Hotelaria (I): O que distingue os melhores gestores?

O setor do Turismo está novamente num período de crescimento em Portugal mas o cenário que se adivinha poderá não ser tão animador. Por isso mesmo, ter os melhores gestores à frente das empresas turísticas é um passo certeiro para o sucesso. Ambitur falou com hoteleiros e consultores, procurando saber a importância da gestão e da liderança para assegurar o futuro do Turismo e da Hotelaria do país. Esta é a primeira parte desta reportagem, publicada na íntegra na edição 340, onde falámos com vários grupos nacionais que nos deixaram a sua visão do que exigem aos seus gestores para que estes façam verdadeiramente a diferença. Além da paixão pela hotelaria, o ponto de partida para uma carreira neste setor, todos apontam a importância de saber gerir a mudança, de um bom equilíbrio entre as competências analíticas e o instinto de gestão direcionado, não só para as suas equipas, como para o cliente, ou de um espírito inovador e criativo como características chave para o sucesso.

Gonçalo Rebelo de Almeida, Vila Galé

O turismo mantém-se como uma das principais atividades económicas em Portugal e, por essa razão, Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador da Vila Galé, não hesita em afirmar que o setor continuará a ter “excelentes oportunidades de progressão na carreira”, o que significa boas opções para quem trabalha na área.

Nesta cadeia hoteleira, as equipas de gestão de cada unidade têm liberdade de propor e desenvolver iniciativas locais que permitam uma adaptação do produto e serviço à realidade local, contribuindo para melhorar a experiência do cliente mas, também, envolver as comunidades. E o administrador explica que o modelo de liderança que se pretende na Vila Galé assenta nos pilares seguintes: os líderes devem ser um exemplo a seguir e os principais formadores das suas equipas; a liderança deve ser envolvente e participativa; e deve haver uma aposta na transparência e partilha de informação. O que obriga, necessariamente, a que tenham um conhecimento profundo das diferentes áreas operacionais e atividades de um hotel. Para Gonçalo Rebelo de Almeida, apesar de vivermos em tempos de rápida mudança, o perfil de gestor hoteleiro que o grupo procura não mudou muito, devendo ter “paixão pela hotelaria, boas competências de relacionamento humano e orientação para o cliente, espírito inovador e criativo”.

António Trindade, PortoBay Hotels

No PortoBay Hotels & Resorts, o desafio do “empowerment”, ou seja, da descentralização dos poderes, é uma preocupação. Isso mesmo nos diz o CEO do grupo, António Trindade: “Deve ser um objetivo do nosso tecido produtivo não viver em relações hierárquicas demasiado fechadas, onde a partilha da decisão não seja feita”. E não tem dúvidas de que “é uma das grandes razões de sucesso ou de insucesso de um grupo”, resultando de uma cultura que está enraizada na própria sociedade. O empresário defende pois “a necessidade de partilhar, de se tornar solidário e, sobretudo, de repartir as responsabilidades”.

No PortoBay, explica, há o conselho de administração da holding, depois uma comissão operacional com os responsáveis por cada área operacional, e é neste ambiente que se gera a possibilidade de cada um destes membros, na falta de outro, poder agir e intervir em áreas diferentes. É, pois, um ambiente de partilha das realidades do dia-a-dia, como é o caso do relatório diário do duty manager, que é partilhado pelos vários hotéis e pelos vários responsáveis das áreas matriciais para permitir “a pronta responsabilização de cada um, quer em relação ao produto, quer em relação ao cliente”. Mas também, adianta António Trindade, para possibilitar a criação de ciclos de qualidade, esclarece, o que significa que a gestão do ciclo de qualidade não é feita por uma só pessoa, mas por diferentes áreas, para que se possa agir em tempo útil a um eventual problema ou a uma melhoria, ou definição de prioridades. “Esta partilha nesta lógica do ciclo de qualidade é, para mim, um elemento inovador que dá resultados positivos”, sublinha.

Por outro lado, o CEO da cadeia hoteleira de origem madeirense não tem dúvidas de que os gestores na hotelaria, e no turismo em geral, necessitam de ter como objetivo a satisfação do cliente, esta é a principal prioridade. Mas acrescenta que há outra prioridade: os colaboradores. “Querer ter empregados fiéis e satisfeitos, identificados com uma marca, é um dos objetivos fundamentais do grupo. Por isso, as matrizes prestam serviços às unidades operacionais mas também respondem às solicitações que venham da administração ou de cada trabalhador”, exemplifica. António Trindade sublinha mesmo que “a gestão é uma arte, e as artes não se conseguem só com formações demasiado académicas, porque vivemos num mundo de gente a trabalhar para gente”. O que quer dizer que, neste setor, “o gosto e o prazer que tenham no serviço da sua profissão são determinantes”.

Gonçalo Teixeira, Vila Baleira

Também na Vila Baleira Hotels & Resorts se procuram gestores motivados, que sintam os valores da empresa. E para essa motivação a autonomia é essencial, admite o administrador do grupo, Gonçalo Teixeira. “Procuramos alinhar a equipa de gestão na construção da estratégia do nosso negócio, clarificar a nossa proposta de valor e proporcionar aos nossos líderes a oportunidade de assumir essa autonomia com responsabilidade e rigor”, ilustra. A ambição deste grupo hoteleiro, inserido no Grupo Ferpinta, é que “a nossa marca seja a alma do nosso negócio e que todos sintam que fazem parte dele”, pelo que o responsável não hesita em dizer que “os nossos valores não são para ficar apenas no papel, queremos que nos corram nas veias e que, fundamentalmente, os clientes percecionem essa identidade muito própria”.

Mas há características específicas das quais a Vila Baleira não abdica nos gestores: uma boa capacidade de análise e velocidade na execução; que sejam capazes de mobilizar as equipas e que sejam, eles próprios, fonte de inspiração para as pessoas com quem trabalham. “A proximidade ao cliente final exige transparência e orientação para proporcionar um elevado nível de serviço”, esclarece Gonçalo Teixeira, para logo acrescentar que “isso não se faz com duas caras”. Dito isto, “os gestores não estão sozinhos, precisam das equipas alinhadas, motivadas e com boas energias”, aponta. Porque, no fim, o cliente acaba sempre por perceber a marca do espaço onde está.

Por outro lado, outra competência importante nos dias de hoje é saber gerir a mudança, essencial quer no processo de implementação da estratégia, como para lidar com as alterações constantes do meio envolvente à organização, ou mesmo para executar mudanças na organização. E, claro, os processos de transformação digital são “incontornáveis ao negócio da hotelaria”, clarifica o administrador da Vila Baleira. Além de muitos outros fatores que, funcionando como um todo, criam um gestor de sucesso.

Resumindo, diz Gonçalo Teixeira: “Hoje falamos em Power Skills e são essas as capacidades que andamos sempre à procura. Profissionais com visão, colaborativos, energizantes, mestres na arte de comunicar, capazes de tomar boas decisões para fazer face aos diferentes desafios”.

Jorge Macedo, Vila Vita Parc

Já o Vila Vita Parc Resort & Spa também garante ter “um quadro executivo de diretores muito orientado para pessoas e equipas, focado em proporcionar a melhor jornada possível aos colaboradores da empresa”. E, por isso mesmo, admite que a unidade nunca teve dificuldade em atrair profissionais “com perfis, experiências e conhecimento muito interessantes, que nos têm vindo a aportar valor”. Quem o diz é o diretor de Recursos Humanos, Jorge Macedo, que assume que, no passado, a orientação era muito para os resultados e, hoje, as pessoas têm um peso maior na cadeia de valor. “Há uma maior humanização de processos, que se assumem agora como mais democráticos e mais justos”, expressa o responsável. No Vila Vita Parc o espírito familiar fala mais alto e a filosofia de liderança assenta muito no seguimento de uma missão de valores inovadores, multidisciplinar e assente nas pessoas.

Hotelaria: um negócio que atrai gestores?

Luís Mexia Alves, DHM

Assumindo a importância de excelentes gestores à frente do negócio hoteleiro, Ambitur também quis saber se este é, afinal, um setor atrativo para os gestores. E, para isso, falámos com duas empresas com forte presença no mercado nacional, que se especializaram na gestão de hotéis, a Discovery Hotel Management (DHM) e a Amazing Evolution. Luís Mexia Alves, CEO da DHM, não tem dúvidas: “o nível de atração ao nível dos gestores para a hotelaria e turismo é muito alto”. E explica que Portugal é hoje um destino que atrai diversas nacionalidades, e onde o peso do turismo é significativo, e que por essa razão proporciona “um desafio que muitos gestores ainda não tiveram”. Além do facto de haver cada vez mais projetos diferenciadores no país, e uma elevada taxa de retenção de estrangeiros a viver em Portugal. “Todos estes elementos são atrativos para um gestor e oferecem uma oportunidade única de um setor transversal”, conclui.

Rita Pereira, Amazing Evolution

Opinião partilhada por Rita Pereira, Head of Strategy and Business Development da Amazing Evolution, que assume que a indústria do turismo e da hotelaria tem vindo a ser cada vez mais uma opção de especialização para alguns gestores. E este interesse resulta muito da importância do setor para a economia nacional, além de outros fatores como a sua crescente profissionalização e o crescimento da atividade, criando novas oportunidades.

E que de tipo de gestores deve a hotelaria querer atrair? A responsável é categórica: “precisamos de gestores que se dediquem a um dos princípios básicos desta indústria: de pessoas para pessoas”. Ou seja, “gestores apaixonados pelo serviço ao cliente”. Dito isto, todas as áreas operacionais de “front house” são essenciais para garantir o serviço ao cliente que é a chave na diferenciação dos produtos e para a criação de valor nos projetos, explica Rita Pereira. Por outro lado, numa perspetiva mais “back of house”, uma área técnica muito importante é o Marketing, quer a nível de criatividade, comunicação ou digital, “pois permitirá ser cada vez mais competitivo e eficiente na atração dos segmentos de mercado que façam sentido para garantir o posicionamento das várias unidades”.

Na Amazing Evolution existe uma estrutura matricial, com áreas de competência funcional mas também por cluster de projetos. E, em cada uma destas áreas, “os gestores respetivos têm autonomia para, regra geral em conjunto (função + projeto), planear, organizar e tomar as decisões necessárias para atingir os objetivos dos projetos que gerimos, garantindo o alinhamento com os objetivos da empresa”, clarifica a responsável. A visão é clara: “Só um esforço colaborativo de todas as equipas e de todos os membros dessas equipas nos permite alcançar os objetivos a que nos propomos”, recorda Rita Pereira. E explica que, na empresa, optou-se por uma filosofia de liderança participativa, segundo a qual “os vários gestores têm claro que só incorporando as ideias e contributos de todos os membros das equipas é que é possível alcançar os nossos objetivos e executar a nossa visão”.

Já na DHM, o grau de autonomia de cada gestor está alinhado com a fase em que se encontra a unidade hoteleira pela qual é responsável. Variáveis como a consolidação do ativo, as competências da equipa residente, a integração numa marca ou uma gestão autossuficiente estão numa base de uma maior ou menor autonomia para cada gestor, explica Luís Mexia.

E o que considera a DHM ser essencial num bom gestor? “Um bom equilíbrio entre competências analíticas e instinto de gestão direcionado para as suas equipas e para os clientes”, responde o CEO. Para o responsável, os gestores devem ter capacidade de desempenhar um papel fundamental tanto em hospitality, como na preocupação com a qualidade de serviços e produtos que prestam nos seus hotéis. Luís Mexia considera necessário um equilíbrio entre as soft e as hard skills num gestor. Concluindo: “Um gestor deve ter altas capacidades analíticas, mas também ser um líder nato, inconformado e que almeje por criar uma experiência única e diferente, criando valor para clientes, colaboradores, unidade hoteleira e para o grupo Discovery Hotel Management.”

Por Inês Gromicho