“Hoje Portugal é estratégico dentro da MSC”

É o “homem do leme” da MSC Cruises em Portugal desde a abertura do escritório da multinacional no nosso país, em 2010. E neste período de sete anos tem levado a companhia “a bom porto” e acredita sem hesitar que o mercado nacional poderá crescer mais no setor dos cruzeiros do que se perspetiva. Eduardo Cabrita, cujo percurso profissional esteve desde sempre ligado ao mar, contou à Ambitur por onde começou e a sua vontade de fazer crescer a companhia de cruzeiros a partir de Portugal.

No ano seguinte à sua entrada na MSC, em 2009, a companhia transportava oito mil passageiros; hoje transporta 20 mil. Quais os fatores determinantes para este percurso?
O ano passado fechámos com 20,5 mil passageiros e começámos sensivelmente com oito mil. Primeiro há na MSC um fator preponderante que é pertencer a um grande grupo com 500 navios de contentores. Há 300 anos que a MSC navega no mar, só ainda não tinha ainda pegado num hotel colocando-o num navio. Este foi um processo que começou em 2003. Em determinado momento avaliou-se a hipótese de se desistir do navio de cruzeiros ou avançar-se para um processo industrial, e foi a última posição que prevaleceu. Porque só havia estas duas opções? Porque quando se começa do zero e já há todo um setor implementado é muito mais fácil analisar onde está a concorrência, o que está a fazer e como é que nos vamos implantar. Ou seja, a decisão de construir é baseada na estratégia posterior, sendo isto tudo evolutivo. Este crescimento foi a par e passo com a abertura dos escritórios na Europa, não sendo por acaso que Portugal acaba por ser a última abertura, pela dimensão do mercado.

Temos, por um lado, a capacidade de investimento da MSC para nesta altura lançar 12 navios, num investimento de cinco mil milhões de euros até 2013. Nós abrimos o escritório em Portugal em 2010 e tivemos a oportunidade de ter ainda três navios para inaugurar, e conseguirmos passar uma imagem e comunicar. Depois estivemos parados três anos ao nível do investimento em navios, foi uma fase de consolidação. Quando se lança 12 navios em 10 anos é muito difícil colocar todos os departamentos alinhados. Houve essa necessidade. Este também foi o período em que se desenvolveu um novo plano de investimento, que começou agora com o navio Meravigliaa, que implica a construção de 11 novos navios, num investimento de nove mil milhões de euros. Esta capacidade de investimento é um dos pontos essenciais da MSC, para que Portugal também possa usufruir de uma forma comunicacional completamente diferente.

Segue-se a responsabilidade do próprio país para esses resultados, no bom sentido. Neste caso foi a de conseguirmos, num curto espaço de tempo, comunicar de uma forma muito efetiva com os agentes de viagens e clientes. Um dos nossos pontos fortes é a MSC ter como core business os europeus. Isso leva a que tenhamos que ter uma bandeira em todos os países da Europa e é na Europa que temos que continuar a lutar cada vez mais pela liderança.

 

Olhando para o futuro, a empresa quer atingir os 30 mil passageiros até 2030?
Neste momento fazemos globalmente 1,6 milhões de passageiros por ano. Em 2026, com os novos navios, esperamos fazer três vezes mais, o que dará 4,8 milhões. De acordo com estes números, e com as perspetivas que temos para Portugal em termos de crescimento dos últimos sete anos, diria que podemos apontar para três vezes mais clientes também. Além disso, acredito que o mercado português consiga ter muito mais capacidade até 2026, porque a curva de crescimento assim o indica. Pelos números que temos através do MSC Monitor, o número de portugueses a viajar anda nos 50 mil. Este ano prevemos acabar perto de 23 mil passageiros nacionais e poderíamos ter tido mais não fossem os fenómenos que aconteceram com Cuba, Caraíbas, entre outros. Em Portugal, se passarmos dos 22/23 mil passageiros este ano para 60 mil num espaço de 10 anos acho que nem sequer é muito.

 

Esta é uma meta desafiante ou relativamente fácil?
É uma meta que aparentemente será fácil, só não acontecerá se houver algo que inverta totalmente o panorama atual. Há outro fator interessante face ao resto dos países que é a taxa de penetração. 50 mil passageiros a dividir por 10 milhões de habitantes é 0,5 a média europeia, está nos 2%, sendo que cada vez há mais cruzeiros a partir de Lisboa e os portugueses estão habituados a viajar para fazer algum tipo de férias. Se continuarmos a passar uma mensagem cada vez mais forte de que os cruzeiros são uma alternativa fantástica a quem quer ir de férias, a percentagem dos 0,5 irá aumentar. Há um número muito engraçado que diz que até 2026 existirão mais 97 navios de cruzeiros. Até 2016, nós vamos lançar 10 novos navios. O facto é que, no mundo inteiro, o mercado de 2007 para 2017 aumentou 100%. Porque será que nos próximos 10 anos o aumento não pode ser maior ainda?

No mercado português esta é mais uma questão de conseguirmos comunicar com mais força. Claro que isso é um desafio porque os orçamentos de marketing das companhias são desafiantes só por si. Por outro lado, há outros mercados na Europa que são muito mais fortes. Se, por um lado temos, pontos fracos em comparação com outros mercados, por outro lado, temos o “mindset” do povo português que realmente está muito ligado ao mar, comparado com outros países. Temos tudo para que as coisas possam ser muito mais do que realmente apresentam estes números.

 

Qual o timing de aumento de capacidade dos navios por parte da MSC?
O único ano em que não teremos navios novos até 2026 será 2023. Acredito que muito perto do final deste plano haja um terceiro plano de expansão, mas o mercado vai ditar o que se passará nos 10 anos subsequentes.

De que forma é Portugal estratégico para uma multinacional?
Se disser que Portugal é estratégico para a MSC terei de quantificar o quanto é estratégico. 80% do volume de vendas da MSC, assim como de outras companhias, é essencialmente de cinco países europeus: Espanha, França, Itália, Alemanha e Inglaterra. Estamos a procurar outros mercados de origem, como o Norte da Europa e outros a nível mundial. Já temos operações no Brasil e África do Sul, mas em breve iremos para outras latitudes mundiais, como China ou Japão, pois temos de expandir a nossa oferta e procura, e jogar com o inverno e verão.

Dentro dos países em que fazemos o mesmo número de passageiros de países europeus com uma dimensão idêntica posso dizer que Portugal é estratégico porque os números dos últimos anos o afirmam. Na última grande reunião que tivemos conseguimos comprovar que Portugal tem apetência para crescer. Eu adoro passar um slide, da Organização Mundial do Turismo, que mostra o que Portugal é: o português gasta em média o dobro do dinheiro dos países da Europa, é assim hoje e será daqui a 10 anos. Não há mais nenhum país assim. Mostro assim que vale a pena continuar a apostar em Portugal pois o país vai ter cartas para dar. Sendo assim, dentro de um segundo patamar estratégico, posso dizer que hoje Portugal é estratégico dentro da MSC. Nota-se isso pela aposta no próprio país.

Mas todos os anos tenho que mostrar e provar onde e como quero crescer através de um plano de negócios, em várias vertentes. Felizmente todos os anos se observa que a estratégia é a correta porque temos conseguido os resultados a que nos propomos, o que nos permite discutir o futuro com confiança.

 

Em 2013 tem luz verde do CEO da MSC para uma estratégia mais forte; é um ponto de viragem?
Este período coincide com a saída do anterior CEO da empresa e com a entrada do atual, Gianni Onorato. As perspetivas dos dois eram completamente diferentes, pois o primeiro estava a lidar com uma fase de investimento. A entrada do Sr. Onorato coincide com a paragem do ciclo de investimento, que já estava planeada. Três anos depois voltamos a ter outro plano de investimento. Sendo assim a primeira vez que há uma reunião obviamente que há suspense no ar. Felizmente deparámo-nos com alguém que encara que os países são os primeiros que estão à frente, a fazer o seu trabalho, e que “corporate” de alguma forma é quem está atrás a tentar ajudar. Isto foi uma inversão em relação à lógica de uma multinacional. Sendo assim a primeira pergunta que nos fizeram foi: do que precisam vocês para o mercado português crescer?

 

O que o país tem de fazer para ter mais escalas de navios?
O Terminal de Cruzeiros do Porto Lisboa é uma mais-valia pois permite turnarounds, algo que era muito difícil até hoje, já que a partir dos 800 passageiros o porto perdia capacidade de escoamento. Com as obras tornou-se possível até às duas/três mil pessoas. É muito difícil que isso venha a acontecer nos próximos dois/três anos, porque o planeamento dos navios é feito antecipadamente. Mas partindo do princípio que se possa pensar nisto, embora Portugal em termos estratégicos não esteja no centro do setor dos cruzeiros que são feitos na Europa, deixa de haver uma limitação. Um armador quando pensa num determinado local pensa em circulação, segurança, facilidade, e Lisboa tem isso.

Tem que se ter em conta nesta vertente o período do ano em que as escalas são feitas e a capacidade. O nosso navio que faz Lisboa/Lisboa é o Magnifica, com capacidade para 3400 passageiros, e temos aumentado a capacidade todo os anos. Para o ano será o Preziosa, que há três meses atrás era o nosso último navio, com capacidade para 4500 passageiros. Eu não consigo em Portugal ainda embarcar numa escala 4500 passageiros porque não há massa crítica. Se existisse eu seria o primeiro a propor três cruzeiros de turnaround completo em Lisboa. Talvez daqui a 10 anos possamos estar a falar de maneira diferente com os navios que aí vêm. Quando conseguirmos passar eventualmente um terço da capacidade do navio à partida de Lisboa teremos capacidade para ativar dentro da MSC um novo panorama.

 

Esta é a 1ª Parte da Grande Entrevista publicada na Edição 306 da Ambitur.