Hotel 4.0: “O investimento da hotelaria em digitalização apresenta um panorama desolador”

A AHRESP realizou, no passado dia 5, em Évora, uma sessão sobre o projeto Hotel 4.0, para debater o hotel do futuro. Luís Ferreira, cofundador da consultora Birds & Trees, parceira da associação neste programa, teve a missão de apresentar em detalhe como surgiu a ideia do Hotel 4.0, aquilo que considera ser “uma nova fase da hotelaria”, e ainda dados preliminares sobre o estado da arte do setor hoteleiro.

Para percebermos melhor este ideal de hotel, Luís Ferreira começa por esclarecer que a localização deixa de ser o foco para ser substituída pela personalização da experiência turística. Esta “é a chave fundamental deste novo hotel”, sublinha. E como fazê-lo? Através da leitura de dados, de um trabalho de inteligência para processar esses dados e gerar valor, responde. O novo hotel é também capaz de criar uma ligação emocional através das marcas, da ligação da experiência ao seu contexto. É um hotel de interfaces, com a tecnologia a ajudar nas operações, a apoiar a relação com o cliente “mas não a sobrepor-se, este é um mito que temos de corrigir”, alerta o orador. Ou seja, “não é a tecnologia que substitui o humano mas antes o capacita, dá-lhe valor e tempo para personalizar a experiência”. O hotel do futuro é também um hotel que encontra novos modelos de negócio, que procura vantagens competitivas mais robustas com o aumento da satisfação do cliente e a simplificação de processos, isto é, a produtividade.

[blockquote style=”1″]O hotel do futuro é também um hotel que encontra novos modelos de negócio, que procura vantagens competitivas mais robustas com o aumento da satisfação do cliente e a simplificação de processos, isto é, a produtividade.[/blockquote]

Luís Ferreira admite que a hotelaria desde muito cedo apostou na digitalização mas acredita que se “tem deixado ultrapassar”. Daí o projeto querer perceber melhor como acelerar a transformação digital do setor hoteleiro português. Financiado pelo Compete, o Hotel 4.0 foi pensado em 2019, noutro contexto, mas “a pandemia tornou-o ainda mais pertinente e urgente”.

Foram assim definidos três grandes objetivos estratégicos. Por um lado, definir um roadmap pois percebeu-se que uma das dificuldades da hotelaria em se digitalizar é por, muitas vezes, não saber o melhor caminho a seguir. “Não é por falta de oferta, de alternativas; às vezes, é pelo seu excesso”, frisa o consultor. Um segundo objetivo prende-se com a qualificação de todos os profissionais, sempre com enfoque internacional. E, por fim, a interligação e cooperação entre municípios, agências de turismo, governo central e os diferentes players do setor. “Tudo precisa de ser articulado para conseguirmos desenvolver uma iniciativa que traga valor”, assegura Luís Ferreira.

O estado da arte da hotelaria

A consultora Birds & Tress decidiu então fazer um retrato da hotelaria em Portugal, junto de 240 unidades hoteleiras de todas as dimensões, categorias e regiões, e ainda 25 entrevistas presenciais.

Procurando saber em que serviços baseavam a sua oferta, e sem grandes surpresas, diz Luís Ferreira, surge no topo da lista um grupo de serviços que a generalidade dos hotéis disponibiliza: wifi e banda larga (96%), sustentabilidade e eficiência energética (58%) e videovigilância dentro do hotel (48%). “Estes são os três serviços que os nossos hotéis mais valorizam”, explica o responsável. Por outro lado, aqueles que maior interesse têm em implementar são a informação local digital (59%), uma app do hotel para serviços personalizados (47%) e informação personalizada dos hóspedes (41%). O consultor não tem dúvidas de que as apps serão “a próxima aposta da maioria da hotelaria”.

Quando questionados sobre o que mais contribui para o sucesso do seu negócio, 73% dos inquiridos respondem que consideram muito importante a satisfação/fidelização do cliente, 72% sublinham o serviço de excelência, 70% a oferta de qualidade, 54% as respostas emocionais positivas nos clientes, 50% o reconhecimento e prestígio da marca e 47% o valor criado para o cliente. Como bastante importante 52% salientam as estratégias de marketing e comerciais, 50% as inovações frequentes e outros 50% a disponibilidade de tecnologias de gestão e de marketing. “Só diria que pecam por estar demasiado centrados no seu umbigo, ou seja, tudo isto tem a ver com o hotel e ainda muito pouco com o turista”, alerta Luís Ferreira.

No que se refere à digitalização e utilização da tecnologia, o inquérito, feito no final de 2021, revela que “o investimento em digitalização apresenta um panorama desolador” e que “a disponibilidade para investir neste setor é ainda relativamente baixa”, indica o orador. A esmagadora maioria (82%) das empresas investe menos de 12 mil euros por ano em equipamentos, software e serviços. E, com a pandemia, a situação agravou-se, reforçando a convicção de não ser visto como um investimento prioritário. A previsão para 2022 é um pouco melhor, admite, mas ainda assim três quartos das empresas inquiridas continua a pensar investir menos de 12 mil euros.

[blockquote style=”1″]A esmagadora maioria (82%) das empresas investe menos de 12 mil euros por ano em equipamentos, software e serviços. E, com a pandemia, a situação agravou-se, reforçando a convicção de não ser visto como um investimento prioritário.[/blockquote]

Curiosamente, quando questionados sobre o grau de digitalização do seu negócio, a maior fatia (42%) afirma estar já digitalizado mas há ainda cerca de 20% que diz estar pouco digitalizado e que precisa de mais digitalização.

Para se digitalizarem, os respondentes afirmam recorrer, sobretudo, a um website atualizado, a um bom motor de reservas e às redes sociais. “É muito bom, mas é um passo intermédio para o nível de evolução da Internet”, alerta o consultor da Birds & Trees, até porque hoje em dia, ter um website é “o mínimo”. Se bem que, dos 240 inquiridos, 14 admitiram não ter ainda site. Olhando para a frente, e para onde planeiam investir, a dois anos, o paradigma não se altera. Apostam em continuar a investir ou até intensificar o investimento no website, no marketing digital e nas redes sociais. Só num plano secundário surgem intenções de investimento nos programas de fidelização, na loja online ou no CRM. “No final, ninguém está interessado nos quiosques digitais, muito poucos nos blogs e nos chatbots menos ainda, sendo que os chatbots são uma grande tendência da hotelaria internacional”, aponta Luís Ferreira.

[blockquote style=”1″]”No final, ninguém está interessado nos quiosques digitais, muito poucos nos blogs e nos chatbots menos ainda, sendo que os chatbots são uma grande tendência da hotelaria internacional”.[/blockquote]

O inquérito ao estado da arte da hotelaria quis saber ainda quais as tecnologias que os hoteleiros sentem ser capazes de melhorar a experiência do hóspede e a competitividade do negócio. E verifica-se uma aposta nas Smart TV’s, nos QR Codes de interface e no easy check-in e comfortable check-out. Menos interessante consideram as aplicações de realidade aumentada, o reconhecimento facial, assistentes mobile e ferramentas data warehouses/data mining. O responsável acredita que “estas respostas estão enviesadas pelo desconhecimento, porque as pessoas afirmam não estar interessadas muito mais porque não sabem como funciona ou para que serve”.

Por fim, questionados sobre o quanto será transformado o seu negócio a nível digital nos próximos anos, 46% afirmam “muito”, e 20% “bastante”, pelo que “temos dois terços dos inquiridos a dizerem que os próximos anos são anos de profunda transformação digital”, se bem que “não há ainda predisposição para investir”, recorda o consultor.

E como será essa transformação? Os inquiridos afirmam que seriam necessários, em primeiro lugar, apoios, subsídios ou linhas de crédito bonificado. Em segundo lugar, gostariam de saber mais sobre a transformação digital, evidenciando uma necessidade de informação e partilha de conhecimento, reconhece Luís Ferreira. Curiosamente, continua, apesar desse desconhecimento, “a grande parte dos entrevistados não considera a transformação uma ameaça, pelo contrário, vê nela oportunidades de crescimento e melhoria do serviço”. Em último lugar, identificam a «cibersegurança como uma das grandes ameaças à transformação digital e acreditam que o essencial do negócio se mantém. “Não acreditam que a digitalização tenha provocado um aumento de pressão concorrencial”, esclarece o orador, mas diz que “os números não nos dizem isso”.

Para acelerar a digitalização na hotelaria, apontam o desafio dos recursos humanos como primeira prioridade, ter pessoas mais qualificadas e capacitadas. reconhecem ainda a necessidade de informação sobre ferramentas e tecnologias e um mais claro retorno do investimento, além da interligação e do trabalho em rede.