível de formação académica. As pessoas adaptam-se mais facilmente. Por força da especialização, qualquer função na hotelaria acabará por ser inevitavelmente reconhecida de uma forma diferente. Tenho muitos jovens que se destacam pela positiva e que procuramos manter na empresa e proporcionar-lhes carreira. Não somos o único grupo a tentar fazer esta retenção de talentos, penso que seja uma obrigação de qualquer empresa.

O que um gestor de recursos humanos nunca pode esquecer?
Em primeiro lugar, sempre tratei os meus colaboradores com o máximo respeito. As pessoas que trabalham comigo merecem-no. Depois, quando assumimos um compromisso, temos que o honrar. São princípios básicos, essenciais na demonstração de um caráter, que eu acabo por privilegiar.

Qual o hotel que mais o marcou?
Todos me deixaram uma marca, mas o último (Lapa Palace) vai deixar-me uma marca ainda maior. É muito exigente, os clientes são conhecedores e sabem o que querem. É um desafio permanente e, por isso, marcante.

Quando vai de férias privilegia a escolha de um hotel?
Não. Quando vou de férias fico habitualmente em minha casa, no Algarve. Mas já fiquei em hotéis de cinco, quatro e três estrelas, não tenho qualquer problema, desde que tenha um bom serviço. Por vezes apetece-me mais estar em situações em que não tenha tantas atenções como as normais num hotel de cinco estrelas. Mas, seja num ou noutro, tenho sempre um sentido crítico que não consigo perder, penso que seja comum a qualquer um que trabalhe nesta área.

O que é que os jovens que entram nesta atividade devem ter em conta?
Só deve vir para a hotelaria quem gosta, porque a hotelaria oferece uma carreira, mas também exige sacrifícios. Sacrifícios que começam logo a ser notados nos dias de folga, que podem não coincidir com o sábado e domingo. Os mais jovens têm de perceber que esta é uma atividade 24 sobre 24 horas, como outras profissões.

Quem é Fernando Maia?
Nasceu no Alentejo, no concelho de Alcácer do Sal, há 66 anos, no mês de novembro. Mas apenas parte da infância foi ali passada, tendo sido Lisboa que o veio acolher ainda cedo. Bom aluno desde sempre, Fernando Maia casou-se cedo e, em conjunto com a mulher, decidiu tirar o curso de Ciências da Educação. Isto embora já tivesse a hotelaria no coração, mas com a cabeça a pedir-lhe a segurança de um curso com futuro. Apesar de ainda ter lecionado durante três anos, e de ter gostado, nunca deixou de trabalhar no setor hoteleiro, acumulando funções durante esse tempo, algo que admite ter sido facilitado por uma questão de organização e de ter tido a sorte de ter sempre alguém que o apoiou. Mas esta paixão pela hotelaria acabou por não passar para os dois filhos, hoje já adultos e com profissões totalmente diferentes da do pai. Fernando Maia reconhece que nunca lhes impôs a sua área e que o facto da sua profissão ter levado a que faltasse a muitos natais e aniversários ou férias poderá ter atuado como fator dissuasor.
Sabe que esta é uma profissão absorvente, mas também admite que apesar de já ter sido viciado em trabalho, hoje já consegue distanciar-se. “A idade dá-nos esse distanciamento e é bom”, afirma. Ambicioso sempre foi, e continua a ser, sobretudo no que diz respeito a estabelecer metas para si e para os outros. Nos tempos livres, Fernando Maia gosta muito de ler e de caminhar à beira-mar, altura em que consegue abstrair-se daquilo que o rodeia.

Discurso Direto
Próximo livro… “A estranha ordem das coisas”, do Prof. António Damásio. É interessante por falar da vida, dos sentimentos e das culturas humanas”.
Cidade preferida… “Lisboa, Florença e Barcelona, por esta ordem”.
Última viagem… “Turquia. Gostei imenso”.

 

Leia aqui a 1ª Parte da Grande Entrevista.